De Isabel Jonet

PRÉMIO ANTÓNIO QUADROS, por Isabel Jonet.

 

Começo por agradecer à Fundação António Quadros a atribuição deste Prémio António Quadros que me honra e comove. Saúdo a presidente da Fundação, Mafalda Ferro, o Presidente do Júri, os familiares e todos os presentes. Cumprimento a Presidente da Câmara de Rio Maior que, com visão, soube acolher esta obra que preserva a memória de portugueses ímpares que deixaram na sociedade portuguesa mais do que boas memórias, cunhando destinos, legando escritos num acervo de enorme riqueza.

 

Instituído pela Fundação com o objectivo de homenagear vida e a obra de pessoas extraordinárias como António Quadros e os seus pais  e também de forma a distinguir, encorajar e divulgar o pensamento português nas suas múltiplas expressões e géneros, tenho o grato privilégio de receber hoje o Premio António Quadros, numa homenagem ao empreendedorismo, que, no meu caso particular, tem incidido na área social.

 

Há coincidências extraordinárias: a vida cruzou-me já antes com esta família através de um belga que foi acolhido em casa de António Ferro, durante a 2ª Grande Guerra, dormindo no seu escritório e guardando lembranças que contou com emoção. Pierre Jean Goemare, partilhou connosco uma gratidão que transbordou os Ferro e se estendeu a todos os portugueses num período que marcou a sua vida de forma indelével. E este gesto de abrir as portas de sua casa, acolhendo, encontra hoje uma identidade que me provoca uma reflexão.

 

Afinal terá o mundo mudado assim tanto?

 

Não resisto aqui a citar a Política do Espírito de António Ferro: “Um povo que não vê, que não lê, que não ouve, que não vibra, que não sai da sua vida material, do dever e do haver, torna-se um povo inútil e mal-humorado.”

 

Afinal terá o povo português mudado assim tanto?

 

Tenho dedicado os últimos 25 anos da minha vida à luta contra a pobreza e a exclusão social no Banco Alimentar, com a certeza de que nem só de pão vive o homem. É certo de que dispor de alimentação condigna é basilar para sustentar a mudança que só pode advir com mais educação, mais cultura, porque, sendo a primeira das necessidades primárias e básicas, não estando colmatada impede o desenvolvimento de qualquer ser humano. Mas por si só não basta. Com a inquietação de ver desperdiçados bens por razões meramente logísticas e comerciais, desperdiçando seres que não conseguem atingir o seu potencial, preocupados que estão com a satisfação da necessidade mais básica de todas.

 

Digo amiúde que pessoas desassossegadas não têm vidas sossegadas.

 

E este desassossego impeliu-me a procurar um modelo de gestão que permitiu dar mais corpo e replicar uma ideia que hoje alimenta quase 4% da população portuguesa e estruturar outras respostas na área social, como a ENTRAJUDA, com o Banco de Bens e Equipamentos, a Bolsa do Voluntariado, ou propor uma Educação para a Cidadania dos mais jovens, constatando que sem ela não podemos construir uma sociedade justa, equitativa, solidária, cordata, respeitadora, tolerante, capaz de apreciar a beleza e a natureza.

 

Contagiando pessoas que se deixam tocar porque acreditam que, como nas palavras de António Quadros, “Esse mundo melhor, é o mundo em que vivemos”, no qual, e cito de novo, “A manhã  renasce em todos os momentos”.

 

Acredito que, com sentido crítico, podemos construir, desde que tenhamos a capacidade de empreender, compreendendo. Para tal é imprescindível refletir e ousar propor soluções diferentes para problemas que temos de querer ver com lucidez. Não nos conformando em ser apenas passageiros de uma vida que nos leva, ou deixando-nos levar, sem ver, sem ouvir, lendo pouco e apenas o que nos mostram e que de imediato se vai com a espuma dos dias, não vibrando, confortavelmente instalados numa vida onde apenas o material conta, sem dela ousar sair.

 

Volto a agradecer esta distinção que partilho com todos quantos têm caminhado comigo, que me têm permitido trilhar este caminho, acreditando que podem fazer algo mais da sua passagem por esta vida terrena, acreditando que depois dela há algo mais. Ou citando Fernanda de Castro

 

Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada e mais nada?

 

Obrigada.