Um grande amor
Um grande amor não cabe em nenhum verso, como a vida não cabe num jardim, como não cabe Deus no Universo nem o meu coração dentro de mim. A noite é mais pequena do que o luar, e é mais vasto o perfume do que a flor. É a onda mais alta do que o mar. Não cabe em nenhum verso um grande amor. Dizer em verso aquilo que se pensa, ideia de poeta, ideia louca. Não é bastante a frase mais extensa, diz mais o beijo do que diz a boca. Ninguém deve contar o seu segredo. Versos de amor, só se os fizer assim: como os pássaros cantam no arvoredo, como as flores se beijam no jardim. Que verso incomparável, infinito, feito de sol, de misterioso brilho, poderia dizer o que, num grito, diz a mulher quando lhe nasce um filho? E quando sobre nós desce a tristeza, como desce a penumbra sobre o dia, uma lágrima triste e sem beleza, diz mais do que a palavra nua e fria. Redondilha de amor... Para fazê-la, desse-me Deus a tinta do luar, a candeia suspensa de uma estrela e o tinteiro vastíssimo do mar. Fernanda de Castro, in «Jardim», 1928
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