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Fundação António Quadros
Biografia Imprimir e-mail

 Autores 
Biografia
1900 - 1915
1915 - 1921
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1985 - 1995
1995 - 1999

1915 - 1921
Em 3 anos, entre 1915 e 1918, completa o Curso do Liceu, com a intenção de se formar em Matemática – é no liceu Maria Pia, no Largo do Carmo, onde faz o seu exame do 3º ano, que trava conhecimento com Teresa Leitão de Barros, de quem se tornaria amiga íntima para toda a vida. Será um pouco mais tarde, já no 7º ano, que recebe a primeira declaração de amor de um jovem explicador que posteriormente reencontrará na Guiné e a pedirá em casamento. O segundo candidato viria a ser Américo Durão, que lhe envia um bilhete sucinto, de três palavras: Quer casar comigo? Ao que ela responde, atónita: A que propósito? 

É ainda neste ano que cai à cama por quatro meses, com uma primo – infecção: Não guardo más recordações desse período - conta, nas suas Memórias. - Todos os dias, excepto aos domingos, vinham duas colegas visitar-me, acompanhadas por uma das professoras, chegando sempre com braçadas de glicínias e de rosas vermelhas, cujo perfume ainda hoje me faz pensar com saudade na ternura que essa dádiva representava.

Mas nem só  as suas recordações são feitas de flores, também os seus poemas respiram como jardins:

Arco-íris de perfumes, os jardins,

Tomam em cada noite, expressões várias:

Sentimental, o branco dos jasmins;

Sensual, o carmesim das cinerárias.

Acaba por terminar o curso geral dos liceus frequentando como ouvinte o 7º  ano do liceu misto Passos Manuel.

A partir de 1920, começa a frequentar os salões literários

de Lisboa, entre os quais os de Carlota Serpa Pinto, Bé Ameal e Veva de Lima (Genoveva de Lima Mayer Ulrich, filha de Carlos Mayer, um dos Vencidos da Vida, e mãe de Maria Ulrich, de quem se tornará grande amiga), este último o mais concorrido, o mais disputado e o mais original de todos; Fernanda de Castro recorda-o, saudosa: Veva de Lima sabia juntar como ninguém as pessoas mais variadas, representantes da mais alta e a mais velha nobreza, da alta burguesia, e, ao mesmo tempo, gente nova, ainda sem nome e sem obra realizada, mas com um denominador comum – o talento, ou, pelo menos, a inteligência. Receber um convite para uma das suas reuniões era sempre um prazer. O cenário era ao mesmo tempo sumptuoso e exótico. Logo à entrada, os convidados eram recebidos por dois negros imponentes, vestidos – meu Deus, vestidos como? - como por exemplo dois guardiões de qualquer dos contos das «Mil e Uma Noites». Os degraus das duas escadarias, uma à direita outra à esquerda do vestíbulo, eram atapetados com peles de leopardo e iluminados por essas lâmpadas em forma de tulipa, dos princípios do século…

E para além dos serões musicais em casa de Elisa de Sousa Pedroso, onde apareciam todos os grandes artistas que vinham cantar ao São Carlos ou dar concertos no São Luís e no Tivoli, Fernanda de Castro passava os seus domingos em casa da poetisa Branca de Gonta Colaço, filha do poeta e antigo ministro Tomás Ribeiro, cujas sessões de escrita, mais impostas do que voluntárias,  nunca viria a esquecer: Sentava-me à sua secretária e obrigava-me, não à força, mas quase, a copiar páginas inteiras do Padre António Veira, de Herculano, de Castilho, do Conde de Sabugosa, dizendo para me consolar: «Escreve, minha filha, escreve e aprende, que um dia me agradecerás…»

Foi nesta época que conheceu e se tornou amiga da escritora Virgínia Vitorino, com quem, anos mais tarde, juntamente com Teresa Leitão de Barros, colaboraria num «consultório de grafologia» para a revista ABC. Ri-se, ao lembrar a aventura: Recebíamos cento e cinquenta cartas por semana. A secção terminou por excesso de êxito.  

Nas férias, volta à Guiné para visitar o pai, que entretanto casara segunda vez com uma mulher apenas 10 anos mais velha do que ela e que lhe daria três meios-irmãos: Alberto, Maria Luísa e José Manuel. Terminada a comissão, o pai volta para Lisboa com a sua madrasta Rosa e o cozinheiro africano de nome Vicente – o autêntico Vicente em carne e osso, do meu livro «Mariazinha em África»! 

Um ano depois, confirmada a sua vocação para Letras, a escritora desiste de frequentar a Escola Politécnica e publica, instigada por Branca de Gonta Colaço e pela sua amiga Teresa Leitão de Barros, o seu primeiro livro, Ante-manhã, com versos escritos entre os quinze e os dezoito anos, assinando Maria Fernanda de Castro e Quadros.  O pai costumava dizer-lhe: não é a fazer versos de pé quebrado nem a escrever historietas de amor que te vais preparar para a vida mas, a sua vocação derrota todas as inseguranças. A edição deste livro, com capa de Cottinelli Telmo, constitui o presente de anos da família e de alguns amigos. E sobre esta primeira experiência literária recorda, ainda espantada: Com profundo espanto verifico, por cartas e jornais que conservo, que o meu livrinho não foi mal recebido e que, Deus sabe porquê, me deu um certo nome no pequeno mundo das letras de então, isto é, entre a Brasileira do Chiado e a Portugália, na Rua do Carmo.

A pintora Tarsila do Amaral, de quem se tornará amiga mais tarde, comenta Ante-manhã em «O Jornal» do Rio de Janeiro: No turbilhão da arte revolucionária, onde, à sombra de talentos criadores se abrigam artistas amorfos que o tempo se encarregará de seleccionar, Fernanda de Castro conservou-se sempre a mesma Fernanda de Castro. Foi sempre a poetisa dos versos rimados. Os versos lhe brotam da alma em cascatas rimadas, sem entrechoques de ritmos desencontrados e agressivos.

Um ano depois, com a determinação e o arrojo que sempre a caracterizaram, concorre ao concurso de originais do Teatro Nacional com a peça Náufragos, escrita em colaboração com Teresa Leitão de Barros, e ganha o 1º Prémio. É pouco tempo depois deste êxito que, assinando Maria Fernanda e a convite do seu antigo professor de português, o Dr. Joaquim Manso, director do Diário de Lisboa, colabora neste jornal desde o seu primeiro número, publicado a 7 de Abril de 1921. António Ferro, seu futuro marido, é igualmente colaborador deste número princeps.

É depois desta colaboração que ganha segurança e começa a assinar Fernanda de Castro, publicando o seu segundo livro de poesias, Danças de Roda, também com capa de Cottinelli Telmo. Sobre este, escreveria o Conde de Sabugosa: É que, na sua poesia, há frescura, mocidade, viveza e respira-se em toda ela uma atmosfera saudável, que deixa a gente bem disposta… 

Conhece o primeiro namorado na Liga Naval de Lisboa – um guarda-marinha loiro, de olhos azuis, bela aparência e muito simpático; mas o que começou por ser um namoro de janela acabou num noivado desinteressante. E no dia em que percebe que o noivo considera fantasias e passatempos sem importância as suas crónicas, os seus versos e os seus livros, rompe aquele noivado prosaico e maquiavélico com duas linhas amáveis.

É nesta época, entre os quinze e os dezoito anos, que toma o primeiro contacto com a política e se aflige com os seus excessos e absurdos: Logo a seguir à proclamação da República havia revoluções quase todas as semanas, na Rotunda, em Campolide, no Bairro Alto. Apanhei com tudo. Eu tinha um namorico com um oficial da Marinha e houve um dia em que a revolução era a Marinha contra o Exército, entrincheirado no meu bairro. Era tão inconsciente que fui sozinha para Campolide ver a Revolução. E conta ainda, nas suas Memórias: Os quintais da minha casa e da dos Leitão de Barros davam para umas terras em que só havia pedras e lixo, e foi por aí que entraram, durante uma das tais revoluções, um soldado e um marujo que pediram refúgio. Eram inimigos no combate mas não sabiam porquê. Tinham ordens e eram obrigados a cumpri-las, mas durante aqueles dois dias de tréguas que estiveram em nossas casas passaram o tempo a jogar às cartas, jurando-se, um ao outro, amizade eterna. 

Quis o destino que fosse publicamente apresentada a António Ferro na referida Liga Naval, onde conhecera o primeiro namorado, quando este faz a sua famosa conferência Colette, Willy, Colette. Numa das suas Cartas Para Além do Tempo, dirigida ao marido, Fernanda de Castro «fala-lhe» deste encontro: Gostei. Gostei até muito da conferência, mas gostei menos da maneira um pouco arrogante como me perguntaste quando nos apresentaram: «Então? Gostou?» Irritou-me essa pergunta que era mais uma afirmação do que uma pergunta e respondi então, com uma falsa, mas bem imitada indiferença: «Da conferência? Não desgostei. Adoro a Colette!» (…) Mas confessaste-me teres jurado a ti mesmo que terias a tua desforra e que seria com as tuas próprias armas, a tal petulância e esse «convencimento», que acabarias por conseguir a vitória. Mas aqui, meu Amigo, enganaste-te redondamente: - o que me aconteceu não foi nada disso; foi, entre muitas outras, uma carta tão liricamente lírica que tinha forçosamente de ser piegas (…) Sonharas comigo e concluías: «Era tudo tão branco, tão perfumado, era tão gracioso o voo das borboletas que o sonho me pareceu de bom agoiro.» 

A propósito deste namoro, Fernanda de Castro ri-se ainda ao recordar António Ferro encostado a um candeeiro, mesmo defronte da sua janela, «maldizendo»  seu pai por este não o deixar subir enquanto não fosse «pedida».