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Fundação António Quadros
Biografia Imprimir e-mail

 Autores 
Biografia
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1975 - 1984
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1995 - 1999

1975-1984
A Revolução surpreende Fernanda de Castro, mas não a fragiliza. Não tem alma de política nem nunca se envolveu em lides partidárias. 

Os seus dois grandes amigos, Natália e Ary, interrompem a sua convivência para abraçarem ideologias de que não partilha. Não se zangam exactamente, afastam-se. 

A admiração pessoal de Fernanda de Castro por Salazar é firme – não a desmente, nem hipoteca a sua honra. Paga sem rancor esse tributo. Admite na altura que, se tivesse trinta anos e saúde, talvez pudesse intervir. Mas a revolução vem colhê-la já doente e cansada, magoada por alguns silêncios, algumas reservas, alguns amigos. Sofre a desordem do seu Portugal apreensiva, mas confiante, apesar de tudo. Confessa-se desesperadamente portuguesa e afirma que nada deste mundo a faria mudar de pátria ou de nacionalidade. Escreve Onde Estais Lusitanos? e Ó Meu País, verdadeiros hinos de exortação aos portugueses:

E agora, onde é que estais?

Onde estais, Lusitanos de Aquém-Mar,

Que o Mar-além, agora não é nosso.

Que importa? Ainda há fronteiras a alcançar,

Tudo está  em dizer: eu quero, eu posso;

Sobretudo fronteiras a transpor,

E a primeira de todas é a Dor.

Outras ainda: o tédio, o desalento,

E esta nova maneira nacional,

De ver tudo incolor, tudo cinzento,

Neste arco-íris de Deus que é Portugal.

(…)

Que importa, meu País, se ainda és capaz

de descobrir, em vez de continentes,

penínsulas de amor, ilhas de paz

onde possam viver as tuas gentes?

Ergue a cabeça, acalma a tua dor.

Qual o país sem nódoa ou cicatriz?

O vendaval sacode folha e flor;

Pode o fruto cair, fica a raiz.

Coragem, Portugal! Doem-te as chagas?

Mas não serão catanas nem adagas,

que te farão esquecer essa glória:

sangue e suor, vitórias e derrotas,

com tudo isto é que se faz a História.

Na vida de um País há bom e mau:

Jesus, e era Jesus, chorou no Horto,

sofreu, e só depois subiu ao Céu.

Não, Portugal, não és um País morto,

que Deus é o timoneiro desta nau

e chegaremos todos a bom porto.

Penalizada pela crítica e a imprensa de esquerda, ignorada pelas correntes dominantes, temporariamente esquecida pelos leitores, Fernanda de Castro não desanima. Ainda em 1975, adapta ao teatro o seu romance Fonte Bela, com o título Os Cães Não Mordem, que fica inédita.

Durante os anos 80, alguns dos quais vividos com o neto António, sua mulher e filhos,  na Calçada dos Caetanos, passa longos períodos na Villa Rosa de Lima, no Alvor (Portimão), numa casa cedida pelo seu irmão Alberto, que redecora a seu gosto e onde recebe a família e os amigos para passarem temporadas. 

Escreve um novo livro de poemas, intitulado Urgente! (1980), como um grito de repúdio à aridez e ao vazio espiritual da vida moderna:

Ele e ela. Modernos. Evoluídos.

Casados, descasados, recasados.

Ele, com três mulheres.

Ela, com três maridos.

Ambos com filhos e enteados.

O pior é que ficam malcriados,

Têm mimo demais.

Pois é, têm tudo demais:

Sobretudo mães e pais.

Dois anos depois, vítima de acidente vascular-cerebral, adoece gravemente e perde para sempre a mobilidade; no entanto, apesar da doença, continuará  a tratar das suas plantas, a escrever versos esporádicos, a dar explicações a alguns dos bisnetos e a organizar serões de amigos, mantendo até ao fim uma vida intelectual activa. 

Publica-se, ainda esse ano, no jornal O Tempo, alguns poemas de Urgente!

Em 1983, é  editado o seu livro de contos para crianças, A Ilha dos Papagaios, em edição da Editorial Verbo, com capa e ilustrações de Fernando Bento, e, em 1984, publica na mesma editora a 5ª edição do seu romance Maria da Lua.

A 18 de Janeiro de 1984, morre o seu grande amigo e companheiro de criação José Carlos Ary dos Santos, a quem ela estima como um filho. A escritora, agora mais só, sofre o golpe com uma dor aguda e silenciosa. 

Por esta data, a sua empregada antiga, a fiel Maria de Jesus, cozinheira responsável por alguns dos mais deliciosos jantares em sua casa, estimada por toda a família Ferro, retira-se para a sua terra, cansada.