Aroma, Essência, Pólen, Harmonia…
Eu que só gosto de vestidos velhos, de velhas casas com paredes tortas, de poeiras ancestrais, de cinzas mortas, de desbotados rosas e vermelhos; eu que só gosto de velhos quintais com ásperas roseiras mal regadas; de cortinas de rendas, passajadas por velhos dedos com velhos dedais; eu que só gosto de velhas gavetas, de velhas malas com cetins puídos, sedas, fitas, perfumes esquecidos, leques, missais, raminhos de violetas; eu que só quero o que ninguém cobiça, oiros de sol e pratas de nevoeiros, filigranas de flores nos canteiros, folhas soltas que o vento desperdiça, espuma de marés, conchas vazias, cintilações de estrelas, céus distantes, gotas de orvalho – frescos diamantes, canções de búzios – verdes melodias; eu que só peço a Deus o que sobeja de humanas ambições e vãs partilhas, continentes de luar, sonhadas ilhas, nuvens de fumo que ninguém deseja; eu que só quero a rude sinfonia do vento à solta, e os dedos de veludo da chuva nos beirais da minha rua, aroma, essência, pólen, harmonia, eu, que não quero nada, quero tudo: quero a Poesia. Fernanda de Castro, in «Exílio», 1952
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