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Fundação António Quadros
Biografia Imprimir e-mail

 Autores 
Biografia
1895 - 1916
1917 - 1923
1924 - 1931
1932 - 1938
1939 - 1944
1945 - 1949
1950 - 1956
1957 - 1998

1950- 1956
Preocupada com a saúde e a fadiga do marido, que conta agora com 17 anos de trabalho à frente do S.P.N./S.N.I., Fernanda de Castro escreve uma longa e ponderada carta solicitando a Salazar que lhe seja concedido um posto mais tranquilo, talvez em Paris, sua cidade dilecta. Nessa carta, escrita sem o conhecimento de António Ferro, a poetisa revela-lhe entre outros factos a nostalgia que ele sente por não poder dedicar-se mais à sua obra literária, protelada em favor do Secretariado. Eis como, neste inédito, formula o seu pedido: «Casei há 25 anos e conheço o meu marido melhor do que ninguém. Ao longo destes anos, tenho-o visto lutar sem desânimo, trabalhar duramente, traçar o seu caminho através de injustiças, ingratidões e calúnias que cruelmente o têm afectado, sem que até hoje, creio, o seu trabalho se tenha ressentido de tantas amarguras e de tantas desilusões acumuladas…»   

Não será  contudo França, mas Suíça, o destino próximo de António Ferro. É nomeado ministro de Portugal em Berna, primeiro posto diplomático de Portugal nesse país, para onde parte neste mesmo ano.  

Por ocasião da sua despedida do S.N.I., António Eça de Queiroz, seu colaborador desde o início, proclama, comovido: «É que não foi um barco de ligeiro governo, navegando por sobre águas bonançosas, aquele que António Ferro tão acertadamente tem conduzido. Pesado era o barco e de difícil manejo, ásperas e contrárias, traiçoeiramente contrárias, muita vez as correntes que contrariaram a sua marcha». E terminaria assim: «Da nossa lembrança, da nossa amizade, da nossa saudade nunca o António Ferro sairá. Vemo-lo partir com uma pena que talvez nem ele possa avaliar.  O seu nome fica gravado como marca indelével na existência do grande Organismo que criou. O seu nome, meu querido António Ferro - creio-o bem - fica gravado para sempre nos nossos corações.»  

Uma mensagem de saudação é assinada por 1500 pessoas nessa ocasião, e uma folha para o mesmo fim é exposta primeiro na Livraria Tavares Martins, no Porto, e, dias depois, na Livraria Bertrand, em Lisboa. Milhares de pessoas, entre intelectuais, amigos e admiradores de António Ferro, assinam estas folhas.

O Círculo Eça de Queiroz organiza-lhe um banquete de despedida (25.11.1949).

Na mesma linha, um grupo de artistas plásticos de Lisboa oferece-lhe um banquete de homenagem e despedida; entre muitos, estão presentes Carlos Botelho, Bernardo Marques, Jorge Segurado, Jorge Barradas, Manuel Lapa, António Duarte, Fred Kradolfer, Eduardo Anahory, Jorge Matos Chaves, etc.

No jornal Soberania do Povo, o jornalista Archer H.M. escreve: «Não enfileiremos nos panegiristas sitemáticos do ex-Secretário Nacional da Informação, nem tecemos unânime louvor a todos os aspectos da sua obra. Mas a Justiça - é a Justiça. António Ferro, na hora da sua abalada, merece, inteira consagração.»

Sobre o seu afastamento do país, correram, e ainda correm, as mais díspares versões, incluindo a de uma dissidência com o próprio Salazar. A família não conheceu outra, além da recomendação médica que levou António Ferro, exausto e de saúde já precária, a aceitar um posto diplomático.

De 1950 a 1953, em Berna, exerce uma acção cultural em prol da cultura portuguesa na Suíça, organizando conferências e exposições, como as de Carlos Botelho e de Paulo Ferreira, na Legação de Portugal.  

José Maria Leitão de Barros, seu grande amigo de sempre, escreve-lhe uma carta (28.1.1950) brincalhona e já saudosa: «Não sei em que é que você pode matar o tempo nesse país de relógios, sem poesia e sem moscas, mas onde a vida lhe pode parecer diferente da nossa, como uma vaca leiteira o é de um touro bravo…» E termina assim: «Os meus parabéns para si, os meus pêsames para Salazar e para nós.»  

Desta época, seu filho António Quadros conta-nos como, efectivamente, o pai tenta lutar contra o tédio da cidade: «E mais uma vez António Ferro se dispôs a lutar. Pouco a pouco, a sua casa de Helvetiastrasse transformou-se no centro intelectual de Berna: e o pequeno meio literário e social da pequena e tranquila cidade suíça acorreu alvoroçado aos seus concertos, às suas exposições, às suas representações dramáticas, aos seus espectáculos folclóricos. Mas o antídoto não era suficiente».   

Regressa à  poesia, preparando um livro com um título revelador da sua profunda nostalgia: Saudades de Mim. Mas escreve ainda o seu filho, no prefácio desta edição póstuma: «Há quem diga que principiou aí a sua morte. E, na realidade, a transição foi brusca demais, brutal demais. Habituara-se, desde os tempos do jornalismo, a trabalhar até à uma, às duas da manhã, todos os dias. Habituara-se à fogueira constante das suas iniciativas e das suas lutas. Habituara-se a viver sob pressão, debatendo hora a hora novos problemas e novas soluções com novas pessoas. E, de repente, encontrava-se numa cidade onde o tempo tinha outra dimensão, onde todos os lugares públicos estavam fechados às onze da noite, onde as pessoas falavam em voz baixa com medo de perturbar o silêncio e a paz, onde a vida frívola e ligeira dos cocktails diplomáticos era a única evasão possível …»
      
Tomás Ribas é hóspede durante três dias na sua casa de Berna e testemunha a sua transformação: «Foi-me possível ver um homem desiludido, triste, solitário… mas não revoltado. Dir-se-ia que o afastamento de Portugal o aniquilava e o consumia um leve arrependimento por ter traído o seu destino de escritor, de jornalista…»

Saudades de Mim é pois, segundo palavras de seu filho, o livro que o pai escreve em «sofredora liberdade»: «A morte é um dos temas  mais obsessivos do livro. Aqui e ali, surgem versos impressionantes, divinatórios, que parecem nascer directamente da própria morte, que parecem inspirados por uma estranha intuição do destino futuro, como esse extraordinário poema que termina: «Será hoje? /Amanhã?Depois?/Que importa?/Amanhã é igual a hoje/Amanhã já foi…»

Termina a peça de teatro, Eu Não Sei Dançar, cujos protagonistas deveriam ser João Villaret e Amália Rodrigues, cujo talento deu a conhecer em Portugal e no estrangeiro, e escreve ainda, irregularmente, um Diário a que chamará Confissão Pública.

Em 1954 é  transferido para Roma, onde vai exercer as funções de Ministro de Portugal em Roma. Acompanha-o um seu sobrinho, Pedro Ferro da Cunha, amigo, companheiro e colaborador inseparável.   

Publica o livro D. Manuel II, o Desventurado, onde reúne a entrevista e as reportagens da sua morte em Inglaterra, em 1932. O prefácio, escrito na Suíça, além de incluir uma meditação política, constitui uma reflexão sobre a sua própria vida e as suas opções.  

Em 1955 escreve o livro Poemas Italianos, ainda inédito, quase todo inspirado em obras de arte, em especial pintura da Renascença florentina e romana.

Participa, a título particular e convidado pela organização, nos X Encontros Internacionais de Genebra, dedicados ao tema A Cultura Estará em Perigo?, ao lado de Georges Duhamel, André Chamson, Ilya Ehrenburg, Wladimir Porché, Jeanne Hersch, Jean Wahl, René Lalou, Henri de Ziegler, tendo diversas intervenções de fundo.

Na Universidade de Zurique, profere uma importante conferência sobre a Psicologia do Povo Português, onde analisa todos os elementos que formaram e determinaram a evolução do carácter português: raça, geografia, paisagem, clima, língua, história, literatura, arte e folclore. Mostra ainda como os portugueses são vistos por alguns escritores estrangeiros, lendo ainda, como documentos da sensibilidade portuguesa, alguns textos de Cesário, Nobre e Pessoa, e ainda um passo da Ilustre Casa de Ramires. É ovacionado.

A Legação de Roma é elevada à categoria de Embaixada.

Desloca-se a Lisboa para uma intervenção cirúrgica sem gravidade. Antes da operação, Salazar telefona-lhe com um pressentimento que faz estremecer a família: «Por favor, não se deixe operar.»  

Depois da operação, António Ferro morre inesperadamente de infecção, uma semana depois da intervenção, num quarto particular do Hospital de S. José, no dia 11 de Novembro.  

Tem 61 anos.

Às 10.30 h é celebrada uma missa na Igreja de S. João de Deus, pelo respectivo prior, padre Lobo, assistida por várias centenas de pessoas.  

Salazar participa na missa, mas não se desloca ao Alto de S. João.  

A urna foi levada, no primeiro turno, aos ombros dos artistas Thomaz de Mello (Tom), Carlos Botelho, António Duarte, Bernardo Marques e Jorge Segurado, e nos seguintes por um grupo também conhecido.  

A imprensa do mundo inteiro noticia a sua morte. O Times (16.11.1956) escreve «O seu país deve deplorar profundamente a morte prematura de quem tanto fez por ele»; o France-Soir (12.11.1956) afirma: «Avec António Ferro la France perd son meilleur ami portugais» e Le Monde (15.11.1956) faz o elogio da sua cordialidade e da generosidade do seu acolhimento.