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O Jornal 57 : História & Memória
Álvaro Costa de Matos*

1. Do contexto...
O jornal 57 surge num ano, 1957, que, no que à imprensa periódica diz respeito, foi um ano historicamente importante. Hoje é até reconhecido pelos especialistas como um ano de viragem, em grande medida protagonizada pelo Diário Ilustrado, que aparece em finais de 19561. Se isto é verdade para a chamada imprensa de referência, para os principais jornais diários portugueses, também o é para a imprensa literária. Esta conhece nesta altura uma evolução não menos importante, quer pela consolidação de muitas revistas e jornais, quer pela dinâmica provocada pelo aparecimento de novas publicações periódicas, ao ponto de se detectar uma efervescência cultural de certo modo atípica, num país sujeito a um regime autoritário, autocrático, que fazia da censura à liberdade de expressão uma das suas traves-mestras2.

Estas revistas, por sua vez, representavam movimentos políticos, literários, estéticos ou mesmo filosóficos, sendo, portanto, da maior importância conhecê-las para uma melhor contextualização da época que aqui nos interessa, e que enquadra o nosso jornal, o 57.

A Vértice era o órgão por excelência do Neo-Realismo. Representava a militância, a literatura de compromisso, da arte empenhada. Protagonizou importantes tomadas de posição no plano cívico e político, congregando, desde o início (Maio de 1942), uma parte considerável da oposição democrática ao regime – atitude que manteve até 1974. Mas além da Vértice tínhamos a Serpente, de 1951, e as Notícias do Bloqueio, também criada em 1957, e que durou até 1961, ainda que estas duas publicações já representassem a segunda vaga neo-realista. O Globo (1943-1959), o conjunto de cinco números Unicórnio, Bicórnio, Tricórnio, Tetracórnio e Pentacórnio (1951-1956), de José Augusto França, a Anteu (1954) e a Pirâmide (1959) veiculavam as propostas estético-literárias do Surrealismo, movimento que tenta verter para a cultura portuguesa o compromisso com a fealdade, como “arma contra a cultura burguesa e as suas formas de censura estética, moral, etc.”3 A Panorama (1941-1973), a Atlântico (1942-1959), ambas editadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), a Cidade Nova (1941-1961), o Esmeraldo (1954- 1956), a Ocidente (1935-1971; 1977-1995) e a Cidadela (1956-1957) defendiam o regime ou um sistema de valores condizente com os do regime: patrióticos, nacionalistas, conservadores e católicos. Algumas destas revistas, como vimos, são mesmo editadas por instituições do Estado Novo. A Ocidente, com a direcção de Manuel Múrias, foi uma apoiante incondicional do Salazarismo, defensora de um nacionalismo activo, exacerbado, fortemente empenhado, a par da apologia (supremacia) da cultura ocidental sobre todas as outras. A Tempo Presente, revista portuguesa de cultura, que saiu de 1959 a 1961, representava o fascismo puro e duro, situando-se assim à direita do próprio regime. Segundo Eduardo Lourenço, era “o texto fascista em ambiguidade”4, traduzindo um fascismo nostálgico, duvidoso do regime de Salazar, crítico da decadência das suas instituições e da decrepitude ideológica e política dos dirigentes do Estado Novo. Nas suas páginas, assumiam-se como “(…) universalistas, hierarquizadores, totalitariamente compreendentes, intolerantes para o erro, ultrapassantes e dinâmicos”5.

À esquerda do regime tínhamos, além da Vértice, já aqui referida, a Seara Nova, que surge em 1921, ligada à esquerda progressista, republicana, liberal, a Rumo, dos católicos, e a 3 ROCHA, Clara – Revistas Literárias do Século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985, p. 544.
4 Citação retirada de PINTO, António Costa, “Tempo Presente”, in Dicionário de História de Portugal, Coord. de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Vol. 9, Lisboa/Porto: Figueirinhas, 2000, p. 509.
5 Para um estudo mais aprofundado de algumas destas revistas, sobretudo das mais políticas, ver MATOS, Álvaro Costa de (2006), Op. Cit. Para as literárias, completar com PIRES, Daniel -
Dicionário da Imprensa Literária Portuguesa do Século XX (1941-1974), Volume 2, Tomos 1 e
2, Lisboa: Grifo, 1999, e com ROCHA, Clara (1985), Op. Cit.
3 revista O Tempo e o Modo, publicada entre 1961 e 1977, adepta de uma democracia cristã e de um socialismo humanista, isto até à saída de António Alçada Baptista, em Fevereiro de 1969. A partir daqui a revista sofre uma profunda reorientação, no sentido maoísta, e que se traduz também numa oposição mais tenaz ao regime. Depois, existia ainda um conjunto de revistas que testemunhavam o incremento que os estudos filosóficos conheciam nesta altura, tanto dentro como fora da universidade. São disso exemplo, a Revista Portuguesa de Filosofia, da Faculdade de Filosofia de Braga, talvez a mais importante, a Revista Filosófica (1951-1958), fundada e dirigida por Joaquim de Carvalho, a Revista da Faculdade de Letras, de Lisboa, a Colectânea de Estudos, Itinerarium a partir de 1955, dos Franciscanos, e a revista Filosofia (1954-1961), órgão do Centro de Estudos Escolásticos de Lisboa. O interesse pelos temas filosóficos em geral, e especificamente portugueses, este ambiente verdadeiramente filosófico, talvez explique o aparecimento do último jornal deste breve inventário, o 57, órgão do Movimento 576, por sua vez inserido no movimento mais amplo da Filosofia Portuguesa. É sobre este jornal que agora nos vamos deter, ou melhor, sobre a sua história e memória.

2. O jornal 57
O jornal 57 que, por determinação epocal, assim se designou, estreia-se em Maio de 1957, com o subtítulo de folha independente de cultura, que apregoava um ecletismo cultural que se manteria até ao fim da publicação. O jornal mantém-se, com alguma irregularidade, até Junho de 1962, publicando no total 11 números: três em 1957, com um número duplo, já referido (n.º 1, Maio; 2, Agosto; 3-4, Dezembro), um no ano seguinte (5, Setembro), dois em 1959 (6, Março; 7, Novembro), três em 1960 (8, Junho; 9, Setembro; 10, Dezembro), e um, o último, em 1962 (11, Junho). Esta irregularidade na edição condicionou muito o 57, não só porque não se compadece com a opção pelo jornal, que pede uma periodicidade diária e regular, como não ajuda a fixar 6 Sobre o movimento propriamente dito é de leitura obrigatória a obra GAMA, Manuel – O Movimento 57 na Cultura Portuguesa. Col. Biblioteca Breve, 116. 1.ª Edição. Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação e Cultura, 1991.
4 leitores. A posteriori, julgamos que o 57, pelas suas características, talvez tivesse funcionado melhor como revista, num formato mais pequeno.

O 57 foi dirigido por António Quadros, que partilhou a função com Fernando Morgado e Orlando Vitorino que partilhou a função com Fernando Morgado e Orlando Vitorino a partir do número 5, de Setembro de 1958. No número seguinte, Vitorino desaparece da direcção, para não mais regressar. A redacção era composta por Avelino Abrantes, Afonso Botelho, que acumulava com a função de editor, José Antunes Ferreira, Fernando Morgado, Ernesto Palma, António Quadros, Rui Carvalho dos Santos, que também era administrador, Francisco Sottomayor, António Telmo, Orlando Vitorino e Luís Zuzarte. Fernando Morgado, além de director e redactor, era também o “orientador artístico” do 57, enquanto Carlos Silva estava incumbido do secretariado do jornal. O corpo redactorial sofreu poucas alterações ao longo dos 5 anos de existência: a partir do n.º 2, de Agosto de 1957, passa a contar com Afonso Cautela e Azinhal Abelho, edição que regista ainda a saída de Luís Zuzarte. Ao todo, tínhamos 12 redactores. Azinhal Abelho, Rui Carvalho dos Santos, Orlando Vitorino e Ernesto Palma cessaram as suas funções como redactores a partir do n.º 6, de Março de 1959. António Telmo sai no número seguinte, de Setembro. A partir do n.º 8, de Junho de 1960, desaparece da ficha técnica do jornal a referência ao corpo redactorial do 57. Nas outras funções as mudanças também foram pouco significativas: a partir do n.º 5, de Setembro de 1958, Francisco Sottomayor assume o secretariado; no número seguinte aparece como administrador; no último número, de Junho de 1962, substitui Afonso Botelho como editor.

O 57 tinha redacção e administração em Cascais, na Rua Afonso Sanches, 30, era composto e impresso em Lisboa, nas Oficinas Gráficas Manuel A. Pacheco, Lda., de Lima, Victor e Lima, na Rua João Saraiva, 12 – A (Alvalade) e distribuído pela Livraria Bertrand. A partir do n.º 5, a redacção e a administração são transferidas para a Rua do Quelhas, 25, em Lisboa, com nova mudança no número seguinte, de Março de 1959, desta vez para a Rua do Século, 34. A distribuição do jornal passa também, a partir deste número, a ser feita pela Agência Portuguesa de Revistas, localizada na Rua Saraiva de 5 Carvalho, 207. Até o final do jornal, a redacção e a administração saltaram de poiso por mais duas vezes, mas sempre em Lisboa: no n.º 8 vamos encontrá-las na Rua do Arco de Carvalhão, 197; a partir do n.º 10, de Dezembro de 1960, na Rua Quirino da Fonseca, 37. A distribuição do jornal não ficou imune a estas alterações, provocadas sobretudo pelas constantes mudanças de casa do seu director, António Quadros, com o 57 a conhecer, a partir do n.º 8, de Junho de 1960, um novo distribuidor: Gonçalo W. de Vasconcelos, da Avenida António Augusto Aguiar, 126. Esta instabilidade só era possível devido à periodicidade alargada do jornal, com 2/3 números por ano. Não há referências à tiragem do jornal. Cada exemplar, em média com 20 páginas, custava, no início, 5$00. Aumenta para 7$50 a partir do n.º 5, conhece uma redução para 6$00 com o n.º 9, para voltar ao preço anterior logo no número seguinte, preço que se manterá até ao fim do jornal. No que toca às condições de assinatura, eram as seguintes: séries de 3 números, 15$00; de 6,
30$00; de 12 números, 60$00. Para o Ultramar e estrangeiro acrescia 10% sobre os preços indicados. Para cativar assinantes, o jornal oferecia um desconto de 30% nos volumes da “Colecção 57” e nas obras de que o 57 era depositário, como, por exemplo, a Introdução a uma Estética Existencial, de António Quadros, ou o Acto – fascículos de Cultura. Beneficiavam ainda de entrada livre nos colóquios organizados pelo jornal e de 50% de desconto nos espectáculos realizados. A subscrição do jornal era feita por postal ou carta.

Encontramos três tipos de publicidade no 57. A publicidade estritamente comercial, que servia para pagar o jornal; a publicidade institucional, nacional e estrangeira; e a publicidade da casa, aquela que visava publicitar os colaboradores mais importantes, através da divulgação e dos elogios às suas obras. No primeiro caso, destacamos, pela quantidade e tamanho dos anúncios, a publicidade da Companhia Nacional de Navegação, com 9 anúncios, quase um por cada número, dos chocolates Belleville, da Favorita, com 7, da Companhia União Fabril (CUF), com 6, da Sacor, com 5, da Swissair, com 3 anúncios, entre outras empresas e companhias, com dois ou apenas um anúncio: os rádio-gramofones estereofónicos SABA, os frigoríficos da General Electric, a Altitália, a Air France, os binóculos JENA, as canetas 6 Parker, a Guimarães Editores, a Portugália Editora, as Publicações Europa- América, o Banco Comercial de Angola, as cervejas “Cuca”, etc. No segundo caso, na publicidade institucional, temos anúncios da Agência Geral do Ultramar, promovendo as suas muitas edições, da Direcção Geral do Turismo
Francês, mas sobretudo do Centro Nacional Suíço de Turismo, com 6 anúncios, convidando os leitores do 57 a visitar o “país dos lagos encantadores”, dos “sítios pitorescos”, com “cidades de aspecto medieval”, ou a passar as suas férias nas suas “montanhas nevadas”. No último caso, encontramos publicidade a livros ou publicações periódicas editadas por colaboradores ou directores do 57, com relevo para Afonso Botelho, António Quadros e Orlando Vitorino, ou referências elogiosas a escritores “queridos” do movimento, como Virgílio Ferreira.

A novidade do 57, além do programa e das suas ideias, de que nos ocuparemos mais adiante, e presente também no núcleo duro dos seus colaboradores (António Quadros, Afonso Botelho, José Marinho, Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino), que se auto-denominavam de “os novos”, está desde logo na opção pelo formato do jornal, bastante ousada, reconheça-se, para uma publicação que pretendia falar de filosofia, arte, ciência e literatura, num mercado pequeno, pouco predisposto para consumir este tipo de produtos, sujeitos à concorrência da imprensa diária, mais barata e, nalguns casos, com excelentes suplementos literários. O elevado analfabetismo também não ajudava, assim como a censura prévia à imprensa, ainda que esta visasse não tanto o controlo da crítica política ao regime ou da doutrinação e propagação de ideários políticos diferentes, mas sobretudo a protecção das figuras, instituições e estratégias imediatas do regime7. A novidade do 57 está ainda no arranjo gráfico encontrado para o jornal, moderno, atractivo, de que salientamos os seguintes aspectos:

7 Sobre os propósitos da censura política, ver, MATOS, Álvaro Costa de, Op. Cit., p. 52-53.
Completar com TENGARRINHA, José, “A Censura às Folhas Informativas (visão global)”, in Op. Cit., pp. 35-70. Para Tengarrinha, a defesa das figuras do regime (Chefe de Estado, Presidente do Conselho e membros do Governo) era, sem dúvida, um dos objectivos da censura, assim como a defesa da estrutura política do Estado e de todos aqueles assuntos que poderiam afectar a sua segurança e prestígio. No entanto, para o historiador, a censura foi essencialmente “um instrumento fundamental orientado para a tentativa de formação de um «bloco de opinião nacional”.

7
i) uma primeira página muito forte, a 3 cores, com uma boa combinação gráfica entre o cabeçalho, em plano de destaque, o sumário, à esquerda, e textos programáticos ou nucleares, não assinados, como é o caso do “Manifesto de 57”, “Manifesto sobre a Pátria” ou “Problemas Concretos da Cultura Portuguesa”, publicados, respectivamente, nos números 1, 2 e 5, à direita;

ii) uma estrutura interna muito flexível, a 2 cores (P/B), com predomínio das 5 colunas, a toda a página, não poucas vezes quebradas com ilustrações, publicidade, novas caixas de texto, ou, em menor número, a solução 2 + 1 (duas grossas colunas + uma coluna standard, reservadas quase sempre para os grandes ensaios dos principais articulistas do 57, mormente o quinteto acima referido, ou nomes sonantes como Agostinho da Silva), ou, ainda, a solução 3 + 1 (três colunas standard + uma coluna grossa), com poucas secções regulares ao longo do jornal, utilizadas sobretudo para a crítica literária, de arte e espectáculos, ensaios ou estudos diversos8;

iii) uma última página mais discreta, repetindo as 3 cores da primeira, muitas vezes utilizada para a conclusão de textos vindos do interior.
Foram efectuadas mudanças na imagem do jornal, primeiro com uma discreta alteração no cabeçalho, a partir do número 6, de Março de 1959, com a colocação do título, “57”, à direita da caixa “Movimento de Cultura Portuguesa”, quando antes estava à esquerda; depois, com algumas remodelações gráficas ensaiadas nos números 8, 9 e 10, prevalecendo a terceira, continuada no número seguinte, o último, ainda que num formato mais pequeno e com outro tipo de papel, mais frágil, a pronunciar o fim do jornal. O último número tem ainda a particularidade de introduzir as três cores noutras páginas, que não a primeira e a última, realçando assim alguns textos importantes, como é o caso do “Manifesto à Nação”, assinado por António Quadros, Fernando Morgado, Francisco Sottomayor, Fernando Sylvan, Jorge Preto, Luís Carlos do Espírito Santo, António Braz Teixeira e Alexandre Coelho. Finalizamos este capítulo com a colaboração literária e plástica do 57, que foi muito significativa e diversa. Na primeira, destaca-se, quer pela quantidade 8 Identificámos apenas as seguintes secções regulares, por ordem de importância: “57 Leu”, “Crítica”, “Artes Simbólicas”, “Artes da Palavra”, “Notas Políticas e Económicas” e “Artes espectaculares”. 8 quer pela qualidade, a de António Quadros, de longe o principal colaborador, com uma produção que ultrapassa os 40 artigos. Depois, num outro patamar, temos Francisco Sottomayor, com 16 artigos, Orlando Vitorino, com 12, Ernesto Palma, com 11, Fernando Morgado, com 10, Azinhal Abelho, com 9,
Avelino Abrantes, com 8, Afonso Botelho e António Braz Teixeira, com 7, Afonso Cautela, António Telmo, Alfredo Margarido, Ana Hatherly e José Antunes Ferreira, com 6, e Jorge Preto, com 5 artigos. Estes foram, sem dúvida, os principais colaboradores do jornal, mas o 57 contou ainda com a colaboração importante de Álvaro Ribeiro, José Marinho, Luís Zuzarte, Natércia Freire, Baltazar Covões, Carmo Vaz, Jonas Negalha, Fernando Sylvan, Agostinho da Silva, Sant’Ana Dionísio, Augustina Bessa Luís, José Valle de Figueiredo, entre muitos outros. Na segunda, isto é, na colaboração plástica, sob a forma de ilustrações e desenhos, temos Jorge Costa, Santiago Areal, Vieira da Silva e António Botelho. No conjunto do jornal, trata-se de uma colaboração pouco significativa, e escassa, dada a clara opção pelo texto em detrimento da imagem.

O 57 reproduziu ainda textos de Aarão de Lacerda, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Álvaro Ribeiro, Domingos Monteiro, Afonso Botelho, António Quadros, Álvaro de Campos, Cabral de Moncada, Kant, Cunha Seixas, Leonardo Coimbra, Georges Limbour, André Chastel, António Ferro, Sampaio Bruno e W. Ostwald.

O lugar de destaque ocupado por António Quadros merece que nos detenhamos um pouco na sua vasta colaboração. Quadros assinou grande parte dos ensaios publicados no 57, com textos sobre filosofia da história, estética e arte, existencialismo, ensino e educação, cultura e ciência, política e filosofia, estudos inovadores sobre dança, cinema, comemorações, ou, ainda, recensões sobre exposições. Temas perfeitamente enquadrados no espírito do
Movimento 57, de que ele era, afinal, um dos principais mentores e dinamizadores. Foi também um dos principais críticos literários do jornal, com recensões a Fernando Namora, Vergílio Ferreira, entre outros escritores.

Das iniciativas do jornal registe-se, por exemplo, os “Inquéritos aos Pensadores Portugueses”, com testemunhos de Álvaro Ribeiro (N.º 3-4, Dezembro 1957), 9 Afonso Botelho (N.º 5, Setembro 1958), e Sant’Ana Dionísio (N.º 6, Março 1959), pequenas antologias, com textos de António Ferro, a propósito do primeiro aniversário da sua morte (N.º 3-4, Idem), de Sampaio Bruno, assinalando o “1.º Centenário do Fundador da Filosofia Portuguesa” (Idem), com um estudo de António Telmo, de Cunha Seixas ou Leonardo Coimbra (N.º 7, Novembro 1959), uma “Pequena Antologia do Moderno Pensamento Estético Português”, com textos de Aarão de Lacerda, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Álvaro Ribeiro, Domingos Monteiro, Afonso Botelho e António Quadros (N.º 5, Idem), a campanha a favor da valorização e dignificação do escritor português, ao longo dos seis primeiros números, com estudos sobre a situação social do escritor, os editores, as influências estrangeiras, a liberdade de expressão, a par de outros assuntos, e, por último, os dois inquéritos realizados a estudantes acerca da crise da universidade (N.º 3-4, Idem, e N.º 7, Idem).

3. Do programa e das ideias...
O jornal 57 apresentava-se como “folha independente de cultura”, “principalmente escrita por novos”, o que desde logo mostrava uma intenção de independência política face ao regime, mas também a outros movimentos ou correntes políticas. Apresentava-se também como uma publicação doutrinária, que se pretendia portadora de uma “autêntico movimento” que teria por objectivo central uma “profunda renovação dos conceitos e das hierarquias que campeiam abusivamente a terra portuguesa”. E que conceitos e hierarquias eram estes para os homens do 57? O Escolasticismo, o Materialismo Dialéctico, o Positivismo, o Criticismo, numa palavra, as correntes estrangeiras, que definiam na altura a cultura portuguesa, mas que contribuíam para a ruína dos seus “brilhantes pilares”, para a ausência de uma “autonomia cultural”9.

Como consequência, os intelectuais demitiam-se e abdicavam da sua “liberdade de conceber, de imaginar e agir, por uma cega adesão, seja a corpos doutrinários anacrónicos, isto é, gerados fora do nosso tempo; seja a concepções utópicas, isto é, que não tomam em consideração o factor 9 Para uma análise mais detalhada do ideário do movimento 57, dos seus pressupostos teóricos, ver GAMA, Manuel, Op. Cit., sobretudo o capítulo 2, “O Ideário do «57», pp. 35-85. 10 específico que é o espaço e visam a espartilhar os homens de todos os espaços segundo a rigidez sem cambiantes de uma mesma lei; seja no retrato fotográfico de uma realidade imóvel, a uma natureza conhecida apenas através dos sensos, sem que a penetre a visão superior do espírito; seja no egoísmo narcisista da auto-contemplação, da auto-piedade ou da auto-flagelação”.

Impunha-se, portanto, um programa, que libertasse a cultura portuguesa do “imobilismo paralisante” de “escolas e políticas que nos são estranhas” e de “fins egoístas”. Este programa, de acordo com o “Manifesto de 57”, publicado no primeiro número do jornal, logo a abrir, passava pelo recurso a “estudos antropológicos e cosmológicos que garantam as teses propostas”, ou melhor, pela adopção de “formas antropo-cosmológicas em que o Espírito ou a Razão se particularizam, isto é, as pátrias”. E logo a seguir acrescentavam: “Não é possível servir Portugal sem conhecer Portugal. Não é possível servir o homem português sem conhecer o homem português”. Por outro lado, esta tarefa, de libertação da cultura portuguesa, encontrava-se facilitada porque o país dispunha de imensas possibilidades e meios, pois segundo os “novos”, Portugal guardava “nos seus arcanos uma extraordinária potencialidade criadora, uma capacidade de viagem, descobrimento e invenção, da qual a nossa história dos acontecimentos, das ideias e dos símbolos, dá explícitos sinais e claras notícias”, capacidade esta que era diminuída persistentemente pelas “mentalidades abstracionantes e internacionalistas”. A história de Portugal não era feita de uma “cadeia de eventos fortuitos dominados pelo acaso, provocado pela luta das classes ou dependentes das flutuações do comércio e da indústria”. Pelo contrário, obedecia em “finalismo, a um destino e uma missão”, por outras palavras, a uma “necessidade”, como o tinham afirmado os nossos primeiros poetas épicos, Camões, Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. Esta “necessidade”, que resistira “as pressões do grandes povos”, exigia, para o grupo do 57, numa crítica à influência das correntes estrangeiras mas também ao poder político, que a nação recuperasse a sua “autonomia filosófica, artística e cultural”, que valorizasse as causas espirituais, “que são de expressão concreta e portanto nacionais”, em detrimento das materiais. Desta forma, evitava-se que a autonomia política, a independência, fosse um “capricho de governantes que ambicionam o poder temporal ou teimosia de passadistas, anacronicamente 11 presos a hábitos mentais e a lembranças, atavismos, nostalgias”.

Consequentemente, era fundamental adoptar um outro caminho, que, coadunado com a nossa identidade, contribuísse para o seu florescimento. Esse caminho era, para o 57, o existencialismo e a filosofia portuguesa. Estas seriam as correntes/filosofias que acabariam por dissolver a influência das teses positivistas, do materialismo e do abstraccionismo na cultura portuguesa.

O interesse pelo existencialismo, que pode parecer uma contradição, pois combatiam tenazmente as correntes estrangeiras, advém do facto de ter dado conteúdo filosófico à ideia de filosofia de pátria. Era isto que interessava ao movimento, apenas isto, a redução do objecto do conhecimento “à situação concreta dada e específica, ao englobante, à espacio-temporalidade”. Como referências, o 57 destaca A. N. Whitehead e Karl Jaspers, dois filósofos que, nas suas palavras, “mais sistematicamente interpretaram a relação dos homens entre si e dos homens com o cosmos, como necessariamente radicada a sistemas culturais e autónomos”.

O recurso à filosofia portuguesa explica-se porque para o 57 ela era a via por excelência, a via, para, por um lado, a cultura portuguesa afastar as correntes estrangeiras, e, por outro, reencontrar-se consigo própria. E lá vinha a menção a Sampaio Bruno como o fundador da filosofia portuguesa, pois dele partiram “todas as grandes correntes de ideias que se prende a originalidade, não só da nossa filosofia, como da nossa arte e da nossa literatura”. Completada com a referência aos seus “discípulos confessos”, Junqueiro, Pascoaes e Pessoa, “todos ligados ao movimento da Renascença Portuguesa”, Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro e José Marinha, estes dois últimos classificados como “as figuras mais representativas da filosofia portuguesa moderna”.

Resolvido o problema da teoria necessária à dinamização da realidade portuguesa, restava a prática, papel que caberia ao 57. Este seria o meio pelo qual, com a cobertura do existencialismo e da filosofia portuguesa, se iniciaria um novo ciclo da cultura portuguesa: “Sedentos de restituir à vida humana a sua responsabilidade transcendente e ao mesmo tempo solidários dos que não pactuaram com a cultura incultural, separada porque precisamente incultural, 12 de um movimento dinamizador para um futuro iluminado pelo espírito, para a Índia Nova em que Fernando Pessoa simbolizou a epopeia portuguesa, nós defendemos e queremos o progresso de Portugal em todos os caminhos desde a prosperidade material e da dignificação social até à invenção filosófica, artística e cultural. Mas divergimos de todos e combatemos todos quantos, quaisquer que sejam os seus credos políticos ou religiosos, pretendem chegar aos mesmos fins através de meios que, não se adequando à especificidade do espírito, da alma e do corpo da pátria portuguesa, mais não poderão provocar senão a dor, o mal-estar, a angústia, a divisão, e principalmente, a estagnação, pela luta aniquilante de forças contrárias que se anulam mutuamente, conforme se tem verificado tragicamente na Europa dos últimos 50 anos”. O desafio estava lançado. Vejamos agora os resultados do 57, através do estudo do seu impacto e recepção na sociedade portuguesa letrada dos anos 50.

4. A reacção ao 57…
O aparecimento de um jornal com estas ideias não podia deixar de agitar as águas da cultura portuguesa. A reacção surgiu, como era natural, nos jornais, com a publicação de vários artigos nada simpáticos para com o 57, a par, é certo, de alguma surpresa, pela positiva, e adesão às propostas dos “novos”:

“O primeiro número de «57» suscitou, a par de numerosas manifestações de simpatia, de solidariedade e mesmo de adesão, que aproveitamos a oportunidade para agradecer publicamente, a esperada, violenta e exclamativa reacção dos conformistas”, revelava o jornal logo no número 2, de Julho, num artigo intitulado “57 e a reacção dos conformistas”. E acrescentava: “Esperada porque já conhecíamos e prevíamos os seus velhos argumentos, todos eles afinal encobrindo o imobilismo conservador das suas posições e a dificuldade manifesta de evoluírem a partir de doutrinas aprendidas para sempre na adolescência. Violenta porque, na sua impossibilidade de refutarem a nossa posição, o que fizeram apenas foi substituir a razão pela vontade. Mas a energia voluntariosa das suas palavras desvela ainda melhor a fragilidade das suas próprias posições, em equilíbrio instável sobre o passado que já não retornará ou sobre o estrangeiro, que desconhece a nossa problemática específica. Exclamativa porque, ao fim e ao cabo, desde o Padre Gustavo de 13 Almeida no «DN», até ao Dr. João Gaspar Simões, em artigo de fundo no «JN» do Porto, praticamente toda a reacção do «57» se traduziu em exclamações mais ou menos iradas”. Ou seja, para o 57 as críticas estavam desprovidas de conteúdo, desmascaravam o imobilismo existente e o anacronismo e fragilidade dos seus pressupostos.

A reacção não ficou por aqui. Evoluiu para polémica, por exemplo, entre Adolfo Casais Monteiro e António Quadros, nas páginas do Diário de Lisboa. Originou até um debate, no Centro Nacional de Cultura, com Francisco Sousa Tavares em plano de destaque nas “farpas” ao movimento: “Aí (no CNC), a reacção tomou corpo com a intervenção veemente dos conformistas que quase pareciam querer julgar alguns dos redactores presentes numa espécie de tribunal inquisitorial. O principal advogado de acusação, em nome das potências conformistas, o Dr. Francisco Sousa Tavares, dirigiu-nos uma série de perguntas de exame: mas em que consiste a filosofia portuguesa? Mas o que dizem os livros de Sampaio Bruno, que o interrogador confessou nunca ter lido apesar da gritante oposição que lhe manifestou? Não há senão uma só filosofia universal? (A escolástica?) E quase exigiram, advogado de acusação, júri, presidente do júri, público alvoraçado, que nós, pobres criminosos que ali estávamos como simples assistentes e por cortesia, justificássemos o nosso crime, a nossa petulância e, naquela atmosfera agitada e social, com meninas da sociedade (bonitas, felizmente!) a aplaudir as tiradas mais retoricamente acusatórias, provássemos, provássemos por A + B, que havia uma filosofia portuguesa, que havia filósofos nacionais, em que consistia a originalidade dos nossos filósofos, em que se distinguiam dos filósofos de outros países! E, pelo verbo eloquente do Sr. Juiz Presidente, perdão, do Presidente da Mesa, o Padre Dias de Magalhães S. J. foi pronunciada a sentença contra o réu. Condenado, o 57? Parece que sim”. Ora, nada disto demovia o 57, como o atestava a publicação de novo número do jornal. O que interessava era os leitores e, particularmente, os jovens que não “estavam dominados por conservadorismos anacrónicos e utopias e com quem estamos prontos a estabelecer diálogo”. As condenações dos “ilustres padres jesuítas” e dos “ilustres críticos literários, como o Saint-Beuve português, o papa da crítica judicativa, o famoso Dr. João Gaspar Simões” não deixaram de contribuir, é 14 certo, para que o jornal fosse lido, discutido e vendido, mas tal aconteceu, segundo os “novos”, sobretudo porque o 57 não se integrou em qualquer dos conformismos “de historiador da filosofia a um sistema feito e perfeito, de crítica literária aos valores literários franceses de há 20 anos ou de professor universitário ao estatismo cultural positivista”.

Devemos, no entanto, matizar o êxito cultural do 57, como o fez o próprio director, António Quadros. A cultura portuguesa estava dominada por um pensamento estrangeiro e pela Universidade. Como tal, a acção do 57 desenvolveu-se à margem das culturas oficiais, que dominavam o panorama cultural. E aqui, nesta marginalidade, foi relativamente eficaz, nomeadamente junto dos estudantes universitários.

Terminamos com a crítica que, em nosso entender, foi a crítica mais importante e que mais incomodou os “novos”, a sua colagem ou comprometimento com o poder vigente na altura, o Estado Novo. Crítica que englobava todo o movimento da “Filosofia Portuguesa”. Para Eduardo Lourenço, um dos autores que mais vivamente faz essa associação, a “Filosofia Portuguesa” representava a “ideologia cultural de um fascismo lusitano”. Parece-nos, no entanto, que tal associação é precipitada, e dificilmente sustentável do ponto de vista histórico. É certo que algumas das posições do Movimento 57 eram coincidentes com a orientação política do Estado Novo, como, por exemplo, a defesa das colónias, bem expressa no “Manifesto à Nação” Portuguesa”, reproduzido no último número do jornal, de Junho de 1962. Mas esta posição apenas traduz a sua visão da cultura e território portugueses, e não comprometimento político. A política, para o 57, deve depender de valores superiores e a filiação “partidária” da pátria deve ser unicamente na sua tradição, como esclarecem logo na apresentação do “Manifesto sobre a Pátria”:

“A Pátria não é defendida por qualquer partido, facção ou classe (…)”. Ora, isto não coincidia, como sabemos, com a posição do regime, sustentado num partido único, a União Nacional, e na sua trilogia Deus, Pátria e Família.

António Quadros dá-nos também algumas informações importantes quando nos diz que “o 57 não teve nenhuma ligação com os poderes vigentes nem recebeu apoios oficiais” ou quando nos esclarece do porquê de se associar a 15 Filosofia Portuguesa a uma forma de nacionalismo político. Para Quadros esta associação assentava em 3 motivos: em primeiro lugar, pelo predomínio que o 57 dava à Filosofia, em detrimento da literatura ou da política; em segundo lugar, pela defesa que o 57 fazia de um pensamento ligado ao homem concreto; finalmente, pela importância que o 57 dava à Filosofia Portuguesa, facilmente identificável com o nacionalismo político, nomeadamente para os anti-nacionalistas.

5. Considerações finais
Apesar de algumas contradições, como a defesa do messianismo português num movimento avesso a qualquer internacionalização, que pressupunha a submissão de todas as pátrias a uma pátria, a portuguesa, e de alguns exageros, como o maniqueísmo das ideias expostas, de que é exemplo a menorização dos autores extrínsecos ao Movimento 57, ou a defesa acérrima da manutenção das então colónias portuguesas, é inegável o grande contributo do 57 para a dinamização e valorização da cultura portuguesa, sobretudo pela reflexão filosófica dos seus valores, e para a defesa teórica duma filosofia portuguesa, assente num pensamento ligado ao concreto e com raízes nacionais.

Num segundo plano, não podemos ignorar o contributo que o 57 deu para o conhecimento e divulgação de pensadores importantes, através das traduções das suas obras: Hegel, Nietzsche, Freud, Stuart Mill, Bacon, Camus, Voltaire, Balzac, Walter Scott, são alguns exemplos; o papel que teve na publicação de originais de autores portugueses, como Afonso Botelho, Natércia Freire ou Augustina Bessa Luís; bem como na promoção da literatura e da arte portuguesas, a partir das muitas recensões e críticas publicadas nas páginas do 57.


Álvaro da Costa Matos 
Lisboa, 24 de Junho de 2008



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