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Fundação António Quadros
Biografia Imprimir e-mail

 Autores 
Biografia
1900 - 1915
1915 - 1921
1922 - 1927
1928 - 1935
1936 - 1949
1950 - 1957
1957 - 1963
1964 - 1974
1975 - 1984
1985 - 1995
1995 - 1999

1922-1927
Vive até  casar numa casa simples, mas que, segundo a jornalista que a entrevista à data para a «Ilustração Portuguesa», é florida e álacre como um jardim de Espanha, com sardinheiras vermelhas, um papel de ramagens claras, damascos e livros, muitos livros, livros abertos, ferramentas ainda quentes do trabalho. E quando esta lhe coloca a proverbial pergunta sobre os seus escritores predilectos, responde, axiomática: António Ferro, sem favor. Quem é que você vê aí que possa fazer-lhe concorrência?  

Casa por procuração na Igreja de Santa Isabel com António Ferro que, no Brasil, apresentava a sua peça Mar Alto e realizava uma série de conferências. A decisão é arrojada para a época, mas Fernanda de Castro segue a sua estrela, confiante. Chegando ao Rio de Janeiro nos finais de Agosto, vence a timidez para acompanhar o marido nas suas conferências, realizando recitais de poesia portuguesa no Rio, S. Paulo, Santos, Campinas, Ribeirão Preto, Baía, Recife e Belo Horizonte. O jovem casal convive muito com os modernistas brasileiros e participa na famosa Semana de Arte Moderna, de São Paulo. No Brasil, Fernanda de Castro é retratada simultaneamente pelas duas maiores pintoras dessa geração: Tarsila do Amaral, que se torna sua amiga, e Anita Malfatti.

Regressa a Lisboa em Maio, com o marido, e, a 14 de Julho de 1923, dia do aniversário da Tomada da Bastilha, nasce-lhe o primeiro filho – António – António Gabriel, por homenagem a D’Annunzio –, o futuro escritor António Quadros. Nas suas Memórias, a poetisa quer e não quer lembrar-se do que sofreu ao dar à luz: Durante vinte e seis horas julguei, a todos os instantes, que ia morrer. De repente, quando julguei que já não havia salvação, o meu filho nasceu num grito que, se ainda era de dor, era já também de alegria, de imensa alegria! Fechei os olhos e todos julgaram que eu tinha perdido os sentidos. Mas não: o que eu queria era ignorar, como consegui, toda a parte menos bela daqueles momentos em que só se deveria ver astros, pássaros, flores! E acrescenta, emocionada: Sempre disse e hei-de dizê-lo até ao fim: a hora suprema da vida de uma mulher normal é aquela em que lhe nasce um filho. Tudo o mais é literatura barata ou sofisticada. Esta é que é a verdade, a grande, a sublime revelação da vida, no seu mais profundo sentido cósmico! Mas já um ano antes, em 1922, ela antecipara, no seu lancinante Poema da Maternidade, a redentora contradição que viria efectivamente a experimentar:

Pode lá  ser! Não quero! Não consinto!

Tudo em mim se revolta, a carne, o instinto,

            a minha mocidade, o meu amor,

            a minha vida em flor!

            É mentira! É mentira!

Se o meu filho respira,

se o meu corpo consente,

a minha alma não quer!   

  (…)

Filho!

Pode já  ser, Jesus! Eu não mereço tanto!

Filho da minha dor, eu já não choro, canto!

Fernanda de Castro virá a revelar-se uma mãe extremosa, com um amor inexcedível pelos filhos e por todas as crianças em geral. 

Três meses depois, o casal instala-se na casa onde a poetisa reside até morrer: um 1º andar da então Calçada dos Caetanos, hoje Rua João Pereira da Rosa, ao Bairro Alto, sucedendo à viúva de Oliveira Martins, recentemente falecida. Se este 1º andar tinha sido a residência do grande historiador, nas águas-furtadas vivera também Ramalho Ortigão. Mas não seriam estes os únicos inquilinos ilustres daquele edifício histórico: no 2º andar da casa instalar-se-iam alguns anos depois os pintores Fred Kradolfer e Ofélia e Bernardo Marques, que viriam ambos a suicidar-se, bem como o poeta José Gomes Ferreira e a sua primeira mulher, Ingrid.

E Fernanda de Castro ainda adiciona uma curiosidade: No andar por cima do meu, isto é, no 2º andar, viviam as senhoras Campos, já muito idosas, que tinham sido aias dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel…

O prédio ficou conhecido como o Soviete dos Caetanos, o mesmo prédio que, nos anos cinquenta, viria a sofrer um pavoroso incêndio que devorou parte do espólio da poetisa, apanhando-a desprevenida no Algarve.

E sobre essa época recorda, nostálgica: Não tínhamos cheta, ninguém tinha um tostão. Fazia-se café e chá, o Leitão de Barros trazia coisas de casa, eu comprava seis bolos-de-arroz que cortava em fatias e servia em pratas da Índia. Era deslumbrante! As reuniões literárias, as leituras de peças e de poemas eram um encanto. Como fazem falta hoje! Foi uma época muito viva, muito entusiástica. Ninguém pensava em dinheiro, havia então essa superioridade de espírito, os valores dominantes eram os da honradez, os de não nos aproveitarmos das coisas públicas. Quando o meu marido morreu, fiquei sem nada, nada! Nessa altura não havia pensões nem reformas…

Em 1924, publica o livro de poemas Cidade em Flor, com capa de Bernardo Marques, que António Patrício comentaria assim: Tem-se a ouvi-la a sensação deliciosa duma irmã mais nova de Cesário, tocada de humor e graça… 

A peça  Náufragos, quatro anos antes premiada, estreia-se no Teatro Nacional. O cenário é de Leitão de Barros, tendo Ilda Stichini e Eduardo Brazão nos principais papéis. E Fernanda de Castro lembra, ainda aflita: Perguntaram-me se eu queria a Ilda ou a Esther Leão. Impulsivamente, sem reflectir um minuto, disse muito depressa «Prefiro a Ilda». Soube depois que a Esther Leão tinha ficado muito sentida…

Acompanhando o seu marido e a convite do escritor modernista brasileiro Oswaldo de Andrade e sua mulher, viajam até Paris, onde os dois casais convivem com Picabia, Paul Poiret, Honegger, Eric Satie, entre outros. Fernanda de Castro vive numa roda-viva social em que revela presença e à vontade, mas não propriamente vocação: Éramos desgraçadamente colunáveis. Havia cocktails a mais e eu só bebia água das pedras e sumo de tomate.

Em 1925, quando o seu talento é já reconhecido e a sua vocação irreversível, publica o seu segundo livro de poemas, intitulado Varinha de Condão, em colaboração com Teresa Leitão de Barros. Nesta 1ª edição, a capa é de Maria Roque Gameiro e as ilustrações são de Elsa Althouse, Cottinelli Telmo, Rocha Vieira, Raquel e Maria Roque Gameiro, Martins Barata e Stuart Carvalhais. A obra terá várias edições, uma das quais no Brasil. 

É neste mesmo ano que o marido, António Ferro, lança a iniciativa do Teatro Novo. Fernanda de Castro traduz as peças que ali se representam: Knock ou a Vitória da Medicina, de Jules Romains, e Uma Verdade Para Cada Um, de Luigi Pirandello.

1926 é  um ano dedicado à literatura infantil.  Fernanda de Castro publica uma peça de teatro para crianças, O Tesouro da Casa Amarela, em edição do Diário de Notícias, e Mariazinha em África, romance juvenil já referido, evocador da sua experiência africana, recebido com enorme êxito pelo público, de que sairiam sucessivamente 11 edições. A primeira tem ilustrações de Sarah Afonso, e, noutras edições, teria ilustrações de Ofélia Marques e de Inês Guerreiro. O livro fez uma época.

Também acompanhando o marido, mas desta vez a convite de Homem Cristo Filho, a escritora volta a Paris, tendo então conhecido, nas tertúlias de Chez Fast, as romancistas Rachilde e Lucie Delarue-Mardus, o romancista Pierre Benoit, o dramaturgo Jean Sarment, a actriz Susanne Després, etc.

Em 1927, tendo também publicado As Novas Aventuras de Mariazinha, continuação de Mariazinha em África, nasce-lhe o segundo filho, Fernando Manuel, a quem os meus sogros aproveitaram para baptizar com todos os apelidos possíveis - Fernando Manuel Telles de Castro e Quadros Tavares Ferro. António Ferro, ausente no estrangeiro, não esteve presente na altura do nascimento, pois a mulher, na intenção de o esperar no cais já com o filho ao colo, mente-lhe nas datas para lhe fazer uma surpresa.