1975-1984 A Revolução surpreende Fernanda de Castro, mas não a fragiliza. Não tem alma de política nem nunca se envolveu em lides partidárias.
Os seus dois grandes amigos, Natália e Ary, interrompem a sua convivência para abraçarem ideologias de que não partilha. Não se zangam exactamente, afastam-se.
A admiração pessoal de Fernanda de Castro por Salazar é firme – não a desmente, nem hipoteca a sua honra. Paga sem rancor esse tributo. Admite na altura que, se tivesse trinta anos e saúde, talvez pudesse intervir. Mas a revolução vem colhê-la já doente e cansada, magoada por alguns silêncios, algumas reservas, alguns amigos. Sofre a desordem do seu Portugal apreensiva, mas confiante, apesar de tudo. Confessa-se desesperadamente portuguesa e afirma que nada deste mundo a faria mudar de pátria ou de nacionalidade. Escreve Onde Estais Lusitanos? e Ó Meu País, verdadeiros hinos de exortação aos portugueses:
E agora, onde é que estais?
Onde estais, Lusitanos de Aquém-Mar,
Que o Mar-além, agora não é nosso.
Que importa? Ainda há fronteiras a alcançar,
Tudo está em dizer: eu quero, eu posso;
Sobretudo fronteiras a transpor,
E a primeira de todas é a Dor.
Outras ainda: o tédio, o desalento,
E esta nova maneira nacional,
De ver tudo incolor, tudo cinzento,
Neste arco-íris de Deus que é Portugal. (…)
Que importa, meu País, se ainda és capaz
de descobrir, em vez de continentes,
penínsulas de amor, ilhas de paz
onde possam viver as tuas gentes?
Ergue a cabeça, acalma a tua dor.
Qual o país sem nódoa ou cicatriz?
O vendaval sacode folha e flor;
Pode o fruto cair, fica a raiz.
Coragem, Portugal! Doem-te as chagas?
Mas não serão catanas nem adagas,
que te farão esquecer essa glória:
sangue e suor, vitórias e derrotas,
com tudo isto é que se faz a História.
Na vida de um País há bom e mau:
Jesus, e era Jesus, chorou no Horto,
sofreu, e só depois subiu ao Céu.
Não, Portugal, não és um País morto,
que Deus é o timoneiro desta nau
e chegaremos todos a bom porto.
Penalizada pela crítica e a imprensa de esquerda, ignorada pelas correntes dominantes, temporariamente esquecida pelos leitores, Fernanda de Castro não desanima. Ainda em 1975, adapta ao teatro o seu romance Fonte Bela, com o título Os Cães Não Mordem, que fica inédita.
Durante os anos 80, alguns dos quais vividos com o neto António, sua mulher e filhos, na Calçada dos Caetanos, passa longos períodos na Villa Rosa de Lima, no Alvor (Portimão), numa casa cedida pelo seu irmão Alberto, que redecora a seu gosto e onde recebe a família e os amigos para passarem temporadas.
Escreve um novo livro de poemas, intitulado Urgente! (1980), como um grito de repúdio à aridez e ao vazio espiritual da vida moderna:
Ele e ela. Modernos. Evoluídos.
Casados, descasados, recasados.
Ele, com três mulheres.
Ela, com três maridos.
Ambos com filhos e enteados.
O pior é que ficam malcriados,
Têm mimo demais.
Pois é, têm tudo demais:
Sobretudo mães e pais.
Dois anos depois, vítima de acidente vascular-cerebral, adoece gravemente e perde para sempre a mobilidade; no entanto, apesar da doença, continuará a tratar das suas plantas, a escrever versos esporádicos, a dar explicações a alguns dos bisnetos e a organizar serões de amigos, mantendo até ao fim uma vida intelectual activa.
Publica-se, ainda esse ano, no jornal O Tempo, alguns poemas de Urgente!
Em 1983, é editado o seu livro de contos para crianças, A Ilha dos Papagaios, em edição da Editorial Verbo, com capa e ilustrações de Fernando Bento, e, em 1984, publica na mesma editora a 5ª edição do seu romance Maria da Lua.
A 18 de Janeiro de 1984, morre o seu grande amigo e companheiro de criação José Carlos Ary dos Santos, a quem ela estima como um filho. A escritora, agora mais só, sofre o golpe com uma dor aguda e silenciosa.
Por esta data, a sua empregada antiga, a fiel Maria de Jesus, cozinheira responsável por alguns dos mais deliciosos jantares em sua casa, estimada por toda a família Ferro, retira-se para a sua terra, cansada.
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