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Fundação António Quadros
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 Autores 
Inéditos - António Quadros
António Quadros Ferro
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António Roquette Ferro
Pedro Calafate
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O MOVIMENTO 57 NA CULTURA PORTUGUESA:
Breve enquadramento histórico
 
«Aqui começa um novo ciclo da cultura portuguesa. Nós somos solidários desses milhares de jovens indiferentes à cultura, que enchem os estádios, os cinemas e os cafés.»

1 É neste tom afirmativo de quem assume a acção e a justifica como reacção face a uma avaliação negativa da realidade que o jornal 57, órgão do movimento homónimo, se apresenta em Maio de 1957. O movimento 57 apresenta-se como um «Movimento de Cultura Portuguesa», alicerçado em movimentos como o «Romantismo», a «Renascença Portuguesa», «Orpheu», e a «Renovação Democrática» que agora serão articulados como um sistema de filosofia capaz de libertar a cultura portuguesa «do imobilismo paralisante dos professores, escritores e artistas que, demissionários, utilizam a língua portuguesa apenas para servir os fins anacrónicos e utópicos de escolas e políticas que nos são estranhas e os fins egoístas dos que encaram a cultura como profissão da glória ou escape para complexos recalcados.»
3 Àqueles juntam-se ainda os «juízes frustrados que transportam para a cultura as suas íntimas e falhadas ambições de poderio, arvorando-se em censores da actividade alheia, em nome de ideias vagas, modas literárias e de relações pessoais de amizade, inveja ou ódio, mas raras vezes em nome de concepções ordenadas e válidas na linha de incidência para a expressão.»
4 A razão deste estado crítico está precisamente «nas escolas e políticas que nos são estranhas», isto é, nos vários «ismos» do pensamento que importamos, como o Escolasticismo, o Positivismo, o Materialismo Dialéctico, etc., e que se transformam «em mecanismos de opressão, por determinarem legislações explícitas ou implícitas sancionadas pela política ou circulando através de formas e relações sociais, que, desprezando o homem concreto, (…), são constantes fontes de sofrimento e permanentes geradores de ódio.»
5 O sucesso dos sistemas está, pois, em estreita relação com o «homem concreto», ou seja, na sua articulação com estudos antropológicos e cosmológicos que lhe garantam as coordenadas do espaço e do tempo que definem cada cultura. Assim, e no que toca à cultura portuguesa, a chave de ignição está na filosofia portuguesa, que tem em Sampaio Bruno o seu fundador, e no existencialismo, enquanto sistema que deu conteúdo filosófico
1 «Manifesto 57» in 57, nº 1, Cascais, Maio de 1957, p. 2
2 Dirigido por António Quadros, a quem se juntou, a partir de número 5 (Setembro/1958),
Fernando Morgado e, exclusivamente nesse número, Orlando Vitorino, o jornal 57 publicar-se-á primeiro em Cascais e, a partir do número 5, em Lisboa, de forma aperiódica, até Junho de 1962, totalizando 11 números, um dos quais duplo. Entre os seus redactores e colaboradores destacamos: Avelino Abrantes, Afonso Botelho, Afonso Cautela, Azinhal Abelho, Agostinho da Silva, José A. Ferreira, Agustina Bessa Luís, José Marinho, Fernando Morgado, Ernesto Palma, Álvaro Ribeiro, Ana Hatherly, Natércia Freire, Rui Carvalho dos Santos, Francisco Sottomayor, António Telmo, Carlos Vaz e Orlando Vitorino.
3 Ib., p. 1
4 Ib.
5 Ib., p. 2
2 à ideia de pátria tão cara às filosofias nacionais: «uma pátria é uma razão viva a mover-se para um fim e não um aglomerado de interesses egoístas».
6 Em jeito de conclusão das ideias explanadas no «Manifesto de 57», e depois de sublinhar o seu desejo e empenho no progresso de Portugal, o movimento não perde a oportunidade de sublinhar: «Divergimos de todos e combatemos todos quantos, quaisquer que sejam os seus credos políticos ou religiosos, pretendem [sic] chegar aos mesmos fins através de meios que, não se adequando à especificidade do espírito, da alma e do corpo da pátria portuguesa, mais não poderão provocar senão [sic] a dor, o mal estar, a angústia, a divisão e, principalmente, a estagnação, pela luta aniquilante de forças contrárias que se anulam mùtuamente [sic], conforme se tem verificado
tràgicamente [sic] na Europa dos últimos 50 anos.»
7 A alusão às duas grandes guerras mundiais, em que Portugal não se envolveu, não é certamente vã. Reforça a ideia da especificidade da pátria portuguesa, elemento central para justificar a política que o Estado Novo vem desenvolvendo quer no plano interno, quer no plano externo. Importa recordar
que, em 1957, precisamente, seis países europeus − o Reino da Bélgica, a
República Federal Alemã, a República Francesa, a Republica Italiana, o Grão-
Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países-Baixos, − assinaram o Tratado
de Roma, através do qual instituíam a Comunidade Económica Europeia (CEE)
e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou Euratom). Portugal,
tal como Inglaterra e outros Estados, mantém-se alheado desta construção de
natureza integradora. Os fundamentos dessa posição encontram-se desenvolvidos em diversos números do 57, nomeadamente pela pena de
António Quadros, que sublinha «o risco de pôr nas mãos dos países numèricamente [sic] dominantes, a nossa responsabilidade vital como povo
com uma missão a cumprir», uma missão que se iniciou com os descobrimentos e que tem como ideal a salvação da humanidade por via da «aliança, que não a fusão, de todas as autenticas religiões». Daí que, concluiu,
«o nosso epicentro é no mar e por isso o nosso verdadeiro e primeiro movimento de aliança, não é o da terra, da Europa espanhola, francesa ou germânica, mas o que reúne as costas da Inglaterra, do Brasil, da África e da
Ásia».
8 Esta visão messiânica da história de Portugal serve também para legitimar a política ultramarina, isto é, de manutenção das colónias portuguesas, crescentemente contestada no âmbito da Organização das Nações Unidas. O quadro da Guerra-Fria que se estabelecera entre as duas grandes potências emergentes da II Guerra Mundial, os Estados Unidos da América e a União
Soviética, tornara-se favorável às reivindicações do chamado Terceiro Mundo.
Em 1955, na Conferência Bandung, na Indonésia, são aprovadas importantes resoluções sobre a igualdade de todos os povos e o seu direito à autodeterminação.
O movimento independentista tornara-se imparável. Em clara oposição ao espírito do tempo, o 57 desenvolve em diversos textos uma fundamentação doutrinária em defesa do império português, em clara sintonia
6 «Manifesto sobre a Pátria», in 57, nº 2, Cascais, Agosto de 1957, p. 1
7 «Manifesto 57» in 57, nº 1, Cascais, Maio de 1957, p. 2
8 «O Movimento do Homem», in 57, nº 6, Lisboa, Março de 1959, p. 16
3 com a política do Estado Novo. Esse corpo teórico vai-se definindo à medida
que, no terreno, vão ganhando expressão e vitórias as lutas pela libertação das colónias, culminando no «Manifesto à Nação» publicado, em Abril de 1961, em diversos jornais, já que o 57 não editou nesse ano. O documento, reproduzido no nº 11 do 57, de Junho de 1962, é uma reacção ao episódio que marca o início da Guerra Colonial, o assalto à cadeia de Luanda e a uma esquadra da
polícia por parte de militantes do MPLA, em 4 de Fevereiro de 1961. Nele se reconhece que «a existência de populações em estado de barbárie ao fim de quatro séculos de ocupação, é um elemento contra os portugueses» e se apresentam propostas concretas para a solução dos problemas mais prementes. Mas não deixa de considerar que «o abandono das províncias ultramarinas representaria não apenas uma decadência de imprevisíveis consequências como a barbarização de territórios e populações a respeito das quais assumimos inalienáveis compromissos civilizadores».
9 Também no plano das políticas internas é evidente a sintonia entre muitas das teses defendidas pelo movimento de cultura portuguesa, através do 57, e a acção do regime. Não é possível analisar aqui todos os paralelismos, mas a título de exemplo invocamos as ideias desenvolvidas por António Quadros no texto «O movimento do Homem», onde os repudia o sistema democrático baseado em partidos políticos, considerando que nesse modelo «Não é a pátria global, não é o estado global, sintetizado embora organicamente [sic], que se auto-governa, mas sim uma parte, um partido, um fragmento, que pretende impor a sua vontade à totalidade, à globalidade dos homens que formam o povo.»
10 Perspectiva que evoca a defesa da «democracia orgânica», apartidária e tão cara ao regime. À parte estas posições de natureza conservadora, são de registar as intenções do movimento de querer contribuir para a dinamização da cultura portuguesa, nomeadamente através da apresentação de propostas pragmáticas para a sua defesa e desenvolvimento em todos os domínios, bem como pela divulgação e promoção do que é «nosso», quer se trate de tradições, pensadores ou artistas.
 
Bibliografia: GAMA, Manuel, O movimento 57 na cultura portuguesa, Lisboa,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, Col. Biblioteca Breve, 116;
PIRES, Daniel, Dicionário da Imprensa Literária Portuguesa do séc. XX, Lisboa,
Grifo, 1996.
 
9 «O Movimento da Cultura Portuguesa no ano de 1961», in 57, nº 11, Junho de 1962, pp. 8-9
10 «O Movimento do Homem», in 57, nº 6, Lisboa, Março de 1959, p. 17
Rita Correia
14 de Maio de 2007.