Subscrever Newsletter
 
Fundação António Quadros
Poemas Imprimir e-mail

 Autores 
Poemas
A Sombra de um Salgueiro
Alegria
Alma, Sonho Poesia
Amo as palavras
Antero
Aroma, Essência, Pólen, Harmonia...
Asa no Espaço
Até que um dia...
Canta. Busca na vida o que é perfeito
Casa Velha
Difícil Alquimia
Educação Sexual
Eu!
Já não vivo, só penso
Mais um dia perdido
Meditação
Menina Perdida
Mulher Perdida
O Saco de Retalhos
O Segredo é Amar
Pássaro Azul
Primavera
Primeira Hora
Quando te dói a alma
Rasga o peito
Se tudo quanto existe
Sei enfim o que aconteceu
Solidão
Um grande amor
Uma tardia, triste Primavera
Urgente

Primeira Hora

O ano desfolhou-se, dia a dia,
como uma flor cortada, um girassol,
e dia a dia a sua voz calou-se
como velha cansada melodia
de velho rouxinol.

Ontem, à meia-noite, a minha rua
abriu de par em par as portas, as janelas,
e deitou fora o lixo, as coisas velhas:
cacos, farrapos, latas e panelas.

Era a Primeira Hora
do ano que chegava.
- E eu? - pensei - Que posso deitar fora?
Que poderemos todos deitar fora?

Ai, Senhor, tanta coisa!
Nem cacos, nem farrapos,
nem latas velhas nem trapos
mas tanta dor,
Senhor,
mal empregada!
Tantos gestos errados,
as pequenas traições,
os pequenos pecados.
As calúnias subtis,
as flores venenosas
da alma envenenada,
e a cicatriz
da culpa inconfessada,
e as palavras que ferem como gumes
de afiadas adagas.

Ressentimentos, azedumes
que Te fazem sangrar as Cinco Chagas.
As larvas dos ciúmes
e as cobras rastejantes
dos pensamentos impuros.
Egoísmos sem fim
e os altos muros
das torres de marfim.
Descrença,
indiferença,
despeitos recalcados,
amassados com ódio, com rancor,
e o amargo sabor
da solidão.

Ah, Senhor, nesta hora de perdão,
nesta Primeira Hora,
quantas coisas podemos deitar fora!

Fernanda de Castro, in «70 anos de Poesia», 1989