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Fundação António Quadros
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 Autores 
Bibliografia Passiva
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João Ferreira
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Maria Helena Souto
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Rodrigo Emílio
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ANTONIO QUADROS – O PERFIL DE UM PENSADOR

Não existe, infelizmente, proporção entre a informação biobibliográfica escrita publicada pela imprensa e a informação veiculada pela Internet a respeito do pensador e escritor português António Quadros(14.07.1923-21.03.1993). É profundamente precária a informação sobre o escritor na Internet. Isso prejudica muito o conhecimento do pensador por parte dos estudantes de nossas instituições universitárias muito dependentes das informações da Internet e a merecida divulgação de sua memória. Após sua morte em 1993, seus amigos mais próximos do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira de Lisboa, do grupo da Filosofia Portuguesa, e de outras correntes independentes ou não, promoveram relevante movimento em favor de publicações destinadas a testemunhar a memória do extinto escritor. Sublinhamos neste caso a publicação colaborada por vários autores, intitulada António Quadros, levada a cabo pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira em 1993 e a Sabatina de Estudos da Obra de António Quadros, com a colaboração de vários autores, publicada em Lisboa pela Fundação Lusíada em 1995.

Com a intenção de preencher um pouco esse vazio na Internet, resolvemos escrever este pequeno ensaio. De um lado, para darmos aos leitores alguns dados biográficos e de produção crítica e literária do Pensador António Quadros e, por outro lado, para oferecermos algumas linhas de pensamento que formam seu específico perfil intelectual no seio da cultura portuguesa de que foi apaixonado e competente intérprete.

Enquanto ensaio feito para fins de informação, declaramos este trabalho provisório na medida em que aguardamos a oportunidade de, em Lisboa, junto a fontes credenciadas, podermos melhorá-lo, completá-lo e concluí-lo. Para a parte biobibliográfica servimo-nos substancialmente e provisoriamente das informações oferecidas pelas orelhas das publicações do biografado, pelos mini-currículos que muitas vezes acompanhavam a editoração de algumas obras e pelas achegas dadas pelos pesquisadores e seus melhores biógrafos. Entre estes, cito o artigo de João Bigotte Chorão em Biblos-Enciclopédia da Literaturas de Língua Portuguesa, vol. IV, Lisboa: Editorial Verbo, 2001 e a síntese de Paulo Alexandre E. Borges, publicada em Logos –Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. IV, Lisboa S.Paulo, 1992.

I – VIDA E OBRA
Trata-se de um dos mais ativos e produtivos escritores portugueses do século XX. Oriundo de uma família de intelectuais, teve em seu pai Antônio Ferro, amigo de Fernando Pessoa e editor do primeiro número da Revista “Orpheu” e na mãe, a poetisa Fernanda de Castro, incentivadores para uma avançada cultura, erudição e apego às letras.

Nascido em Lisboa em 1923, freqüentou em sua juventude, a Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa onde ganhou o diploma de Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas.
Sua trajetória de intelectual e de escritor, começou muito cedo. Foi um dos fundadores dos jornais de cultura Acto (1951), 57 (1957) e da revista Espiral.

Tornou-se um dos diretores do Serviço e Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, sucedendo a Branquinho da Fonseca e a Domingos Monteiro com quem trabalhou desde o início deste serviço. Foi um dos organizadores e membro da primeira direção da Sociedade Portuguesa de Escritores.Como poeta, ficcionista, crítico, pensador, filósofo e cientista da cultura, cultivou com brilho a literatura de idéias.

É claro que os arquivos da família Ferro, a Biblioteca Nacional de Lisboa, o Centro Nacional de Cultura, as editoras Europa-América, Lello & Irmão Editores e Publicações Dom Quixote, e os testemunhos dos membros ainda vivos do grupo da Filosofia Portuguesa e seus amigos intelectuais deverão ter ainda muitas memórias, informações e um rico arquivo bibliográfico para enriquecer sua memória. Apesar de estarmos longe dos arquivos lusitanos, vamos tentar agregar, mesmo assim, alguns dados ao alcance do nosso conhecimento para que não se prolongue por mais tempo na Internet o injusto vazio da memória desta grande figura da cultura portuguesa do século XX.

Há como homônimo na cultura lusitana o célebre artista plástico António Quadros, nascido em Viseu, que é um dos muitos nomes do poeta João Pedro Grabato Dias (n. Viseu, 9.07.1933-01.07.1994), ligado também à cultura moçambicana. Advertimos o leitor para que não caia na confusão misturando os dois autores. Nosso biografado é o escritor Antônio Quadros, lisboeta, fundador do movimento “57” e um dos expoentes maiores do grupo da filosofia portuguesa, criador e diretor da revista Espiral, um veiculo importante de cultura em Portugal nos anos 60 em Portugal. É desse que nos ocupamos. Quadros além de escritor de ficção, é um crítico, um filósofo, um culturalista, um conhecedor profundo da cultura portuguesa e um combatente da legitimidade e da originalidade do pensamento português. Toda a sua vida foi sacrificada na luta por estes valores. Os valores da tradição que nos dão o perfil histórico português antes e depois da estrangeirização operada desde D. João III. São esses valores, que formam o perfil identitário português, a primeira grande temática dos modernos analistas da história da cultura portuguesa, a partir de Sampaio Bruno, passando por Teixeira de Pascoaes, e por Leonardo Coimbra.
Acompanhei durante muito anos a atividade literária e filosófica de Quadros e fomos companheiros de luta defendendo a bandeira da legítima cultura portuguesa. Convivemos no grupo da filosofia portuguesa liderado por Álvaro Ribeiro e José Marinho juntamente com Afonso Botelho, Orlando Vitorino, Antonio Braz Teixeira, Antonio Telmo e outros.

Foi senhor de uma cultura rica, variada e enorme, sempre atento às correntes de pensamento crítico e filosófico. Cultivou uma profunda admiração pelas teses franciscanistas que vinham da tradição portuguesa desde a Idade Meia, veiculadas modernamente por Guerra Junqueiro, por Antônio Correia de Oliveira, pela Faculdade de Letras do Porto onde o filósofo Leonardo Coimbra, autor de uma Visão Franciscana da vida, passou aos seus discípulos Agostinho da Silva, Álvaro Ribeiro, José Marinho e Delfim Santos essa admiração. A par das teorias leonardianas, Antônio Quadros, ainda jovem, acompanhou o movimento existencial defendido por Jaspers, e Heidegger e o existencialismo de Jean-Paul Sartre, e também a fenomenologia que fazia suporte aos movimentos existencialistas e existenciais defendidos no após-guerra, sobretudo na década de 1950. Dotado de um profundo amor às coisas portuguesas e defendendo como tese o estranhamento que os lídimos representantes da cultura portuguesa sentiam pela dominação cultural estrangeira que a universidade portuguesa acolhia com estranha devoção, Quadros, na linha do neogarrettismo, e da escola de Teixeira de Pascoaes, de Leonardo Coimbra e de Alvaro Ribeiro, se postou na trincheira da defesa dos valores culturais portugueses, incluindo os valores espiritualistas que vinham da Idade Media Portuguesa, valores ortodoxos e heterodoxos que atravessaram a história com a bandeira do culto ao Espírito Santo, e que ainda hoje se manifestam em festas populares nas ilhas dos Açores e no interior de Goiás, em Pirenópolis, Brasil, e outros lugares. Tudo isto representa uma busca qualificada dos valores da cultura e uma renovação no campo do espírito. É preciso analisar com profundidade todo este trabalho desenvolvido por Quadros para resgatar o lado original da cultura portuguesa, a favor da qual se bateu a vida toda. Uma questão que o levava a se perguntar insistentemente: "Quem somos? Que deve a nossa identidade aos nossos pais e avós? Como nos marcaram eles na espiral genética e cultural? Até que ponto devemos ser-lhes fiéis e a partir de onde podemos ou devemos resistir-lhes afirmando a nossa liberdade? Para entendê-lo, precisamos de segui-lo na construção da sua obra e nas suas principais linhas de pensamento. Organizou com Branquinho da Fonseca e Domingos Monteiro o Serviço das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, de que foi Inspetor Geral e depois Diretor até 1981. Foi um dos fundadores do Intituto de Arte e Design, IADE, de que foi Diretor e Professor em História da Arte. Foi Professor de Deontologia da Comunicação social na Universidade Católica de Lisboa, no Curso de Ciências da Informação. Foi membro da INSEA –International Society for Education through Art, órgão consultivo da UNESCO, de que foi delegado em Portugal até 1981.

Participou de vários congressos, simpósios, colóquios, e seminários, onde apresentou comunicações. Destacamos:
Massificação, uniformização e criatividade, no Colóquio “Nuevas Metas para la Humanidad”, Madrid 1982; Introdução à Teoria da Identidade Portuguesa, no “Seminário sobre a Expansão da Língua e da Cultura Portuguesa no Mundo”. Universidade de Santa Bárbara, Califórnia, Santa Bárbara, USA, 1983; O Homem Português, no Colóquio “Que cultura em Portugal nos próximos 25 anos?”. Lisboa: Biblioteca nacional, 1983; Ortega y Gasset, filósofo da razão vital, no Centenário do Pensador: Lisboa, Fundação Gulbenkian, 1983; Leonardo Coimbra: Fundação Eng. António de Almeida e Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1983; Heteronímia e Alquimia, no “Simpósio Internacional sobre Fernando Pessoa”, efetuado na Universidade Vanderbilt, em Nashville, USA, em 1983; O Epos e o Mythos na Literatura Brasileira Moderna, no “I Congreso Português de Literatura Brasileira”. Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1984; Introdução ao Portugal Encoberto, no Colóquio “Que projecto para Portugal?”, integrado nas celebrações do Dia de Portugal. Viseu, 1984.Participou também do “Seminário sobre Fernando Pessoa” realizado em Paris em 1979, no Centro Gulbenkian de Cultura,

PRODUÇÃO LITERÁRIA, TEÓRICA E CRÍTICA
Introdução a uma estética existencial, 1954
A angústia do nosso tempo e a angústia da universidade, 1956
A existência literária. Ensaios. Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural, 1959
Fernando Pessoa. A obra e o Homem. Lisboa: Editora Arcádia, 1960
O Movimento do Homem, 1963
Crítica e Verdade. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1964.
O espírito da cultura portuguesa, 1967
Ficção e Espírito. Lisboa, 1971
Portugal, entre ontem e amanhã, 1976
A arte de continuar português, 1978
Fernando Pessoa. Vida,Personalidade e Gênio. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1981.
Introdução à filosofia da história, 1982
Poesia e Filosofia do Mito sebastianista. 2 volumes. Lisboa 1982-1983. Prémio de Ensaio do Município de Lisboa.
Fernando Pessoa. A Obra e o Homem . Iniciação Global à Obra. Lisboa, Arcádia, 1982, 2 vols.
Portugal. Razão e mistério. I: Introduçao ao Portugal arquétipo. A Atlântida desocultada. O país templário. Lisboa: Guimarães, 1986.
Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa. Introduções, organização, bibliografia e notas de Antônio Quadro e Dalila Pereira da Costa. Volume I. Poesia. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986.
Na Introdução cronológico-biográfica, estudam-se importantes aspectos do pensamento português.
Fernando Pessoa. Obra poética e em prosa. Volume II. Prosa. Organização, introduções e notas de Antônio Quadros. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986. 1352 pp. Os textos são precedidos de um importante estudo de A. Quadros "Situação de Fernando Pessoa na cultura portuguesa".
Fernando Pessoa.Obra poética e em prosa. Volume III. Prosa : Estética, teoria e história da literatura. Páginas de reflexão filosófica. A Realidade transcendente. Sobre Portugal e o homem português. Pensamento político (páginas polêmicas e doutrinárias). Teoria econômica. Poemas traduzidos do inglês. Bibliografia. Apêndice. Introduções, organização, bibliografia e notas de Antônio Quadros. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986.
Na Introduçao cronológico-biográfica, estudam-se importantes aspectos do pensamento português).
Portugal. Razão e mistério. Volume II. O projecto áureo ou o Império do Espírito Santo. Lisboa: Guimarães, 1987.
A Idéia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos cem anos, 1989
O Primeiro Modernismo Português - Vanguarda e Tradição, 1989
Memórias das Origens. Saudades do Futuro. Valores, mito, arquétipos, idéias. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
Estruturas simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa, 1992.

POESIA
Além da Noite, 1949
Viagem desconhecida, 1952
Imitação do Homem, 1966

FICÇÃO
Anjo branco, anjo negro(contos), 1960
Histórias do tempo de Deus (contos), 1965, Este livro ganhou o Prémio Ricardo Malheiro, da Academia de Ciências de Lisboa e o Prémio de Novelística da Casa da Imprensa)
Pedro e o Mágico, 1973. Prémio Nacional de Literatura Infantil.
Artigos, colaboração em jornais e revistas, prefácios e introduções a livros

Quadros, António. "Mestre de mestres". Didaskalia 17, No. 1 (1987): 165-178. (Estuda o pensamento filosófico e pedagógico de Leonardo Coimbra).
"A filosofia portuguesa, de Bruno à geraçao do 57". In: Democracia e Liberdade, julho-dezembro (1987), número especial: Filosofia portuguesa actual, pp. 7-69.
“A Morte antes da Morte”.In: “Sílex”, Lisboa, n.° 4, Set. 1980, pp. 3-8
“A Propósito das «Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues». In: Modernos de Ontem e de Hoje. Lisboa, Portugália, 1947, pp. 279-290
“Da Literatura Portuguesa. Ensaio de Interpretação Fenomenológica”. In: “Espiral”, Lisboa, n.os 4-5, Inverno 1964-65, pp. 57-71
“Dos Mitos dos Heterónimos aos Heterónimos dos Mitos”. In: Actas de Um Século de Pessoa. Encontro Internacional de Estudos Pessoanos (Lisboa, 1988). Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura, 1990, pp. 247-251
“Fernando Pessoa (1888-1935)”. In: António Quadros «Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista». Lisboa, Guimarães Ed., 1982, vol. 1, pp. 113-1.30
“Fernando Pessoa, Filósofo”. In: “Diário Popular”, Lisboa, 12 Jun. 1969
“Fernando Pessoa, Patriota.” In: “O Dia”, 1, 15 e 22 Mar. e 19 Abr. 1980
“Fernando Pessoa. As Mensagens da «Mensagem». In: António Quadros «A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos Cem Anos». Lisboa, Fundação Lusíada, 1989, pp. 154-168
“Heteronímia e Alquimia ou Do Espírito da Terra ao Espírito da Verdade (1978)”. In: Actas do II Congresso de Estudos Pessoanos (Nashville, 1983). Porto, Centro de Estudos Pessoanos, 1985, pp. 457-474
Homenagem a Fernando Pessoa. Com os excertos das suas cartas de amor e um retrato por Almada Negreiros. Coimbra, 1936
“Introdução à Vida e à Obra Poética de Fernando Pessoa.” In: Fernando Pessoa - Mensagem e Outros Poemas Afins. Lisboa, Europa-América, 1986, pp. 17-95
“Introdução -II- Poemas a Portugal, 1913-1935”. In: Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa. Porto, Lello & Irmão, 1986, vol. I, pp. 103-105 e 1137-1144
“O Existencialismo de Fernando Pessoa”. In: António Quadros «A Existência Literária. Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1959, pp. 121-128
“Pessanha e Fernando Pessoa: de São Gabriel à Mensagem”. In: “JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias”, Lisboa, n° 422, 7-13 Ago. 1990
“Poesia, Drama e Metamorfose em Fernando Pessoa”. In: “Jornal de Letras e Artes”, Lisboa, ano I, n.º 1, 4 Out. 1961, pp. 6
“Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1930¬-35)”. In: “Diário de Notícias”, Lisboa, Sup. Artes e Letras, 14 Abr. 1955
“Resposta ao «Inquérito sobre Fernando Pessoa”. In: “Rumo”, Lisboa, n.º 60, Fev. 1962, pp. 139-140
“Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Poetas da História”. In: A Teoria da História em Portugal. II – A Dinâmica da História. Lisboa, Ed. Espiral, Lisboa, s.d. pp. n.° 260, pp. 210-213

Entrevistas
“Mensagem Transmite Arquétipos Universais”. Entrevista a Cecília Barreira. Lisboa, “Diário de Notícias”, 28 Mai. 1989

III – PRINCIPAIS LINHAS QUE CARACTERIZAM SEU PENSAMENTO E PRODUÇÃO LITERÁRIA E CRÍTICA

No estudo da obra e do perfil intelectual de António Quadros, é fundamental detectar algumas linhas básicas que caracterizam sua luta cultural e toda a sua personalidade de pensador e de escritor. Entre elas, colocamos: o franciscanismo, a paidéia e a identidade portuguesa, o estudo da espiritualidade e da simbologia heterodoxa do movimento religioso do Espírito Santo em Portugal desde o reinado de D. Dinis, no século XIV, o império do Espírito Santo, a existência literária portuguesa, o marco da especificidade da culturalidade portuguesa, a existência da filosofia portuguesa, a figura poética e pensadora de Fernando Pessoa, o modernismo português, os marcos referenciais do movimento da Presença e do Neo-realismo Português, o maravilhoso, o sagrado e o mítico, artes símbolo e arquétipos, Agostinho da Silva, profeta do III milênio, misticismo e espiritualismo na cultura portuguesa, existencialismo como problemática da existência e a fenomenologia como método de análise e interpretação,etc. E muitas mais linhas são passíveis de estudo em sua obra.

3.1. Franciscanismo:
O Franciscanismo é uma das pesquisas preponderantes de Antônio Quadros dentro de sua busca no âmbito da espiritualidade portuguesa, que tem em Santo Antonio de Lisboa, no culto do Espírito Santo, e no misticismo a variante do franciscanismo, presente na simpatia de Leonardo Coimbra em A visão Franciscana da Vida e em suas próprias crenças pessoais. Não é sem razão que António Quadros é autor de um estudo sobre a espiritualidade cristã na moderna poesia portuguesa, onde dá especial atenção a poemas de Rui Cinatti, de Natércia Freire e José Blanc de Portugal.
No oitavo centenário do nascimento de S. Francisco de Assis escreve sobre “São Francisco, ontem e amanhã”, onde analisa a trajetória humana e espiritual de total doação do Poverello, o que representa para Quadros “a odisséia de uma vida radicalmente ofertada” que contrasta com a mediocridade egoísta da maior parte dos humanos que lutam por ligeiras satisfações.

3.2. Paidéia e identidade portuguesa:
Se há alguma tese fundamental perseguida por Antônio Quadros que merece destaque é aquela que poderíamos chamar de busca da identidade portuguesa. Em seu livro Memórias das Origens. Saudades do Futuro. Valores, mito, arquétipos, idéias, tem um capítulo dedicado à paidéia, história e identidade. Se quiséssemos perceber, de entrada, o que o preocupa é só analisar e ver que ele pretende sobretudo chamar a atenção para a paidéia portuguesa, que aristotelicamente seria uma chamada da educação para a plenitude da cidadania que é atingida quando alguém se integra na sociedade em que vive e contribui para sua perfeição e esplendor. Para atingir este estado da paidéia portuguesa é imprescindível a liberdade criadora para construir o reduto existencial em que os cidadãos se movem. Quando Antônio Quadros se lembra de expor para os portugueses sobre a paidéia portuguesa é para lhes dizer que a paidéia não abrange apenas a educação formal exigida a todo o que deseja dizer-se civilizado mas que ela requer também uma convergência onde entram fatores formativos, culturais e éticos assentes sobre “um tecido de valores religiosos e éticos”. Admitido este pressuposto, Quadros diz aos portugueses que é imprescindível uma “estrutura cultural autônoma e vivaz” para fundamentar uma independência acional. A partir daqui torna-se necessária a construção de uma paidéia que saiba avaliar as tradições de um povo com a capacidade criativa ou criacionista do próprio povo. A defesa de uma independência de ação parte portanto da defesa de uma autonomia cultural e política. Parar a capacidade criacionista, deixar de aceitar o desafio do crescimento é ditar a estagnação e a decadência. Analisando os ciclos da história portuguesa, Quadros analisa as linhas que fizeram se afirmar o espírito lusitano nos vários desafios históricos e advoga, nas circunstâncias hodiernas do Portugal europeu, uma razão de ser coletiva para Portugal, “uma alma e um destino a cumprir na História”, cuja base só pode ser um estrutura cultural de nação, que faz a essência do homem português.

Num futuro próximo desenvolveremos as outras coordenadas do Império do Espírito Santo, da Filosofia Portuguesa. Vamos ocupar-nos agora da existência literária e da Literatura Portuguesa.

3.3. A existência literária. A Literatura Portuguesa:
Além de poeta e ficcionista, Quadros é um bom analista do fato da literatura Portuguesa. Nascido em berço de ouro, onde havia toda a informação sobre Fernando Pessoa e a Geração de Orpheu, Antonio Quadros desde cedo se familiarizou com os nomes de Pessoa, Sá-Carneiro e Almada Negreiros. A Biblioteca da casa de Quadros era especificamente rica em bibliografia sobre o modernismo português e a geração de Orpheu. Sua iniciação com a poesia e o pensamento de Pessoa, fez dele um do maiores especialistas pessoanos contemporâneos. Estudou, pesquisou, comentou, analisou e editou as obras gerais de Fernando pessoa, nas duas melhores edições que há em Portugal e que são as edições da obra completa da editora Europa-América e os três volumes em papel Bíblia da Lello e irmão Editores, do Porto. Além de Pessoa, há vários escritores e obras que passaram por sua análise. “A existência literária”, publicada em 1959, é um livro interessante para se julgar em sua significação evolutiva dentro da obra do autor. O livro é publicado nos anos áureos em que Quadros debatia a cultura portuguesa, dois anos depois de seu jornal do movimento 57 ter sido lançado e quando o debate da filosofia portuguesa corria animado no café Palladium, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, sob a batuta dos dois mestres Álvaro Ribeiro e José Marinho, com ouvintes e debatedores especiais como Sant’Anna Dionísio e outros. Neste livro destaca-se o teórico, o crítico e sobretudo o pensador literário. A estrutura do livro protagoniza o caso literário português. Em sua essência, o livro além de um capítulo sobre a teoria crítica do gêneros literários, tem como centro o notável capítulo III dedicado ao romance e poesia do neo-realismo português. Ao falar da poesia disserta sobre a imaginação e a magia da poesia de José Gomes Ferreira, neo-relista. E depois explana sobre o valor e a crise do Neo-realismo. No capítulo são destacados dois romances: “Fogo na noite escura” de Fernando Namora e “Os avisos do destino” de José Régio. Um e outro incluem na intriga romanesca o debate sobre a crise universitária e ao fazê-lo denunciam o método pedagógico estrangeirado da universidade portuguesa em desencontro frontal com a idealidade do jovem universitário português. Neste plano, Quadros aborda a estrangeirização da universidade e os reflexos dessa estrangeirização nos escritores portugueses desde os tempos de D. João III até aos Vencidos da Vida no século XIX. Em contraste com esse vazio identitário, Quadros elogia o romance de Fernando Namora que valoriza os universitários marginalizados que buscam seus próprios caminhos apesar do ambiente numa universidade positivista e estrangeirada.

Ainda no parâmetro do livro A existência literária, Quadros aborda no capítulo IV o Existencialismo de Fernando Pessoa e a personalidade literária de Vergílio Ferreira, romancista existencial para terminar com um artigo opondo a angústia germânica (fechada) à saudade portuguesa (que abre uma janela para a esperança). No capítulo V, além das tendências contemporâneas da literatura portuguesa, desenvolve dois ponto de vista sobre a obra de José Régio e consagra aos contos de Domingos Monteiro uma atenção especial, mostrando o universo novo do romance português e as novas tendências que grassavam na literatura portuguesa nos finais da década de 50.

Por esta amostragem de Existência Literária é fácil entender que as linhas de pesquisa de Antônio Quadros visam a gênese matricial da cultura portuguesa. Dentro deste horizonte, ele desenvolverá suas teses preferidas no jornal “57” e em todas as sua obras. Como complementação, neste quadro da Paidéia portuguesa, Quadros participará ativamente do debate nacional sobre a Filosofia Portuguesa. Grande parte de sua obra girará em torno do Modernismo Português, do movimento saudosista de Teixeira de Pascoaes, e sobretudo da obra de Fernando Pessoa . Defenderá a tese de que uma cultura tem de ser fundamentada numa base filosófica. Como ficcionista brilhante, o estudo do maravilhoso, do sagrado e do mítico ocupa relevante papel em suas exposições. Na fidelidade aos mestres que venerou e honrou, deu uma atenção especial a Agostinho da Silva, profeta do terceiro milênio e a Álvaro Ribeiro, mestre da Paidéia filosofia portuguesa.

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ESTUDOS SOBRE A OBRA DE ANTÓNIO QUADROS
AA.VV. António Quadros. Lisboa: Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, 1993
AA.VV. Sabatina de Estudos da obra de António Quadros. Lisboa: Fundação Lusíada, 1995
BORGES, Paulo Alexandre E.. “Quadros(António)”. In: Logos- Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. IV. Lisboa- São Paulo: Editorial Verbo, 1992.
CHORÃO, João Bigotte. “Quadros(António)”. In: Biblos- Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa. Lisboa- S.Paulo: Editorial Verbo, 2001.
GAMA, Manuel. "O movimento 57 e a filosofia portuguesa". Revista Portuguesa de Filosofia 44, No. 3-4 (1987): 383-400. (Inicia-se em 1957, com o Jornal "57", o "Movimento de Cultura Portuguesa", com vários membros do chamado "Grupo da Filosofia Portuguesa.
João Ferreira
Junho de 2005


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