Subscrever Newsletter
 
Fundação António Quadros
Bibliografia Passiva Imprimir e-mail

 Autores 
Bibliografia Passiva
Alexandra Prado Coelho
Alexandre Oliveira
António Maria Zorro
António Quadros
Cândida Cavadez
Eduardo Mayone Dias
Eduardo Pitta
Fundação António Quadros
João Bigotte Chorão
João Gonçalves
Jorge Ramos do Ó
José Almeida
José Blanco
Luis M. Gaspar e Sara A. Ferreira
Luís Raposo Pereira
Maria Estela Guedes
Maria João Castro
Miguel Bruno Duarte
Teresa Rita Lopes
Vera Marques Alves

Uma abordagem preliminar a 60 anos do Museu de Arte Popular
Alexandre Oliveira (bolseiro de doutoramento FCT, Departamento de Antropologia ISCTE-IUL, Museu Nacional de Etnologia)

Um dos elementos relevantes para a presente discussão em torno do Museu de Arte Popular é o facto de que ao longo dos seus 60 anos de vida, o museu não ter sofrido grandes alterações arquitectónicas e, menos ainda, no seu discurso expositivo. Tal constatação levou a que, no debate público decorrido nos últimos anos, o conceito de que o MAP teria entrado em decadência logo após a sua inauguração fosse tomado como facto adquirido, pressupondo-se a existência de um desinteresse tanto dos organismos de tutela como também das suas direcções.
Os dados que tenho vindo a recolher nos arquivos do MAP e nos do SPN / SNI indicam uma realidade diferente. Desde a sua abertura, as sucessivas direcções procuraram sempre melhorar o MAP propondo a criação de áreas técnicas de trabalho, a ampliação da área expositiva e redefinições da sua museografia. Se em alguns casos os organismos tutelares do MAP se mostraram interessados e foram até agentes dessa mudança, na maior parte dos casos a conjuntura política e as limitações orçamentais acabaram por frustrar as propostas das direcções do museu. Quero com este breve resumo contribuir para o debate sobre o MAP, revelando alguns destes casos que são apenas parte de uma história ainda pouco conhecida. Porque a minha investigação ainda não está terminada, os factos aqui revelados não podem ser considerados como definitivos.
António Ferro refere no seu célebre discurso de inauguração que o MAP tinha sido pensado logo desde a organização da exposição de arte popular portuguesa em Genebra em 1936. Esta exibição que ilustrou a presidência portuguesa da assembleia da Sociedade das Nações, foi orientada por Francisco Lage, dramaturgo e encenador e também etnógrafo que irá ocupar a partir de então o papel de responsável pela etnografia e cultura popular em todas as iniciativas do SPN. A colecção inicialmente recolhida para a exposição de Genebra irá sendo ampliada passando por sucessivas exposições no estrangeiro, tendo como ponto alto a secção de vida popular na Exposição do Mundo Português de 1940. Será nos pavilhões desta secção que o SPN encontrará o espaço condigno para o museu sonhado por Ferro. Apesar do carácter temporário dos edifícios, a decisão de os converter em construções permanentes foi tomada ainda durante a vigência da exposição ou logo a seguir. De facto, o anúncio do concurso público para a empreitada de alterações é publicado em Dezembro de 1941, tendo sido seleccionado o arquitecto Veloso Reis Camelo, o autor dos pavilhões originais. O primeiro projecto de alteração dá entrada no Ministério das obras públicas em Março de 42 e sendo em Abril que surge o primeiro documento de Francisco Lage relativo ao Museu. Tratase de um parecer de quatro páginas, dirigido a António Ferro, criticando fortemente o projecto apresentado. Neste documento Lage salienta a ausência de uma memória descritiva que permitisse justificar as opções do arquitecto e o facto de que, no seu entendimento, o projecto aparenta ser apenas uma adaptação dos pavilhões para uma nova exposição e não a transformação necessária para um museu propriamente dito com todas as instalações, espaços e equipamentos necessários. Depois de constatar as limitações e lacunas do projecto, Lage conclui com uma interrogação: “Seria exagerado ouvir-se antecipadamente a entidade a quem se destinava a missão de instalar o museu?” Deixando esta interrogação, Francisco Lage responderá depois em Outubro, com um documento muito mais detalhado com 47 páginas denominado “Plano de organização do museu do povo português”.
Este plano afasta-se de todos os eventos de carácter etnográfico realizados até então pelo SPN. Trata-se de uma proposta racional para um museu etnográfico apresentando um elaborado esquema organizativo. Nele, Lage apresenta a divisão da exposição permanente em salas correspondendo às regiões tradicionais dividindo-as depois em secções correspondendo ao “meio geográfico”; ao “homem”, apresentando as características físicas e “dialectológicas” dos habitantes de cada região; e à “vida” onde se encontrava a alimentação, trajo, habitação, trabalho, agricultura e indústrias conexas, indústrias caseiras, transportes e manifestações “individuo-sociais” (música, religião, teatro).
Para além da exposição permanente, Lage não descurava também todas as estruturas de apoio que um museu necessitava. Um auditório polivalente, sala de exposições temporárias, gabinetes de trabalho administrativo, salas e laboratório de conservação, oficina de reparações, biblioteca, arquivo, discoteca e filmoteca, armazéns de reserva e uma loja. Por fim, Francisco Lage deixava uma série de advertências, prevendo possivelmente as limitações que a adaptação dos pavilhões iria criar. Designou-as como “os sete pecados capitais do museu do povo português”: A falta de segurança nos acessos, a falta de ventilação, a produção ou invasão de pó devido à facilidade de comunicação com o exterior, a humidade, a facilidade no surgimento de insectos parasitas, o envelhecimento de espécies sensíveis e um itinerário sem lógica. A estes “pecados” acrescento ainda as outras recomendações complementares do seu primeiro parecer, como a existência de luz difusa por clarabóias e não por janelas e a existência de um sistema de aquecimento central para todas as dependências.
Era um plano muito ambicioso mas que será, com o tempo e as restrições orçamentais reduzido sucessivamente, até que por fim será praticamente descartado, não sendo tomado em conta pela última comissão encarregada da instalação do museu.
Em 1943 é por fim constituída uma comissão técnica e artística para a instalação do MAP constituída apenas pelos artistas - decoradores do SPN: Bernardo Marques (que sairá depois), Tomás de Melo, Carlos Botelho e Fred Kradolfer, que irão assinar a memória descritiva do projecto definitivo de Jorge Segurado. Esta comissão era ainda superiormente orientada pelo Secretário Nacional, António Ferro, que regularmente (aos sábados depois do almoço) organizava reuniões com a comissão no próprio local do museu. As obras vão-se arrastar. As alterações iniciais ao edifício (feitas por Veloso Reis) que implicaram a abertura de janelas e óculos protegidos por ferro forjado (e que tanto foram criticadas por Francisco Lage) oneraram em demasia o orçamento do SPN que terá de procurar outras fontes de financiamento. A oportunidade surge no verão de 1944 quando o representante em Portugal do comité internacional da Cruz Vermelha contacta o governo português, tendo em vista o aluguer dum espaço para o armazenamento temporário de um carregamento de correio para prisioneiros de guerra; uma vez que com o desembarque aliado na Normandia, todos os portos da França ocupada estavam encerrados. Faltam ainda pormenores sobre este episódio. Aparentemente o assunto foi tratado de uma maneira secreta, ou pelo menos discreta, sem divulgação pública, tendo os edifícios do SPN em Belém sido escolhidos porventura por estarem ainda isolados numa área murada e vigiada como era então o espaço da antiga Exposição do Mundo Português. Os edifícios que serão o futuro MAP são assim arrendados a uma firma de advogados até Fevereiro de 1945 e as verbas, pagas directamente ao SPN, acabam por permitir a continuação das obras.
Em 1945 o SPN é refundado no Secretariado Nacional da Informação. Francisco Lage que até então era o “sub-chefe dos serviços exteriores do gabinete técnico” passa a ocupar o cargo de chefe da 3ª Secção (etnografia, exposições, cinema, teatro e música) da 3ª Repartição (cultura popular) e por inerência, com responsabilidades na organização e instalação do acervo do SNI no edifício do MAP. Nesta nova função vai ele próprio prosseguir os seus planos para a instalação do que ele chamava de “Museu do Povo Português”. Começa a compilar mapas regionais de dialectos e de flora local para serem depois convertidos em mapas e esquemas parietais por Tomás de Melo. Nos anos de 1946, 47 e 48 vai contactar com uma série de individualidades académicas portugueses convidando-as a colaborar com textos e informações para o museu. A.A. Mendes Correia, Manuel Paiva Boléo, Sebastião Pessanha, Guilherme Felgueiras, Luís Chaves, Padre António Mourinho, Joaquim Santos Júnior, António Santos Graça, são apenas algumas dessas individualidades. No entanto não encontrei nenhuma resposta a Francisco Lage, por outro lado, os mapas regionais com que Lage contava também não chegam a ser feitos, limitando-se cada sala a um único mapa regional. À medida que a data de inauguração se aproxima em 1948, Tomás de Melo vai progressivamente ocupando a direcção da instalação do acervo bem como da disposição final dos objectos. Francisco Lage fica apenas responsável pelos contactos com os artífices locais e pela aquisição de novos objectos. Um último trabalho antes da inauguração será a contratação de um empreiteiro de Olhão que no fim-de-semana antes de inauguração constrói no museu as quatro chaminés algarvias. Após a inauguração, Lage assume por inerência o cargo de director do museu e poucos dias depois propõe, por escrito, a António Ferro um ambicioso plano de ampliação e melhoramento do MAP consistindo prioritariamente na electrificação do edifício e na sua necessária ampliação para os dois pavilhões anexos constituindo os muito necessários gabinetes técnicos, espaços de reservas, sala de exposições temporárias e auditório. Lage termina essa carta relembrando a Ferro que tal como está, o museu “não era um museu mas apenas uma montra”. Do pedido de Francisco Lage só a electrificação é considerada, contudo com a saída de António Ferro e os baixos orçamentos do SNI o processo vai-se arrastar por quatro anos. Os pavilhões anexos serão consecutivamente reclamados por Francisco Lage mas, se por um lado não havia cabimento orçamental no SNI para as obras necessárias, por outro eles eram bastante convenientes como armazéns e oficinas do material expositivo, como guarda-roupa do grupo verde-gaio e como pavilhões polivalentes para exposições temporárias. Francisco Lage morre inesperadamente em 1957 e durante boa parte desse ano o museu fica sem director. Na mesma altura tomava posse como novo Secretário Nacional César Moreira Baptista. O SNI é então remodelado passando a focar-se muito mais na propaganda turística e não tanto na chamada cultura popular. O MAP deixa de estar dependente da 3ª secção da 3ª repartição para a passar a responder directamente ao Secretário Nacional. Moreira Baptista acaba por escolher Manuel de Melo Correia, chefe da “brigada de decoradores” das pousadas nacionais e exímio conhecedor dos antiquários portugueses, como director interino do MAP. Melo Correia é desafiado por Moreira Baptista para melhorar o museu, criando condições para a montagem de exposições temporárias, aumentar o seu acervo e transformar o museu numa “varanda sobre Portugal”. A tarefa não vai ser fácil para Melo Correia que quando chega ao museu se depara com um quadro de funcionários desmotivados e objectos em avançado estado de degradação (Lage encomendava regularmente doces regionais feitos sem açúcar e pães para exposição). No seu primeiro ofício enquanto director, escreve: O que ali foi um dia colocado, manteve-se até agora, carinhosamente conservado. Mas o que esse carinho e dedicação não podem evitar, por maiores que sejam, são os terríveis resultados da acção do tempo: peças e objectos na sua maioria executados em matérias frágeis e humildes, vivos apenas pela graça da sua espontaneidade e da sua enternecedora ingenuidade, não resistiram todos estes anos à acção corrosiva da luz, do clima, da poeira e de tantos outros inimigos coligados para a sua destruição: os papéis de cores encontram-se desbotados; os metálicos enegrecidos; as penas desfrisadas e roídas; enfim um conjunto confrangedor de coisas que, vivendo exclusivamente da sua frescura, da sua cor e da sua graça, tudo já perderam por completo.
Acima de tudo faltava um profissional, um conservador que estivesse sempre presente no museu, pois até então tanto Francisco Lage como Melo Correia tinham os seus gabinetes na sede do SNI, no palácio Foz nos Restauradores. A escolha vai recair em Maria Madalena Cagigal e Silva com quem Melo Correia já tinha trabalhado em Leiria e Alcobaça nas recepções feitas durante a visita de Isabel II. É pois sobre os ombros de Cagigal e Silva que vai recair a responsabilidade de renovar o museu. Não será uma tarefa fácil para uma mulher que terá de se impor perante um quadro de funcionários maioritariamente composto por guardas vindos da legião portuguesa sem o ensino primário completo. Apenas com a intervenção directa do Secretário Nacional irão os guardas passar a assinar o ponto, a vestir o fardamento designado e a deixar de fumar nas salas de exposição. Só depois pode então fazer um relatório sobres as necessidade imediatas e futuras do MAP: Primeiro a revisão de todos os objectos e substituição ou restauro dos mais degradados, ao mesmo tempo que se revia a disposição das salas. Essas alterações implicavam também a substituição dos painéis de madeira com as indicações das feiras e mercados, a renovação dos painéis fotográficos e por fim a criação de “placas indicativas” (hoje diríamos “legendas”) que eram escassas e em cartolina. A longo prazo, Cagigal e Silva propunha o inventário das colecções sala a sala com a publicação simultânea dos catálogos respectivos; exigia a criação de novos espaços de trabalho até então inexistentes como gabinetes técnicos e uma biblioteca – arquivo; e o ajardinamento definitivo da área envolvente, a qual dependia já então da Administração do Porto de Lisboa. Por fim, estabelecia também um primeiro programa de animação para o recinto exterior do museu com peças de teatro popular e exibições do verde-gaio.
Moreira Baptista a tudo anuiu e em 1959 iniciou-se um período de obras pontuais em todas as salas que só iriam terminar em 1969. Primeiro com a construção dos novos gabinetes e biblioteca e depois com o arranjo e substituição dos tectos falsos de todas as salas bem como os arranjos pontuais do telhado e dos caixilhos das janelas. De facto, a situação na altura era grave como se pode depreender por esta passagem de um ofício de Madalena Cagigal e Silva de 1960: Conforme o meu pedido deste inverno, é da maior urgência a substituição dos tectos do museu. Caiu parte do tecto da sala das beiras, caiu parte do tecto do pátio entre a sala de Trás-os-Montes e a sala do Algarve, tecto este que que continuará a cair. Além deste, grande parte dos tectos do museu não oferece segurança alguma e os desabamentos suceder-se-ão enquanto um trabalho completo não for realizado. Sabemos que o museu está condenado pelo plano de urbanização da Praça da Império, mas enquanto a sua demolição não se realizar, é da maior utilidade, tanto sob o ponto de vista cultural, como de propaganda para o país, mantê-lo aberto ao público. Propomos, por isso, nele sejam realizadas as necessárias reparações para se evitarem desgostos com perdas de obras de arte que podem vir a ser insubstituíveis e principalmente, com desastres pessoais, tanto dos visitantes como do pessoal do museu. Tal como se encontram, os tectos do museu constituem uma ameaça para todos os quantos o frequentarem.
Efectivamente o plano de urbanização da Praça do Império, da responsabilidade do
Arq. Cristino da Silva, propunha a demolição do conjunto do edifícios do MAP e do espelho de água e só no final de 1962 é que o Ministro das obras públicas autorizou “reparações pontuais” indicando no despacho que era tempo do SNI procurar um novo edifício para o museu. Essas reparações pontuais não vão resolver definitivamente os problemas das infiltrações e com o terramoto de 1969 o edifício chega a abrir fissuras nas paredes exteriores. Madalena Cagigal e Silva ficará no MAP até 1969, ano em que é nomeada Directora do Museu dos Coches. Durante esse tempo conseguiu criar a biblioteca e um arquivo tendo catalogado as peças então existentes nas salas do Minho, Trás-os-montes e Algarve. Os catálogos nunca foram escritos, tendo encontrado apenas uma maqueta da capa e da introdução do primeiro volume. Neste período o museu ganha alguma projecção exterior, primeiro com o artigo muito elogioso do museólogo americano Albert Parr na revista Curator (cuja cópia é enviada ao senhor Presidente do Concelho) e depois com a inscrição do MAP no ICOM. O acesso a esta organização vai permitir a participação da conservadora numa série de encontros internacionais, bem como ao estabelecimento de troca de correspondência e publicações com museus europeus e americanos. Destes contactos o museu irá abrir as suas portas, em 1966, 67 e 68 à presença de estudantes e estagiárias brasileiras e francesas. O lugar de Madalena Cagigal e Silva é prontamente ocupado por Maria Helena Coimbra, com quem Manuel de Melo Correia já tinha trabalhado em exposições temporárias no Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha. Dos textos e ofícios escritos por Helena Coimbra retenho principalmente a preocupação sempre presente de humanizar o museu e melhorar o contacto com os públicos, reforçando as componentes pedagógica e científica.
Fazendo referência a Georges Henri Rivière e Ernesto Veiga de Oliveira, chega a propor num ofício a alteração de todo o discurso expositivo, baseando-se no sistema expositivo das cadeias operatórias, então usado na grande referência dos museus de etnografia o Museu das Artes e Tradições Populares de Paris. Mas as limitações orçamentais da já então Secretaria de Estado da Informação e Turismo e os problemas estruturais que a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais demorava a reparar, impediram a prossecução de tal projecto. Até 1974, Maria Helena Coimbra limitou-se a gerir o possível: Orçamentos cada vez mais curtos que limitavam até a limpeza das salas, tectos que continuavam a cair devido às infiltrações no telhado e um número de guardas cada vez menor para as salas do museu.
Com o 25 de Abril o MAP mantém-se inicialmente na alçada da Secretaria de Estado (depois Ministério) da comunicação social. Melo Correia reforma-se nesse ano e Helena
Coimbra assume a direcção. A sua prioridade é manter o museu de portas abertas e mais ainda, fazer chegar o museu a um maior público. Participando em acções de formação na Fundação Gulbenkian e com o apoio de um grupo de professoras do ensino secundário, vai estabelecer um projecto para a organização de um serviço educativo e a constituição de um grupo de monitores que não se limitava a receber alunos no museu, antes funcionava como uma extensão do museu para o exterior em escolas, lares, hospitais e até prisões. Em 1975 o museu encerra para obras profundas, incluindo a substituição da rede eléctrica e revisão geral dos telhados e tectos falsos. Enquanto as obras decorrem o museu é transferido para a Direcção Geral do Património Cultural.
Em 1977, com o museu ainda encerrado, Maria Helena Coimbra propõe à tutela a execução de uma exposição sobre louça popular das Caldas da Rainha que seria feita em paralelo com a exposição retrospectiva de faiança das Caldas, a realizar no Museu Nacional de Arte Antiga. Para esta exposição, Helena Coimbra organiza uma verdadeira campanha de recolha e de investigação pelas aldeias em redor das Caldas da Rainha. É feito um levantamento das olarias existentes, entrevistam-se os oleiros, fazem-se fichas fotográficas de peças e locais, compram-se peças e recolhem-se ferramentas e oficinas inteiras. No projecto da Conservadora tal exposição seria apenas a primeira de uma série de exposições sobre olaria tradicional português, a que culminariam numa grande exposição nacional a realizar num MAP completamente renovado.
No entanto a exposição nunca chegou a efectuar-se. Em 1978, com as peças seleccionadas já em Lisboa, a conclusão das obras nas primeiras salas tarda. Embora a sala do Minho já esteja terminada a DGEMN não tem orçamento para a instalação das novas calhas de iluminação nem para os novos projectores. O MAP acaba por não abrir a tempo para a exposição do MNAA, embora os jornais noticiem que iria abrir em breve. A exposição iria ser sucessivamente adiada e o financiamento para a publicação do catálogo, prometido pelo fundo de fomento cultural, acaba também por nunca aparecer. Maria Helena Coimbra vai afastar-se do MAP em 1979, acompanhando o marido como bolseira de investigação nos Estados Unidos. Em seu lugar e acompanhando o enquadramento do MAP no novo IPPC, fica Elisabeth Cabral, técnica superior do Museu Nacional de Arqueologia, transferida naquele ano para o MAP para apoiar a montagem e reabertura das salas.
Elisabeth Cabral vai prosseguir o projecto dos serviços educativos, ao mesmo tempo
que conta poder ampliar o museu recorrendo ao espaço da Galeria de Arte Moderna, destruída por um incêndio em 1981 e libertar os jardins e espaços contíguos ocupados abusivamente pelo Mercado do Povo desde 1974. Em 1985 apresenta à direcção do IPPC um anteprojecto para aqueles espaços. Previa-se: uma sala de exposições temporárias de 750m2, um auditório de 200 lugares, uma cafetaria, biblioteca pública, laboratório de restauro, laboratório de fotografia, carpintaria, refeitório, sala de reservas, salas para actividades dos serviços educativos e 15 gabinetes de trabalho sem contar com os espaços reservados para a Associação dos Amigos dos Moinhos e para a APOM que então tinham o museu como morada institucional.
Mas este projecto de ocupação da Galeria de Arte Moderna vai colidir com as intenções da Secretaria de Estado da Cultura de ali criar um “Centro Nacional de Artesanato”.
As limitações orçamentais e os interesses antagónicos vão arrastar o projecto de recuperação da galeria. Em 1985, o MAP voltava a acusar problemas com infiltrações sucessivas das chuvas e Elisabeth Cabral passa a reclamar a dotação das verbas necessárias para obras de conservação, nomeadamente na ala dos gabinetes, o único espaço que não tinha sido intervencionado na década de 70. Só em 1989 é que o museu encerra por seis meses para reparações pontuais.
É também em 1989, devido a uma restruturação do IPPC com a concentração dos serviços e colecções de etnologia no Museu Nacional de Etnologia, que o MAP é extinto. O edifício passa a albergar o Núcleo de Arte Popular do MNE. Na prática, pouco muda, dado que o quadro técnico do Museu de Etnologia não tinha transitado do Instituto de Investigação Científica e Tropical, Elisabeth Cabral acaba por assumir a direcção do MNE e os restantes funcionários mantiveram-se nos seus locais de trabalho.
Este período acaba por ser de curta duração já que o Secretário de Estado seguinte,
Pedro Santana Lopes, defende publicamente a autonomia do MAP, o que acaba por acontecer em 1994. Pouco tempo depois, o museu voltaria a encerrar para obras de remodelação, dotando-o de uma sala de exposições temporárias e de novos gabinetes de trabalho. Deste modo o MAP vai-se manter aberto apresentando exposições temporárias todos os anos.
Contudo, os problemas estruturais do edifício não foram devidamente corrigidos e vão-se agravando com o tempo, apesar dos avisos sucessivos da directora. Em 1999, o tecto da sala do Algarve cede com o peso da água das chuvas acumulada, o que leva ao encerramento da exposição permanente e à consequente decisão por parte do IPM da necessidade de um projecto de recuperação profunda do edifício. Devido à sua complexidade, o planeamento e as obras vão-se prolongar por quase uma década até que em 2006 a Ministra da Cultura opta por uma nova utilização do edifício.
A história continua. Presentemente o novo MAP procura encontrar o seu significado, a sua nova função social. As opções tomadas na sua construção, privilegiando uma visão estética e sedutora em detrimento de uma visão científica, bem como uma completa ausência de serviços técnicos e de espaços de trabalho e reserva, limitaram severamente a actuação das suas direcções e foram uma das causas do seu encerramento. Mas o novo MAP existe hoje também por causa dessas opções originais. É uma situação ambígua: O MAP nunca será o museu desejado por Francisco Lage, mas também não poderá ser apenas a “montra” desenhada por Tomás de Melo.