Subscrever Newsletter
 
Fundação António Quadros
ACTA N.º 4 Imprimir e-mail

ARQUIVO HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS

 

PT/FAQ/AFC/05/0101
Prémio Antero de Quental: Excerto do Livro de Actas do SPN referente à Acta n.º 4 da reunião do júri do Prémio Antero de Quental ocorrida no gabinete do Director do Secretariado da Propaganda Nacional no dia 29 de Dezembro de 1934.

Transcrição da Acta efectuada por: Fundação António Quadros. 

 

LIVRO DE ACTAS DO SPN 
ACTA NÚMERO 4 

 

Aos vinte e nove dias do mês de Dezembro de mil novecentos e trinta e quatro, pelas quinze horas e um quarto, reuniram-se, no Gabinete do Director do Secretariado da Propaganda Nacional, os membros do Júri do “Prémio Literário de Antero de Quental” (Poesia), Excelentíssimos Senhores Acácio Paiva e Doutor Mário Beirão. Estavam também presentes os Excelentíssimos Senhores António Ferro, Director do Secretariado da Propaganda Nacional, e eu, António de Menezes, que servi de Secretário. Os Excelentíssimos Senhores Dona Teresa Leitão de Barros e Doutor Alberto Osório de Castro enviaram os seus votos por escrito.
 
Aberta a sessão, o Senhor António Ferro leu o regulamento do mesmo Prémio, tendo feito algumas considerações sobre a instituição dos Prémios Literários do Secretariado da Propaganda Nacional, no presente e no futuro.
Em seguida leu a lista dos candidatos que eram os seguintes: Primeira categoria (mais de cem páginas) os Excelentíssimos Senhores Fernando Pessoa, com o livro “Mensagem”; Fausto José, com o livro “Síntese”; Hugo Rocha, com o livro " Rapsódia Negra"; Vasco Reis, com o livro "A romaria"; Pedro Homem de Melo, com o livro "Caravela ao mar"; Silva Tavares, com o livro "Gente humilde"; Carlos Pacheco, com o livro "Primeira entrevista de dois amantes"; António Guerra, com o livro "Tomar lendário"; Rodrigo de Melo, com o livro "Seiva"; Marques Matias, com o livro "Água do meu poço"; Joaquim Costa, com o livro "Melodias na sombra"; Jaime Cunha, com o livro "Chama da Pátria"; Bramão de Almeida, com o livro "Maré alta"; e José Luiz de Caldas, com o livro "Arraial minhoto". À segunda categoria (menos de cem páginas) os Excelentíssimos Senhores: Augusto Ferreira Gomes, com o livro "Quinto Império"; Araújo Pereira, com o livro "A sombra da tarde"; Afonso Simões, com o livro "Contos rústicos"; Osório Goulart, com o livro "Um lusíada"; Ramiro Guedes de Campos, com o livro " Credo"; Alfredo César, com o livro "Maravilhas da História de Portugal"; António Cardim, com o livro "Lago azul"; e António Botto, com o livro "Ciúme". O Júri, a seguir, examinou as obras referidas, considerando fora dos termos do regulamento, para a primeira categoria, os livros "Melodias na sombra", por se tratar de uma colectânea de versos já publicados noutros volumes; "Água do meu poço" por ser inferior a cem páginas e "Mensagem" pelo mesmo motivo, visto que o corpo do livro acabava na página número noventa e seis.
 
Procedendo depois a um exame de valores, foram excluídos os livros “Síntese”, “Gente humilde”, “Chama da Pátria”, “Maré alta”, “Seiva”, “Tomar lendário”, “Arraial minhoto”, e “Primeira entrevista de dois amantes”. O Secretário leu, então, as seguintes cartas, que contêm os votos da Excelentíssima Senhora Dona Teresa Leitão de Barros e do Excelentíssimo Senhor Doutor Alberto Osório de Castro: “Lisboa, 28 de Dezembro de 1934 – Ex.mo Senhor Presidente do Júri encarregado de atribuir o “Prémio de Antero Quental” (Poesia), instituído pelo Secretariado da Propaganda Nacional. Impossibilitada, por motivo de força maior, de comparecer na reunião do Júri, presidido por V. Ex.cia, venho, por este meio, apresentar o meu parecer sobre as obras concorrentes que julgo melhor merecerem, dentro das respectivas categorias, em que foram incluídas, as recompensas destinadas ao Prémio de Antero de Quental. Em minha opinião, a obra que, dentro da primeira categoria, julgo satisfazer melhor, pelo seu alevantado cunho nacionalista e pela sua beleza literária, ao espírito que ditou a instituição do Prémio de Antero de Quental, é a intitulada “Mensagem”, de Fernando Pessoa.
Dentro da segunda categoria – em que, conforme a letra do Regulamento, só deveriam ter sido admitidos poemas ou poesias soltas – parece-me merecedora da prometida recompensa a poesia “Credo”, de Ramiro Guedes de Campos, apresentada em exemplar dactilografado. Expressa a minha desvaliosa opinião – que procurei basear numa atenta leitura de todas as obras, na boa compreensão do pensamento que ditou este género de Prémios e no possível alheamento de quaisquer simpatias ou afinidades espirituais, seja-me permitido manifestar o meu maior apreço por algumas das obras apresentadas a concurso que me pareceram consoladoras certezas da forte vitalidade da poesia portuguesa e, sobretudo, da existência de um núcleo de poetas moços de alto valor e dignos de todo o estímulo. Quero mesmo afirmar que só o respeito pela letra do Regulamento a que obedeceu este concurso – no qual se expressa a intenção de premiar uma obra de exaltação nacionalista, me levou a não hesitar na escolha do livro que devia merecer a prometida distinção. É possível que, mesmo sem essa exigência, eu escolhesse da mesma maneira, em última análise, a obra “Mensagem” – porque ela é, na verdade, rica de conceito e de intenção, ainda que pouco acessível a muitas sensibilidades – mas, atendendo ao espírito que ditou as Bases do Concurso, a minha tarefa simplificou-se e a minha consciência ficou livre de qualquer preocupação de involuntária injustiça. Para a hipótese de o Júri presidido por V Ex.cia, desejar fazer qualquer bem merecida e honrosa menção doutras obras dignas de louvor especial, cito, sem destrinça de mérito relativo, as que me pareceram mais apreciáveis: primeira categoria: “Caravela ao mar”, de Pedro Homem de Melo; - “Gente humilde”, de Silva Tavares; - “Síntese”, de Fausto José; - “Água do meu poço”, de Marques Matias; - “A romaria”, de Vasco Reis; - “Água de neve”, de Nuno de Montemor; - “Melodias na sombra”, de Joaquim Costa; - “Seiva”, de Rodrigo de Melo; - “Maré Alta”, de Brandão de Almeida.
 
 Segunda categoria: - “Quinto Império”, de Augusto Ferreira Gomes; - “Lago azul”, de Nita Lupi; - “Ciúme”, de António Botto; - “Rosal em flor”, de Virgínia Mota Cardoso. Resta-me ainda pedir a V. Ex.cia que se digne apresentar, em meu nome, ao Ex.mo Senhor Director do Secretariado da Propaganda Nacional as minhas felicitações muito calorosas pela iniciativa da criação dos Prémios Literários, como factor daquela superior “política do espírito”, cuja inadiável necessidade, nesta grande hora de ressurgimento nacional, ele foi o primeiro a apontar e a preconizar. Com respeitosa consideração, subscrevo-me de V. Ex.cia, M.to A.te, veneradora e obrigada. a) Theresa Leitão de Barros”.
 

“Ex.mo Senhor Chefe dos Serviços Internos do Secretariado da Propaganda Nacional. Tive a imerecida honra de receber o convite do Secretariado da Propaganda Nacional para fazer parte do Júri do “Prémio de Antero de Quental”, e, se não houvesse acedido ao amável convite, quando verbalmente me foi feito, recuaria, por certo, pensadamente, ao reconhecer em minha consciência a insignificância do meu voto, nesta esmorecida fase da vida em que me encontro, e, com uma obra de poesia de que mal me já lembro, dispersa como ficou pelos longes do exílio, ao acaso da vida. E nem mesmo posso ir ouvir opiniões fundadas de camaradas em pleno vigor de criação artística, porque o estado precário da minha saúde me obriga a sair de Lisboa no dia 27, para as vizinhanças da Ericeira, a descansar nestes últimos dias das férias breves do Natal. Por honra, porém do encargo aceite tão de ânimo leve, cumpro o dever de enviar o meu parecer por escrito. Li com cuidado as obras presentes ao concurso. De todas elas destaco: “Mensagem”, por Fernando Pessoa; “A romaria”, por Vasco Reis; “Rapsódia negra”, por Hugo Rocha; “Gente humilde”, por Silva Tavares. No livro de Eduardo Bramão de Almeida, “Maré alta”, há um poemeto, “O friso das varinas”, que é interessante, mas não basta para impor o conjunto, quer-me parecer. Há outras obras em que a técnica do verso é perfeita, melodistas os ritmos, mas o tema lírico dilui-se num excesso de verbalismo sem grande, empolgante poesia. Em outras, o verso livre é tão-só desarticulação inexpressiva, ataxia desordenada, indo até ao monossílabo átono que nem vale como imagem. Nem todos podem realmente fazer o verso livre. O livro “Gente humilde”; de Silva Tavares, é ritmicamente perfeito. Pequena geórgica alentejana. Mas não comove porque não transfigura, como é próprio do género lírico, de toda a arte, afinal – suprema magia –, a paisagem e a gente que nela vive e sofre ou ama. Na ”Virxe do Cristal” de Currus Henriquez, por exemplo, o poeta não precisou de notar a linguagem rústica, incorrecta dos campónios, cujo drama fez viver, mas encheu-a apenas da grande alma emotiva e sensível da raça. Cada diálogo é só a expressão lírica das almas. A “Rapsódia negra”, de Hugo Rocha, é obra que se lê com prazer espiritual, mas tem o valor relativo de um simples contacto episódico, dir-se-ia, com o estranho mundo africano, entrevisto na febre da viagem no deslumbramento da luz incandescente dos trópicos. O livro de Fernando Pessoa é obra de alto poeta dominador da técnica e do tema lírico. Mas, por demasia, elíptico e hermético. Contém um profundo “sentido de exaltação nacionalista”, é certo, o imenso sonho atlântico do Quinto Império. Mas a inspiração é excessivamente esotérica para directamente chegar à alma clara e simples do povo português, enamorada do sol e da vida. Perfeita maravilha de lirismo português é o livro de Vasco Reis - “ A romaria”. Esse, sim, desabrocha do solo português, como uma delicada fioretta franciscana roseta branca ou rósea dos pinhais ou dos montados, em plena primavera emocional. O lirismo encantador dessa obra prima unge a paisagem idílica do Além-Douro Minhoto, transfigura, em pureza e candura, a alma da sua gente moça ou idosa; ante a aparição final de “Segunda Branca”, magistralmente nuançada, sente-se o mesmo frémito que nos dá a leitura de certos casos de “Phantasms of Living”. O aparecimento dessa obra rara no concurso é para mim um acontecimento igual ao que seria o livro de Cesário Verde ou de António Nobre, uma revelação excepcional do novo poeta lusíada. Na primeira categoria ficaria, por quem voto, como maior valor, o admirável livro de Vasco Reis. Na segunda categoria do Concurso, como maior valor, o de Fernando Pessoa, digno de ser inscrito, poemeto a poemeto, no solo marmóreo das estátuas dos nossos grandes homens representativas. Em minha consciência assim entendo dever votar em a) escrito e não ouvindo previamente como soem juízes para um acórdão final, a autorizadíssima opinião dos meus ilustres colegas do Júri. Far-me-á V. Ex.cia a grande bondade, que antecipadamente agradeço, de por mim apresentar, na reunião do Júri, este meu parecer que outro valor não tem, claro está, que o da sua inteira sinceridade, e, desde logo, com os protestos do meu, inteiro respeito pelos votos em contrário. Tenho a honra de ser de V. Ex.cia muito atentamente, a) Alberto Osório de Castro. - A de V. Ex.cia, Lisboa, Rua do Infante D. Henrique, 68, 2.º - Dezembro, 25, de 1934”.

 
Comentando estas cartas o Senhor Acácio de Paiva fez várias observações a propósito dos livros do Concurso, terminando por dar o seu voto a “Romaria” de Vasco Reis. Fala, em seguida, o Senhor Doutor Mário Beirão que manifesta o seu entusiasmo pela mesma obra, classificando o seu autor de “poeta verdadeiro” e a sua poesia, espontânea e límpida de “voz de uma fonte”. Considera-se, pois, atribuído, por maioria, ao livro de Vasco Reis, o Prémio de Antero de Quental (primeira categoria). Deve registar-se, quis que ficasse bem expressa a estima que lhe inspiraram “Rapsódia negra”, de Hugo Rocha, obra de valor, mas cujo espírito nem sempre coincidia com as directrizes do Concurso; “Melodias na sombra”; “Caravela ao mar” e “Síntese”. Para a segunda categoria manifestou o Senhor Acácio de Paiva a sua intenção de não dar o seu voto a nenhuma das obras apresentadas por nenhuma delas o satisfazer completamente. O Senhor Doutor Mário Beirão propõe que o prémio seja atribuído à “Mensagem” de Fernando Pessoa, quer pelo seu valor intrínseco, quer por se tratar de uma obra que pode ser encarada no seu conjunto como um autêntico poema nacionalista. Assim se atenderia também à opinião da Senhora Dona Teresa Leitão de Barros que, tendo o livro de Fernando Pessoa, por ser inferior a cem páginas, transitado para esta categoria, não deixaria por certo de o salientar entre todos. Tendo o Senhor Acácio de Paiva aderido a estas considerações, foi o Prémio de Antero de Quental (segunda categoria) atribuído, por maioria, ao livro “Mensagem”. O Director do Secretariado da Propaganda Nacional congratulou-se pelas resoluções tomadas, sublinhando que um dos mais interessantes objectivos dos Prémios Literários é a revelação e consagração de novos valores, o que sucedera precisamente com a descoberta do belo livro de Vasco Reis, autor até hoje completamente desconhecido do nosso público. Acerca de Fernando Pessoa declarou também a sua grande satisfação por ver o Júri reconhecer e homenagear o mérito da sua obra, trazendo assim à luz de uma maior publicidade um nome de marcado prestígio nos cenáculos intelectuais mas que até agora voluntariamente vivera num isolamento distante. Mostrou-se também resolvido a estudar com atenção o processo de aproveitar a escolha do Júri para demonstrar a Fernando Pessoa o particular apreço que a sua rara personalidade merece a todos os espíritos cultos. Por nada mais haver a tratar, foi encerrada a sessão, da qual se lavrou esta acta que vai assinada por todos os membros do Júri presentes e por mim, que servi de Secretário e a subscrevo.

António de Meneses

 

[António Ferro, Acácio de Paiva, Mário Beirão]
 

Em tempo: Na lauda doze, final da linha cinco, há uma chamada – (a) – para indicar que entre “em” e “escrito” na linha seis faltam as palavras “meu isolamento, desde que por infelicidade minha só me é dado fazê-lo por” [Na carta enviada por Alberto Osório de Castro]