Biografia

Em "RETRATO DE UMA FAMÍLIA – Fernanda de Castro, António Ferro, António Quadros". Lisboa: Círculo de Leitores e Autoras, Outubro de 1999.

Autoras: Mafalda Ferro; Rita Ferro – Ambas filhas de António Quadros e netas de Fernanda de Castro e António Ferro, são co-autoras na organização, concepção e pesquisa documental, fotográfica e literária.

Texto revisto, aumentado e actualizado por Mafalda Ferro, publicado no Sítio da Fundação António Quadros – Cultura e Pensamento, com o acordo das autoras e do Círculo de Leitores.

A documentação consultada, propriedade da Fundação António Quadros, foi coligida, organizada e classificada por Mafalda Ferro.

Depósito Legal 140 125/99

ISBN 972-42-1910-0


1895-1916  
António Ferro nasce a 17 de Agosto de 1895, de uma família simples e pacata da pequena burguesia, num terceiro andar do nº 237 da Rua da Madalena, em Lisboa. Especifica-se, porque a casa é célebre: foi uma das mais altas fogueira de Lisboa, ardendo inteira no famoso «fogo da Madalena».

António Ferro, salvo por um bombeiro aos 11 anos de idade - assim como a mãe, o pai, os irmãos Umbelina e Pedro, uma velha tia  e ainda uma avó  imobilizada que o irmão trouxera em peso, do quarto de cama até à varanda -, lembra-o com pavor, vinte anos depois, no nº 180 de O Notícias Ilustrado: …Milagre! Obrigado, meu Deus! A escada chegou, finalmente, no corrimão da nossa varanda, e um bombeiro saltou… Estaríamos salvos? Não havia tempo a perder… Era preciso abordar a grande escada, a escada que faria a reputação de um acrobata e que nos parecia, naquele momento, tão fácil de descer…

E acrescenta: Ainda hoje não posso ver uma bomba nem uma sineta de alarme sem correr para casa no primeiro táxi com a suspeita, suspeita infantil, por vezes, de que o incêndio anunciado que ilumina a cidade é no prédio em que habito…

É o mais novo dos irmãos e cresce sem outros sobressaltos graves no seio de uma família numerosa.  

O pai, António Joaquim Ferro, alentejano de Baleizão, era comerciante; a mãe, Maria Helena Tavares Afonso Ferro, provinha de uma família algarvia. Um tio do lado materno, Pedro Tavares, oficial do exército, publicara alguns livros da sua lavra: Estudos Histórico-Militares (1892), e também romances, como Margarida (1900) ou Regenerada (1905).

Segundo deixou escrito, viveu a infância na primeira idade do cinema, na idade das fitas vertiginosas, atarantadas, impossíveis de conceber ao ‘ralenti’. Nada, pois,  lhe dava mais satisfação do que ir com o pai ao Music-Hall da Avenida, «onde é hoje o Éden», e ao Salão Chiado no edifício dos Grandes Armazéns - os dois primeiros grandes cinemas de Lisboa, dignos desse nome.  

O gosto pela leitura começou com Júlio Verne e o da escrita numa idade em que ainda vestia bibe: Fazia romances em papel almaço, romances distribuídos a fascículos pela família, com ilustrações de lápis de cores…

Depois do incêndio, a família é obrigada a mudar-se para uma nova casa na rua dos Anjos.

António Ferro é uma criança indolente e reservada, bem integrada nos grupos e sem problemas escolares. Em pequeno, acompanha o pai aos comícios republicanos, pelo que se pensa que virá desta época o seu fascínio pelas hostes políticas e pela oratória. E não só: defronte de sua casa havia um barbeiro que, segundo ele, era um verdadeiro centro político republicano: Passava aí a maior parte dos meus dias, não perdendo uma palavra do que ouvia - entre republicanos exaltados, apóstolos sinceros, verdadeiros fanáticos, homens que falavam da República, como se a República tivesse forma humana..». Conheceu nessa barbearia o grupo que, ironizando, chamou a colecção de bilhetes postais da propaganda: João de Meneses, Alexandre Braga, Fernandes Costa, Heliodoro Salgado, Afonso Costa e ainda o grande António José de Almeida, com quem manteve, na infância, uma singular relação: Gostava de conversar comigo e gostava de me ouvir. Achava graça àquele rapazinho que papagueava os seus discursos, o ‘menino prodígio» que repetia, conscienciosamente, para quem o queria ouvir, os seus argumentos e as suas frases…. A admiração que nutria pelo médico-tribuno era tão grande que um dia, caindo à cama com uma angina de certa gravidade, convenceu o pai a chamá-lo para o tratar pessoalmente. E é ainda na histórica barbearia que persuade o grande orador a escrever um depoimento para o seu jornalinho escolar, pomposamente intitulado «República». Foi, segundo deixou escrito, um dos dias mais felizes da sua vida: E com o meu lápis de colegial, numa folha de papel que eu lhe estendi, timidamente, António José de Almeida, futuro director da «República», futuro presidente da «República», escreveu um artigo de fundo (um grande período chegava para encher uma coluna), para a minha Republicazinha, para a minha Andorra…  

Ingénua ou promissora, é a primeira «grande entrevista» de António Ferro.

A partir de 1910, ainda estudante na Escola Francesa, e mais tarde, como aluno do Liceu Camões, colabora em comissões de festas liceais com Augusto Cunha, onde diz, ou se dizem, versos seus, e onde também, esporadicamente, representa peças teatrais.

Em 1911, aluno do Liceu Camões, é, embora cinco anos mais novo, colega e amigo de Mário de Sá-Carneiro. O poeta confia-lhe dois dos seus primeiros poemas, Quadras para a Desconhecida e A Um Suicida, ambos dedicados a Tomás Cabreira Júnior, com quem escrevera a peça Amizade e que se suicidara com um tiro, nas escadas do liceu, aos 16 anos de idade.

Em 1912, em colaboração com Augusto Cunha, seu futuro cunhado, publica Missal de Trovas, livro constituído por quadras ao gosto popular dedicadas a Augusto Gil e a Fausto Guedes Teixeira, que, numa edição de 1914, seriam acompanhadas de apreciações afectuosas de Fernando Pessoa, João de Barros, Mário de Sá-Carneiro, Afonso Lopes Vieira e Augusto Gil, entre outros.  

De 1913 a 1918, frequenta o curso de Direito na Universidade de Lisboa. Nesta idade, António Ferro, de aparência sossegada, pesada e pachorrenta, já demonstra o fôlego e a energia que o acompanharão toda a vida. Mobilizador de vontades e aglutinador de grupos, é voz activa e estimulante em tudo o que implique acção e organização.  

É também a época de convívio intenso com Sá-Carneiro, Pessoa, Alfredo Guizado e Almada Negreiros, entre outros - uma rede de amigos que viria a revelar-se determinante para a sua projecção no campo literário. A seu convite, recebe-os frequentemente em casa dos pais para discutir livros e ideias até altas horas da noite - são os primeiros passos de conspiração para um modernismo de afronta aos velhos valores instituídos da tradição e do conformismo da vida literária portuguesa.  

É pelo testemunho de alguns escritores que se tem notícia da sua actividade literária desta época. Sabe-se que escreve textos para teatro e muita poesia, que lamentavelmente se perderam, talvez no incêndio de sua casa. Escreve Pessoa no seu diário, com data de 30.03.1913: «Das 2 e ¼ às 4 e ½ em casa de António Ferro a ouvir-lhe três peças. - Leu duas. - Depois, para a Baixa com ele.»  

Corresponde-se muito com Sá-Carneiro, então em Paris, numa ansiosa traficância de versos e apreciações. Numa dessas cartas, publicada no Diário Popular (24-1-1914), Sá-Carneiro considera um dos seus sonetos «lindo, lindo, impecável».  

Num poema que se publicará décadas mais tarde, no seu livro «Saudades de Mim», esboça um auto-retrato desta época:

Um rapaz com vinte anos,

olhos brilhantes,

magro,

com todos os sonhos ainda por viver

à flor da pele…

Sincero

na sua insinceridade,

no seu artifício,

dizendo frases,

para espantar os outros

e se espantar a si próprio,

como se a inteligência

fosse um brinquedo

que Deus lhe tivesse dado…

(…)

O seu próprio gesto inseguro,

aquela audácia tímida,

aquele desafio constante

à sua alma reservada…

Em Março de 1915, sai o primeiro número daquela que foi a efémera mas decisiva revista que implantou a bandeira do futurismo em Portugal: a Orpheu. No primeiro número, os directores são Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, e, no segundo, já figuram como directores Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro – correspondendo o nº 1 ao trimestre de Janeiro a Março e o nº 2 ao de Abril a Junho.  

Drástica, exuberante e provocadora por intenção, é o órgão mais visível do modernismo literário português. Nela figuram entre os seus fundadores, além dos já citados, Almada Negreiros, José Pacheco, Armando Côrtes-Rodrigues (Violante de Cisneiros), Raul Leal (Henoch), Alfredo Guizado e Eduardo Guimarães.   

António Ferro é o mais novo do grupo. Em ambos os números (os únicos publicados) o editor é ele já que, segundo Alfredo Guisado, era o único menor de 21 anos e, «se surgisse qualquer complicação, a sua responsabilidade não teria consequências». (In Autores, Novembro de 1960.)

António Quadros, num artigo para o Diário de Notícias (14.11.1957), ilumina esta fase já longínqua de seu pai: «Em pleno centro de Lisboa, no Rossio, surgiu há pouco tempo remodelado o velho restaurante «Irmãos Unidos», onde o grupo costumava reunir-se, pois o poeta Alfredo Guisado era filho do proprietário.»  


1917-1923
António Ferro profere no Salão Olímpia, na tarde de 1 de Junho, a conferência As Grandes Trágicas do Silêncio. Dedicada às três maiores artistas italianas do cinema mudo, Francesca Bertini,  Pina Menichelli e Lydia Borelli, é a sua primeira conferência e  também um marco histórico:  a primeira palestra pronunciada em Portugal sobre cinema. É publicada no mesmo ano, em edição de autor.  

Mas a transferência do seu discurso urgente, criativo e exaltado para a escrita não o poupou à crítica dos mais convencionais; pagava o preço de um estilo à frente da sua época, demasiado arrojado e provocatório. Escreveria sobre este livro um crítico não identificado n’A Capital (5.6.1917): «Foi muito aplaudido. Nós só desejamos que esses aplausos o tivessem encorajado a novos trabalhos desse género, mas em que não transpareça tanto a pretensão da originalidade exagerada e escandalosa, porque se, desta vez, quase se salvou, em outras pode perder o equilíbrio e cair no disparate.» Mas, se uns o depreciavam, outros aplaudiam-no, reconhecendo nele qualidades excepcionais. Alfredo de Carvalho comenta no diário A Luta (19-1-1919): «António Ferro, levantando as imagens das 3 actrizes, ferindo-as com a luz jorrante das suas frases, revela-se um prosador de vastos recurso e um impressionista pouco vulgar.».

Lembramos que, à data, o autor contava apenas 22 anos.

António Ferro continua a frequentar a Faculdade de Direito de Lisboa, onde é contemporâneo de Augusto Cunha, Azeredo Perdigão e Bustorff Silva.  

Em 1918 publica O Ritmo da Paisagem, palavras para um poema sinfónico do maestro Venceslau Pinto. A crítica acolhe-o sem indulgências, e António Ferro é «pateado» por uma opinião ferozmente ortodoxa, como a de Mário Sampaio Ribeiro, na Ordem (22.1.1918): «A súmula do incompreensível libreto do Sr. Ferro – incompreensível não só pelas ideias como também pela péssima sintaxe.»

As opiniões a seu respeito dividem-se, mas não é ignorado.   

Publicamente admirador de Sidónio Pais, por quem se deixa inflamar desde o primeiro momento em que o avista, parte para Angola na categoria de oficial miliciano, onde é ajudante do governador-geral, o comandante Filomeno da Câmara, colaborador e amigo de Sidónio; assim, reconfirmando em Filomeno a ideia de chefe que sempre o galvanizara, e reconhecendo-lhe a mesma vontade renovadora, firma com ele uma sólida amizade que culmina com a sua nomeação, aos 23 anos, para Secretário-Geral do governo da província de Angola, de onde segue à distância a acção de Sidónio e onde recebe a perturbadora notícia do seu assassinato.

Filomeno da Câmara, a quem fora apresentado por um amigo comum, Alberto Osório de Castro, escreveria sobre ele: «Poucos meses durou a aventura, os bastantes, ainda assim, para cimentarem a nossa amizade e para exercerem uma influência decisiva na carreira literária do moço poeta que, até ali, não encontrava saída do labirinto das mesas do café Martinho onde bebia, com um café detestável, uma inspiração ainda mais detestável».  

Mas não seria esta comissão em África, nem tão-pouco o seu posto precoce,  que o impediriam de seguir o seu caminho.  A amizade com Filomeno da Câmara não o fechara em si ou no funcionalismo para que fora designado; antes lhe dera o impulso que procurava para perseguir os seus ideais.

Regressando a Lisboa, dedica-se de alma e coração ao jornalismo, paixão que, mais tarde, o leva a abandonar os estudos de Direito.

Neste ano, a convite de João Tamagnini, toma a direcção de O Jornal, órgão do partido republicano conservador, onde um conjunto de 20 artigos já indicia o seu gosto por análises políticas.

Em 1920 é  redactor de O Século, sendo nesta época que publica o livro de poemas Árvore de Natal. Mas é a Teoria da Indiferença, do mesmo ano, escrita aos 25 anos e dedicada «À minha geração para que me deixe só», que o lança como escritor, provocando escândalo alguns dos seus paradoxos e observações ousadas como estas:
 
«Beijar de joelhos um corpo de mulher é ser cristão.»

Ou:

«Na mulher de hoje, como na arte de hoje, o corpo é o simples pretexto do vestido.»

Ou ainda:  

«Sei que Deus existe, porque já ouvi todas as sinfonias de Beethoven».

É neste livro que António Ferro escreve, no último aforismo: «Gostaria que a minha ‘Teoria da Indiferença’ fosse recebida com indiferença. O público ter-me-ia compreendido.»

O título, a dedicatória e o texto são provocatórios, e a crítica, uma vez mais, crispa-se com o autor: Artur Lopes, em A Opinião (30.3.1920), tenta reduzir a Teoria a este ponto: «Uma boa meia hora de leve e graciosa ironia.» Ou J. d’Alpains, em A República (1.4.1920): «O seu novo livro é uma crise de nervos, um cartaz anunciador que o artista compôs para si e para o público. Para satisfazer o autor pouco diremos dele, também não queremos deixar ao público a impressão dolorosa de que ele nos pagou para dizer bem…» Mas já João Ameal, por exemplo, no Primeiro de Janeiro (4.5.1920), na sua coluna «A Semana de Lisboa», vai mais longe na interpretação da sua psicologia literária: «Nesse ponto (a coerência da sua incoerência) este escritor é prodigioso, porque se renova admiravelmente, exibindo-nos sempre, na arrogância do seu narcisismo - que é também a consciência da sua superioridade - uma ‘cambrure’ inédita de espírito, num desdobrar incessante de palavras cromadas, esbeltas, melódicas, belas, sobretudo pelo estrídulo nervosismo do seu paradoxo»

A verdade é que, bem ou mal, numa idade em que estava longe de ser a figura pública em que se viria a tornar, já se falava de António Ferro sem indiferença.

Em 1920, realiza a sua primeira reportagem internacional de grande estilo, deslocando-se a Fiume para admirar pessoalmente a heroicidade de uma aventura que o empolga. Fiume, cidade situada no Adriático, colocada então no extremo limite do Império Austro-Húngaro, e que, pela sua especificidade, se achava muito mais ligada à Itália do que ao Império a que historicamente pertencia, é libertada pelo poeta Gabriel d’Annunzio que, numa manifestação onde se sente vibrar o espírito do movimento italiano futurista, avança sobre a cidade com meia dúzia de bravos voluntários, expulsa as forças aliadas, instala-se no Palácio do Governo e proclama Fiume cidade livre.

A 6 de Novembro profere, na Société Amicale Franco-Portugaise, a tão ousada e polémica conferência sobre Colette: «Em Portugal, Colette não seria possível. Todos os escrevinhadores, todos os aparos sujos da minha terra cairiam sobre ela acusando-a de imoral, de fútil, de extravagante!»

Em 1921, com capa de António Soares, publica Colette, Willy, Colette, que inclui a famosa conferência, precedida de um prólogo onde conta a sua visita em Paris à casa da célebre escritora francesa.

No auge da sua afirmação modernista e mesmo futurista, publica a perturbadora Leviana, que classifica como novela em fragmentos, confiando novamente a ilustração a António Soares e reincidindo na provocação:
 
«Que queres tu que eu faça das rosas que me mandaste? Posso esconder uma nos seios. As outras, porém, deito-as fora. Não tenho mais solitários…»  

Ou:

«Estreei hoje um vestido. Se o quiseres ver, estará amanhã exposto, toda a tarde, na matinée do Olimpia…»

E, na linha do Ultimatum, de Álvaro de Campos, e do Ultimatum Futurista, de Almada Negreiros, publica ainda o manifesto Nós, que mais tarde constituirá a contribuição portuguesa para o modernismo brasileiro, ao ser incluído na Klaxon (nº2), órgão da Semana de Arte Moderna, de São Paulo.

Considerado um dos poucos poetas futuristas portugueses, António Ferro recruta toda a sua coerência para esclarecer: Eu, que tenho demasiado amor à minha época para ser futurista, admiro os futuristos, admiro Marinetti, admiro todos aqueles que fogem à rotina, todos os criadores, todos os homens que plagiam Deus…

Em 1922, publica Gabriel d’Annunzio e Eu, reunindo as reportagens, entrevistas e conversas com o grande poeta italiano, por ocasião do espisódio de  Fiume.  

É crítico teatral do Diário de Lisboa e director da Ilustração Portuguesa, magazine ilustrado que durante duas décadas acompanhou a evolução da sociedade portuguesa, constituindo hoje um retrato delicioso dos costumes portugueses daquela época.

Convidando uma verdadeira plêiade de artistas e escritores modernos como Bernardo Marques, Jorge Barradas, Almada Negreiros, Cotinelli Telmo, Milly Possoz, Diogo de Macedo, Stuart Carvalhais, António Soares, José Pacheco, Eduardo Viana, Francisco Franco e Henrique Franco, entre outros, aproveita para avançar com a sua campanha de modernidade.  

Em Maio de 1922, dez meses passados, António Ferro parte para o Brasil, confiando a direcção provisória da Ilustração a João Ameal que, até ao fim do mês de Junho, respeitará a vocação da revista. Porém, a 1 de Julho, uma outra direcção resolve, de um dia para o outro, suprimir todos os colaboradores modernos, pelo que a revista deixa a pouco e pouco de se vender. Perante os resultados, a nova direcção vê-se obrigada, num ardiloso editorial, a arrepiar caminho para recuperar os leitores.    

Neste período, escreve a peça Mar Alto, que a Companhia de Lucília Simões e Erico Braga leva ao Brasil na sua digressão. Os dois actores convidam-no a acompanhá-los e a realizar, no Brasil, uma série de conferências.

No Brasil, casa por procuração com a poetisa Fernanda de Castro, também colaboradora do Diário de Lisboa, que logo a seguir se reúne a ele no Rio de Janeiro. Como testemunhas de procuração figuram Lucília Simões, e, pasme-se, o Almirante Gago Coutinho, que acabava de realizar a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

Mar Alto é estreado a 18 de Novembro em São Paulo, no Teatro Sant’Ana, com Lucília Simões no papel de Madalena, Erico Braga no de Luís, e Georgina Cordeiro no de José. O próprio António Ferro desempenha aqui o papel da personagem Henrique. No Rio de Janeiro, a peça é representada no Teatro Lírico, no dia 16 de Dezembro de 1922, encarregando-se do papel de Henrique o actor Mário Santos.

Profere em São Paulo as suas conferências A Idade do Jazz-Band e A Arte de Bem Morrer, fazendo nesta última «o elogio da morte», e narrando, com enfática admiração, alguns desfechos trágicos e redentores de personalidades tão díspares como a de S. Francisco de Assis, Maria Antonieta, Mata-Hari, os Távoras, D. João II ou D. Sebastião, entre muitas. Ambas as conferências são acompanhadas de recitais de poesia por Fernanda de Castro.   

Prossegue a digressão de conferências no Brasil, não só em São Paulo e no Rio, mas também na Baía, Recife, Santos, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Campinas e Juiz de Fora.

Como representante do modernismo português, é saudado no Brasil por Menotti del Picchia, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e outros. José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade dedicam-lhe artigos entusiásticos.

Em edição brasileira, publica Batalha de Flores, um livro de crónicas, com capa de António Soares, dedicado a sua mulher: «A Maria Fernanda, a flor mais linda que me coube na batalha.»  

O casal regressa a Lisboa.  

A 10 de Julho, Mar Alto estreia-se em Lisboa, no Teatro de São Carlos, para escândalo nacional, e o autor enfrenta o público subindo ao palco para homenagear o desempenho de Lucília Simões e de Erico Braga. A peça é proibida no dia seguinte pelo Governador Civil de Lisboa, Major Viriato Lobo, o que origina um protesto imediato por parte dos intelectuais portugueses, dirigido ao presidente do Conselho e ao ministro do Interior, manifestando o seu repúdio pela interdição da peça e recusando-se a «reconhecer à autoridade policial competência para aquilatar da moralidade ou imoralidade de uma obra literária». O protesto é assinado por Raúl Brandão, António Sérgio, Fernando Pessoa, Robles Monteiro, Raul Poença, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, Alfredo Cortez, João de Barros, Mário Saa, Augusto de Santa Rita, Leal da Câmara, José Pacheco, Américo Durão e Luís de Montalvor, entre outros.   

A 9 de Agosto, é nomeada uma nova comissão de censura teatral e a peça  é novamente autorizada, embora tarde: a Companhia já encerrara a sua temporada teatral.

Entretanto, a 14 de Julho, nasce o primeiro filho do casal, António Gabriel de Quadros Ferro, o futuro escritor António Quadros.

António Ferro integra o quadro redactorial do Diário de Notícias, onde iniciará uma carreira de grande repórter internacional.   


1924-1931
Edição de Mar Alto dedicada a Lucília Simões, com comentários à malograda estreia, uma carta a Lucília Simões publicada pelo autor no Diário de Lisboa (12.7.1923), excertos das críticas brasileiras e portuguesas, e ainda o texto integral do protesto dos intelectuais portugueses.

Em 1925 publica, dedicado à memória de Sá-Carneiro, um livro de contos, A Amadora dos Fenómenos.

Com a colaboração de Leitão de Barros e José Pacheco, que fora responsável gráfico pelo Orpheu e director da Contemporânea, funda o Teatro Novo, a primeira tentativa portuguesa de um teatro de vanguarda, de ensaio ou, como então se dizia, de teatro-boîte, no modelo de l’Atelier ou do Théâtre d’Oeuvre. José Pacheco adapta uma sala do Cinema Tivoli, hoje o foyer, e ali se representa, entre aplausos e polémicas, Knock ou a Vitória da Medicina, de Jules Romains, e Uma Verdade para Cada Um, de Luigi Pirandello, anunciando-se a próxima representação das peças Portugal, de Almada Negreiros, Luz dos Meus Olhos, de José Osório de Oliveira, Mar Alto, do próprio António Ferro, além de obras de Bernard Shaw, Jean Cocteau, Tchekov, etc., e, entre as portuguesas, de Gil Vicente, Aquilino Ribeiro, Carlos Selvagem, Alfredo Cortez e Fernanda de Castro. Dificuldades económicas impedem, porém, a continuidade da iniciativa.

Em 1927 publica Viagem à Volta das Ditaduras, com prefácio de Filomeno da Câmara, reunindo entrevistas e reportagens que nos anos anteriores fizera em Itália (O papa Pio XI, Turati, Ezio Garibaldi, Mussolini), em Espanha (Maura, Sanchez Guerra, Jacinto Benavente, Primo de Rivera), e na Turquia (a revolução de Mustapha Kemal).

Nasce o segundo filho do casal, Fernando Manuel, que se distinguirá como tradutor, editor no Brasil e professor em Paris.

Viaja até  aos Estados Unidos e Nova Iorque arrebata-o: a Park Avenue, as estações da cidade, os hotéis, as mulheres, a Quinta Avenida, os pullman e os carros exóticos, os arranha-céus, a Broadway. Na Califórnia, a atitude é diferente: escreve «Cheguei ao Minho!», e, visitando um rancho, relata como vivem na América os lavradores portugueses. Todas as impressões ficarão registadas em crónicas para o Diário de Notícias e os seus apontamentos de viagem deliciam os portugueses.

Em 1929, desloca-se a Bucareste para assistir ao III Congresso da Crítica Dramática e Musical. Em Praga, a participação de António Ferro magnetizou a assistência ao ponto de ter sido o único jornalista delegado citado em toda a imprensa romena.  

Publica Praça de Concórdia, com capa de Bernardo Marques, reunindo entrevistas realizadas em Paris entre 1924 e 1926 a intelectuais e literatos (Claude Farrére, Jean Cocteau), a gente do teatro (Antoine, Spinelly, Mistinguett), da moda (Paul Poiret, Coty), da indústria (Citroén) ou da política (Herriot, Foch, Pétain, Clémenceau e Poincaré, entre outros).

Teresa Leitão de Barros, amiga de infância de Fernanda de Castro, escreveria sobre este livro na Ilustração Portuguesa: «Literariamente, António Ferro é um ‘charmeur’, pode mesmo dizer-se que é um verdadeiro encantador de serpentes, visto já ter conseguido atrair e prender tantas más vontades cheias de inveja e de «parti-pris». Tantas serpentes de baba venenosa…»

Com efeito, o protagonismo de António Ferro atrai as críticas de todos os quadrantes.

Em 1930, com capa de Bernardo Marques e reunindo as reportagens efectuadas nos Estados Unidos em 1927, publica Novo Mundo, Mundo Novo, cuja segunda parte é inteiramente dedicada aos emigrantes portugueses que visitara na Califórnia, na Nova Inglaterra e em New Bedford.

Na América, conhece Walt Disney e Douglas Fairbanks e entrevista Mary Pickford durante a rodagem de um filme; em 1931, ainda com capa do mesmo artista, publica Hollywood, Capital das Imagens, incluindo as reportagens e entrevistas realizadas na capital americana do cinema, em que evoca os seus encontros com estas e muitas outras famosas personalidades.  

Em 1931, fundando o Sindicato Nacional da Crítica, organiza em Lisboa o IV Congresso da Crítica Dramática e Musical, com a presença de Pirandello, Émile Vuillermoz, Robert Kemp, Fabre Lebret, Gerard Bauer, etc; para proporcionar aos convidados uma inesquecível noite de fado, em Alfama, um comboio é especialmente fretado para os levar de volta ao Hotel Palácio, no Estoril, às três horas da manhã.

É, durante dois anos, o Presidente da Federação Internacional da Crítica.


1932-1938   

A 6 de Abril, estreia no Teatro da Trindade, em Lisboa, a peça O Estandarte, de António Ferro, com um elenco de luxo: Brunilde  Júdice, Lucília Simões, Maria de Oliveira, Erico Braga, Nascimento Fernandes, Samwell Diniz, José Gamboa, José Monteiro e Joaquim Almada. A encenação é de Lucília Simões e o cenário, de Cottinelli Telmo. A peça é posteriormente levada à cena, a 20 de Maio, no Teatro Sá da Bandeira, do Porto.

A convite de Giménez Caballero, inicia, em colaboração com Ferreira de Castro, uma página portuguesa na Gaceta Literária.

Para o Diário de Notícias, realiza as cinco famosas entrevistas com Salazar, em que este expõe as linhas gerais do seu projecto político. Salazar impressiona-o como ninguém antes o impressionara. Numa entrevista, afirma: «A seriedade de Salazar, a séria seriedade de Salazar desarmou-me por completo. É que não encontrara nunca, na minha carreira de entrevistador internacional, aquela profunda simplicidade de maneiras, aquela clareza de pensamento e de forma, aquela alta objectividade no encontro da palavra justa, aquela mistura tão harmoniosa, tão perfeitamente equilibrada, de misticismo e realismo.»

Numa das entrevistas, em que apresenta o então ministro das Finanças como um «exemplo de ascetismo raro», visita-o na sua casa à Rua do Funchal e descreve-a assim: «Não seria mais simples e modesta se ele fosse um comunista praticante»  

Inspirado por uma conferência do poeta Paul Valéry com o mesmo título, publica no Diário de Notícias um artigo que, intitulado «Política do Espírito», esboça os princípios de um novo e extraordinário tipo de acção cultural, determinante para a empresa ambiciosa a que se candidatava: «Dar à vida nacional uma fachada impecável de bom gosto», introduzir-lhe beleza, alegria, orgulho e Arte, compensar, talvez, a face austera com que Salazar viria a condenar o quotidiano português. Eis alguns dos fundamentos da sua «Política do Espírito»: «O desenvolvimento premeditado, consciente, da Arte e da Literatura é tão necessário, afinal, ao progresso de uma nação como o desenvolvimento das suas ciências, das suas obras públicas, da sua indústria, do seu comercio e da sua agricultura. (…) A Política do Espírito (Paul Valéry acaba de fazer uma conferência com o mesmo título) não é apenas necessária, se bem que indispensável em tal aspecto, ao prestígio exterior da nação: é também necessária ao seu prestígio interior, à sua razão de existir. Um povo que não vê, que não lê, que não ouve, que não vibra, que não sai da sua vida material, do Deve e Haver, torna-se um povo inútil e mal-humorado. A Beleza – desde a Beleza moral à Beleza plástica - deve constituir a ambição suprema dos homens e das raças.  A literatura e a arte são os dois grandes órgãos dessa aspiração, dois órgãos que precisam de uma afinação constante, que contêm, nos seus tubos, a essência e a finalidade da Criação».

Em 1933 publica Prefácio da República Espanhola, que é o inquérito realizado em 1930 para o Diário de Notícias, em que entrevistara Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset, Ramón de Valle-Inclán, Sánchez Guerra, Indaleccio Prieto e Marcelino Domingo, entre outros.

Com prefácio do já então chefe do Governo, publica Salazar, o Homem e a sua Obra, em que reúne as citadas entrevistas e mais alguns documentos, entre os quais o referido artigo sobre «Política do Espírito». O livro obtém um enorme êxito, sendo traduzido quase de imediato em francês, inglês e espanhol, com prefácios, respectivamente, de Paul Valéry, de Chamberlain e de Eugénio d’Ors, e ainda em italiano, polaco, concani e outras línguas.   

Ainda neste ano, aceita o convite de Salazar para dirigir um organismo novo, o Secretariado de Propaganda Nacional.  

Em 26 de Outubro de 1933, o S.P.N. inicia funções num segundo andar da Rua de S. Pedro de Alcântara, 75, onde Salazar preside ao discurso de inauguração: «Grande missão tem sobre si o Secretariado – ainda que só lhe interesse o que é nacional, porque tudo o que é nacional lhe há-de interessar.» Respondendo ao Presidente do Conselho, António Ferro promete a quem o escuta: «O nosso programa não ficará no papel! Dêem-nos confiança, dêem-nos entusiasmo, dêem-nos um crédito de seis meses e vê-lo-ão erguer-se - podem estar certos! - ideia a ideia, pedra a pedra.»

Era aqui que começaria uma obra ímpar de divulgação e prestígio do nome e das coisas portuguesas.  

Uma outra figura determinante para António Ferro é Homem Christo Filho, seu contemporâneo, cujo convívio, por vezes dissidente, terá  despertado nele o fervor expansionista e a ideia de reabilitação do nome português no estrangeiro.

Em 1934, na primeira festa de distribuição dos Prémios Literários do S.P.N. (Os prémios Eça de Queirós, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Alexandre Herculano e António Enes), profere um discurso em que, além de anunciar a criação de novos prémios (os prémios Afonso de Bragança, Gil Vicente, Marcos Portugal e Camões), redefine as linhas fundamentais da sua «Política de Espírito»: «Será não só a defesa material da inteligência, da literatura e da arte, e o apoio aos artistas e aos pensadores, mas também uma política que se oponha fundamental e estruturalmente à política da matéria, proclamando a independência do Espírito»

Num destes certames literários, salva o poema maior de Fernando Pessoa de uma rejeição burocrática; por não apresentar o número de páginas exigido, A Mensagem não seria admitida a concurso sem a sua interferência.  

Em 1935, convida um grupo de intelectuais estrangeiros a visitar Portugal, acompanhando-os numa digressão pelo País. Aceitam o convite Miguel de Unamuno, Pirandello, Gabriela Mistral, Maurice Maeterlink, François Mauriac, Georges Duhamel e Ramiro de Maeztu. Fernanda de Castro recebe-os um a um na gare de Santa Apolónia, oferecendo a cada uma das esposas um ramo de rosas amarelas.  

Durante a estada, António Ferro mostra-lhes os bairros antigos de Lisboa, a Estufa Fria, Sintra, Curia, Coimbra, Viana do Castelo, etc. Em Lisboa, leva-os a assistir a um torneio medieval no Mosteiro dos Jerónimos, encenado por Leitão de Barros, que encanta os convidados.   

Alguns aspectos cómicos marcam também esta visita: em Ílhavo, depois de um passeio que maravilhou os convidados, Fernand Gregh desequilibra-se e cai da ponte, desamparado, mergulhando involuntariamente na Ria de Aveiro.

A digressão é um êxito.

A «embaixada intelectual» é comentada na imprensa de todo o Mundo, e os convidados, conquistados pela nossa hospitalidade,  escrevem sobre Portugal e sobre os portugueses nos periódicos dos seus países.  

Gregh assiste às marchas populares na Avenida e considera o povo português «nada acanalhado, nada grosseiro,  naqueles cortejos e naquela turba».  

O espanhol Wenceslao Fernandez Florez apaixona-se pelo Estoril e publica um enderriçado artigo dedicado à região, publicado no Diário de Madrid: «Desde o Estoril a Cascais não encontrareis uma vivenda pobre, nem um rincão feio, nem terra sem verdura, nem ar sem aroma; nem multidões fastidiosas, nem solidão completa – nada que nos obrigue a afastar os olhos com desgosto».  

Maeterlink, prémio Nobel da literatura, em carta para o Secretário da Propaganda Nacional, qualifica generosamente Portugal como «Le plux beau pays du monde qui est devenu la plus heureuse terre de notre planete.»  

D. Miguel de Unamuno, apesar da relação de amizade que o ligará ao casal Castro-Ferro, coloca, numa edição do diário Ahora (1935), questões incómodas sobre a coerência do Estado Novo; num artigo chamado Nueva Vuelta a Portugal, afirma que mantém a sua posição de liberal, democrata e independente, e que, muito embora respeite as novidades que encontrou em Portugal, não as deseja para o seu povo.  

Este artigo causa controvérsia, dando origem a alguma polémica entre pensadores e jornalistas espanhóis.

Bem ou mal, com paixão ou reserva, a verdade é que se fala agora de Portugal em todo o Mundo.

Mas é  talvez no apoio às Artes Plásticas que António Ferro tem uma acção mais espectacular.  

A época era negra, para os artistas modernos. A Sociedade Nacional de Belas Artes não os reconhecia, valorizava ou estimulava, e pintores que hoje chamamos do primeiro e do segundo modernismo portugueses reviam-se todos neste grito de sufoco de Almada Negreiros, em 1926: «Viver, eis o que é impossível em Portugal!»

António Ferro promove os Salões de Arte Moderna, inaugurados em 1935 e que, sob sua direcção, se prolongariam até 1950, garantindo a rápida consagração a todos os Novíssimos.

Ainda este ano, realiza, no S.P.N., a I Exposição de Arte Moderna, em que os Prémios Columbano e Sousa Cardoso são atribuídos, respectivamente, a António Soares e a Mário Eloy. No banquete comemorativo deste acontecimento, a 23 de Março, na S.N.B.A., António Ferro anuncia a sua intenção de apoiar sobretudo os artistas de vanguarda. Respondendo-lhe em seu nome, Almada Negreiros começa o seu discurso, dizendo: «Mais do que com júbilo, é com grande respeito que vejo pela primeira vez na minha terra os poderes públicos ao lado da arte mais nova em Portugal.».

Mais tarde, serão criados também os Prémios Mestre Manuel Pereira, Domingos Sequeira, José Tagarro, Francisco de Holanda, Soares dos Reis, Silva Porto e Roque Gameiro.  

É editado o boletim «Portugal», distribuído com grande tiragem nos países estrangeiros.

Em 1936, é  inaugurado o Teatro do Povo, sob a direcção de Francisco Lage e Francisco Ribeiro (Ribeirinho). Este teatro, ambulante, percorrerá durante alguns anos o País, levando excelentes espectáculos de dramaturgos clássicos e contemporâneos a cidades, vilas e aldeias do interior, transformando-se mais tarde no Teatro Nacional Popular.

Em 1937, em colaboração com Antonio Lopes Ribeiro, escreve, sob o pseudónimo de Jorge Afonso, o argumento do filme A Revolução de Maio, que se estreia no Tivoli a 6 de Junho.

Comissário da Exposição de Paris, de 1937, certame de «Artes e Técnicas na Vida Moderna», reúne a famosa equipa de artistas modernos responsáveis pelo Pavilhão de Portugal, com oito salas temáticas (Estado, Realizações, Obras Públicas, Ultramar, Arte Popular, Riquezas, Ciência, Turismo) distribuídas por dois andares, projecto do Arqº Keil do Amaral: Bernardo Marques, Carlos Botelho, Tom, Estrela Faria, Fred Kradolfer, José Rocha e Manuel Lapa, entre outros.

A imprensa aclama o Pavilhão de Portugal por unanimidade, que, aliás, receberá  o Grand-Prix da Exposição, e  La Liberté, descrevendo-o como «Une leçon de sagesse», explica: «Une exemple et une leçon, a une opportunité brûlante».

Iniciam a sua actividade os Cinemas Ambulantes do S.P.N., que percorrem as vilas e aldeias do país.

Em 1938, para além da Quinzena de Londres, realiza, não vindo a ser repetido, o Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, cujo troféu «Galo de Prata» é atribuído a Monsanto no ano seguinte.  


1939-1944
Em 1939, lança o primeiro jornal cinematográfico de actualidades, o Jornal Português.

António Ferro é alto comissário dos pavilhões portugueses nas exposições de Nova Iorque, com o tema «O Mundo de Amanhã», e de São Francisco -  este último de muito mais modesta expressão, apoiado pela colónia portuguesa da Califórnia, a que era essencialmente dedicado -, ambos projectados pelo Arq. Jorge Segurado e decorados pela equipa de artistas que já estivera em Paris.

A 19 de Novembro, inauguração do primeiro dos postos de turismo fronteiriços, o de Vilar Formoso.

Um mês depois, realiza um empreendimento que lhe granjeia popularidade e simpatias: organizada pelo S.P.N, distribui, na consoada, uma ceia de Natal para 6000 pobres de Lisboa.  

Ainda em Dezembro, faz embarcar para Londres um grupo de pauliteiros de Miranda, a bordo das Astúrias, a fim de tomar parte num grande certame de danças populares, que se realiza no Albert Hall.  

Secretário-Geral dos Centenários da Independência e da Restauração, em 1940, António Ferro é-o também na grandiosa Exposição do Mundo Português, colorário da sua «Política do Espírito», para qual se disponibilizou um orçamento de 35 mil contos e uma área de 560 mil metros quadrados, na zona de Belém, com a realização de 10 congressos independentes, onde intervêm 231 historiadores portugueses e 121 estrangeiros, se promovem marchas populares, récitas de gala e exposições de cartografia, se inaugura o Estádio Nacional e da Fonte da Alameda Afonso Henriques, se amplia o Museu de Arte Antiga e se incia a construção da gare-marítima, da gare fluvial, da auto-estrada e do viaduto que viria a receber o nome de Duarte Pacheco, do Bairro de Alvalade, da Avenida do Aeroporto e do Bairro do Restelo. Promovem-se ainda muitos outros eventos, como a organização da Semana Olímpica e a reabertura do Teatro de São Carlos com os bailados Verde Gaio. No encerramento, é promovida uma peregrinação popular aos lugares históricos da Restauração. Entre 23 de Junho, data da sua abertura, e 2 de Dezembro, data do seu encerramento, a Exposição do Mundo Português recebeu 3 milhões de visitantes. A realização do programa da exposição foi entregue a Cottinelli Telmo, que contou com a colaboração de 12 arquitectos, 20 escultores, e mais de 40 pintores modernos.

Constituídas por um arquitecto, um decorador e um funcionário do Turismo, cria as Brigadas de Turismo, com a intenção de melhorar as pensões e hotéis do País.

A 16 de Agosto deste ano é inaugurada a primeira estalagem de turismo, a Estalagem do Lidador, em Óbidos.

A 8 de Novembro, realiza-se a primeira apresentação, no Teatro da Trindade, do Grupo de Bailados Verde Gaio, que António Ferro imaginou segundo o modelo dos Bailados Russos, de Diaghilev, embora mais num sentido de expressão da cultura popular portuguesa e do «movimento renovador», orientado para a «educação do gosto».

Inauguração dos Concursos de Montras, organizados pelo S.P.N.

Iniciam-se em 1941 os Concursos de Estações Floridas, também de sua iniciativa.

É neste ano, também, que funda o Círculo Eça de Queiroz, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, na qualidade de um clube exclusivo a sócios, onde, até hoje, se promovem importantes eventos de cariz cultural e literário.

Publica Homens e Multidões, em que reúne uma selecção das suas crónicas e entrevistas inéditas em livro e publicadas na imprensa entre 1926 e 1938. O livro inclui entrevistas e reportagens sobre Franz Lehar, Lloyd George, o rei Afonso XIII de Espanha, a rainha Maria da Roménia, Primo de Rivera, Leopoldo III da Bélgica, o Papa Pio XI, Mussolini e Salazar.

É também neste ano que é nomeado Presidente da Emissora Nacional.  

Desloca-se ao Brasil onde, juntamente com Lourival Fontes, assina o I Acordo Cultural Luso-Brasileiro, de que resultarão, entre outras consequências, a publicação da revista luso-brasileira Atlântico e a criação de uma Secção Brasileira no S.P.N., que se entregará a uma intensa actividade. Na sequência desta visita, profere um ciclo de conferências em vários organismos culturais do Rio de Janeiro e de São Paulo, inaugurando também a Exposição do Livro Português no Rio, e a livraria Livros de Portugal, na mesma cidade.

No âmbito da Emissora Nacional, cria o Gabinete de Estudos Musicais, as Festas da Rádio, o Programa da Manhã, etc.

Em 1942, sob a direcção portuguesa do crítico José Osório de Oliveira, incia-se a publicação da revista Atlântico, que visa estreitar os laços entre o Brasil e Portugal, com um naipe de colaboradores ilustres: Vitorino Nemésio, Aquilino Ribeiro, Endero de Sousa, António José Brandão, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Álvaro Ribeiro, etc. A revista publicar-se-á até 1950.

Ao inaugurar a 10 de Abril a primeira Pousada, a de Elvas, apresenta o plano das Pousadas de Turismo e define os seus critérios: gastronomia regional, mobiliário português, atendimento personalizado, preços módicos. Sucessivamente, de 1942 a 1948, inauguraria a de S. Gonçalo, na serra do Marão, a de Sto. António – Serém, no vale do Vouga, a de S. Martinho, em S. Martinho do Porto; a de São Brás de Alportel, no Algarve; a de Santiago, em Santiago do Cacém; a de S. Lourenço, na Serra da Estrela. O êxito do empreendimento chega até aos nossos dias.

Em 1943, lança  Panorama, Revista de Arte e Turismo, publicada pelo S.P.N., com direcção literária do poeta Carlos Queirós e artística do pintor Bernardo Marques.

Promove ainda, com grande êxito, uma exposição de arte popular em Madrid.  

O Verde Gaio estreia no Teatro de S. Carlos o bailado Dom Sebastião, de cujo argumento é o autor. A música é de Ruy Coelho, a coreografia de Francis e os cenários de Carlos Botelho e de Milly Possoz. Em Dezembro, estreia-se no mesmo teatro o bailado Imagens da Terra e do Mar, com argumento também seu, música de Frederico de Freitas, coreografia de Francis e cenário e figurinos de Paulo Ferreira.

A 26 de Outubro de 1944, o Secretariado de Propaganda Nacional, S.P.N., é remodelado, passando a intitular-se, sempre sob sua direcção, Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, S.N.I, alargando assim o seu campo de actividade e os seus meios de acção.  

António Ferro profere nova conferência, invocando não apenas os primeiros dez anos de intensa actividade, como a forma como respondeu, com a imaginação e os recursos possíveis, às directrizes de Salazar: Seja verdadeiro! Proteja o espírito! Defenda o essencial! Não gaste muito! E lembra, nessa ocasião, a forma como respondeu a um amigo que quis desencorajá-lo a aceitar a pasta do S.P.N.: «Desista. A sua nomeação vai ser mal recebida. É capaz de provocar uma revolução….» Ao que ele respondeu: «Não me julgo tão importante.»   

Pedro Tavares Ferro, seu irmão, colabora com ele nesta fase.
   
Retoma a sua obra com a criação dos Prémios Cinematográficos do S.N.I., o «Grande Prémio», o «Prémio Paz dos Reis» e os «Prémios de Interpretação».


1945-1949
Iniciam as suas actividades as Bibliotecas Ambulantes do S.N.I.., bem como os Salões de Arte Moderna dos Artistas do Norte, com a atribuição dos Prémios António Carneiro, Armando de Basto, Henrique Pousão, Marques de Oliveira e Teixeira Lopes.

Realizam-se as Festas do Maio Florido, no Porto, que passaram a integrar-se na tradição portuense.

Em 1945-1946, promovida pelo S.N.I., com a colaboração do Círculo Eça de Queiroz e do Grémio Literário, promove as comemorações do centenário do nascimento do autor de Os Maias. António Ferro profere aqui uma interessante conferência sobre o escirtor.

Em 1946, organiza em Alcobaça os Jogos Florais da Emissora Nacional da Radiodifusão.

Em 1947, é  o autor do argumento do bailado Noite sem Fim, dançado pelo Verde Gaio, no Teatro de S. Carlos, sobre a Dança Macabra, de Saint-Saens, e a Noite Sobre o Monte Calvo, de Mussorgski, com coreografia de Morresi e Ivo Kramer, cenário e figurinos de Paulo Ferreira.

Em Novembro deste ano, o S.N.I. instala-se no Palácio Foz, restaurado e adaptado pelo Ministério das Obras Públicas, sobre planos do Arq.to Luís Benavente.  

Com a colaboração de Cottineli Telmo e Luís Pastor de Macedo, comemora o 8º Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros.  

Em Janeiro de 1948, inaugura o XII Salão de Arte Moderna, e, nas novas galerias do Palácio Foz, realiza a Exposição 14 anos de Política do Espírito, realizada por Thomaz de Mello (Tom), Manuel Lapa e Eduardo Freitas da Costa. Na sessão inaugural, António Ferro faz o balanço espectacular da sua obra no S.P.N./S.N.I.

A 15 de Julho, inaugura o Museu de Arte Popular, de Belém, em que intervêm os arquitectos Veloso Reis e Jorge Segurado, os artistas Thomaz de Mello, Estrela Faria, Carlos Botelho, Manuel Lapa, Paulo Ferreira e Eduardo Anahory, além do etnógrafo Francisco Lage. Na «Panorama» (nºs 36 e 37, 1948), frisa: «Não é apenas um museu de arte popular, onde as coisas venham encher-se de bolor; é também, ou sobretudo, um Museu poético - o museu da poesia esparsa, do povo português, da terra portuguesa.»

É neste ano que é promulgada a Lei de Protecção ao Cinema Nacional, que cria no âmbito do S.N.I o Fundo do Cinema e a Cinemateca Nacional (sob a direcção de Félix Ribeiro, que já chefiava a Secção de Cinema daquele organismo), além de, entre outras medidas, proibir as dobragens.

Início da colecção Política do Espírito, incluindo os seus discursos respeitantes às várias modalidades da sua acção.

A 6 de Maio de 1949, juntamente com o XIII Salão de Arte Moderna, inaugura o Salão retrospectivo de galardoados com os prémios artísticos do S.N.I., aproveitando para recordar o caminho percorrido, abordar as perspectivas do futuro e expor o seu pensamento sobre a arte moderna, que há longos anos defendia e apoiava. Figuram neste salão todos os premiados nos anteriores, como, entre outros, Mário Eloy, António Soares, Dórdio Gomes, Jorge Barradas, Sarah Afonso, Carlos Botelho, Eduardo Viana, Almada Negreiros, Frederico George, Maria Keil, António Dacosta, Manuel Bentes, Ofélia Marques, Paulo Ferreira, António Cruz, Tom, Manuel Lapa, Álvaro de Brée, António Duarte, Martins Correia, João Fragoso, Canto da Maya e Barata Feyo.  

A 12 de Maio, inaugura o I Salão de Artes Decorativas, também no S.N.I.

É promulgado o estatuto do Turismo.

São criados os Prémios de Arte Dramática para as sociedades de recreio, que António Ferro atribui pela primeira vez, com um discurso, a 29 de Dezembro.

Realiza-se a 11 de Dezembro, no Teatro de S. Carlos, o primeiro concerto do Gabinete de Estudos Musicais, que António Ferro criou na E.N., encomendando obras a compositores de música popular e erudita.

Durante um almoço realizado em sua honra, no «Aquário» (22.12.1949), conhecido restaurante da Baixa lisboeta, é alvo de uma expressiva homenagem por parte de 50 jornalistas de Lisboa.  
Continua a colecção Política de Espírito.


1950- 1956
Preocupada com a saúde e a fadiga do marido, que conta agora com 17 anos de trabalho à frente do S.P.N./S.N.I., Fernanda de Castro escreve uma longa e ponderada carta solicitando a Salazar que lhe seja concedido um posto mais tranquilo, talvez em Paris, sua cidade dilecta. Nessa carta, escrita sem o conhecimento de António Ferro, a poetisa revela-lhe entre outros factos a nostalgia que ele sente por não poder dedicar-se mais à sua obra literária, protelada em favor do Secretariado. Eis como, neste inédito, formula o seu pedido: «Casei há 25 anos e conheço o meu marido melhor do que ninguém. Ao longo destes anos, tenho-o visto lutar sem desânimo, trabalhar duramente, traçar o seu caminho através de injustiças, ingratidões e calúnias que cruelmente o têm afectado, sem que até hoje, creio, o seu trabalho se tenha ressentido de tantas amarguras e de tantas desilusões acumuladas…»   

Não será  contudo França, mas Suíça, o destino próximo de António Ferro. É nomeado ministro de Portugal em Berna, primeiro posto diplomático de Portugal nesse país, para onde parte neste mesmo ano.  

Por ocasião da sua despedida do S.N.I., António Eça de Queiroz, seu colaborador desde o início, proclama, comovido: «É que não foi um barco de ligeiro governo, navegando por sobre águas bonançosas, aquele que António Ferro tão acertadamente tem conduzido. Pesado era o barco e de difícil manejo, ásperas e contrárias, traiçoeiramente contrárias, muita vez as correntes que contrariaram a sua marcha». E terminaria assim: «Da nossa lembrança, da nossa amizade, da nossa saudade nunca o António Ferro sairá. Vemo-lo partir com uma pena que talvez nem ele possa avaliar.  O seu nome fica gravado como marca indelével na existência do grande Organismo que criou. O seu nome, meu querido António Ferro - creio-o bem - fica gravado para sempre nos nossos corações.»  

Uma mensagem de saudação é assinada por 1500 pessoas nessa ocasião, e uma folha para o mesmo fim é exposta primeiro na Livraria Tavares Martins, no Porto, e, dias depois, na Livraria Bertrand, em Lisboa. Milhares de pessoas, entre intelectuais, amigos e admiradores de António Ferro, assinam estas folhas.

O Círculo Eça de Queiroz organiza-lhe um banquete de despedida (25.11.1949).

Na mesma linha, um grupo de artistas plásticos de Lisboa oferece-lhe um banquete de homenagem e despedida; entre muitos, estão presentes Carlos Botelho, Bernardo Marques, Jorge Segurado, Jorge Barradas, Manuel Lapa, António Duarte, Fred Kradolfer, Eduardo Anahory, Jorge Matos Chaves, etc.

No jornal Soberania do Povo, o jornalista Archer H.M. escreve: «Não enfileiremos nos panegiristas sitemáticos do ex-Secretário Nacional da Informação, nem tecemos unânime louvor a todos os aspectos da sua obra. Mas a Justiça - é a Justiça. António Ferro, na hora da sua abalada, merece, inteira consagração.»

Sobre o seu afastamento do país, correram, e ainda correm, as mais díspares versões, incluindo a de uma dissidência com o próprio Salazar. A família não conheceu outra, além da recomendação médica que levou António Ferro, exausto e de saúde já precária, a aceitar um posto diplomático.

De 1950 a 1953, em Berna, exerce uma acção cultural em prol da cultura portuguesa na Suíça, organizando conferências e exposições, como as de Carlos Botelho e de Paulo Ferreira, na Legação de Portugal.  

José Maria Leitão de Barros, seu grande amigo de sempre, escreve-lhe uma carta (28.1.1950) brincalhona e já saudosa: «Não sei em que é que você pode matar o tempo nesse país de relógios, sem poesia e sem moscas, mas onde a vida lhe pode parecer diferente da nossa, como uma vaca leiteira o é de um touro bravo…» E termina assim: «Os meus parabéns para si, os meus pêsames para Salazar e para nós.»  

Desta época, seu filho António Quadros conta-nos como, efectivamente, o pai tenta lutar contra o tédio da cidade: «E mais uma vez António Ferro se dispôs a lutar. Pouco a pouco, a sua casa de Helvetiastrasse transformou-se no centro intelectual de Berna: e o pequeno meio literário e social da pequena e tranquila cidade suíça acorreu alvoroçado aos seus concertos, às suas exposições, às suas representações dramáticas, aos seus espectáculos folclóricos. Mas o antídoto não era suficiente».   

Regressa à  poesia, preparando um livro com um título revelador da sua profunda nostalgia: Saudades de Mim. Mas escreve ainda o seu filho, no prefácio desta edição póstuma: «Há quem diga que principiou aí a sua morte. E, na realidade, a transição foi brusca demais, brutal demais. Habituara-se, desde os tempos do jornalismo, a trabalhar até à uma, às duas da manhã, todos os dias. Habituara-se à fogueira constante das suas iniciativas e das suas lutas. Habituara-se a viver sob pressão, debatendo hora a hora novos problemas e novas soluções com novas pessoas. E, de repente, encontrava-se numa cidade onde o tempo tinha outra dimensão, onde todos os lugares públicos estavam fechados às onze da noite, onde as pessoas falavam em voz baixa com medo de perturbar o silêncio e a paz, onde a vida frívola e ligeira dos cocktails diplomáticos era a única evasão possível …»
      
Tomás Ribas é hóspede durante três dias na sua casa de Berna e testemunha a sua transformação: «Foi-me possível ver um homem desiludido, triste, solitário… mas não revoltado. Dir-se-ia que o afastamento de Portugal o aniquilava e o consumia um leve arrependimento por ter traído o seu destino de escritor, de jornalista…»

Saudades de Mim é pois, segundo palavras de seu filho, o livro que o pai escreve em «sofredora liberdade»: «A morte é um dos temas  mais obsessivos do livro. Aqui e ali, surgem versos impressionantes, divinatórios, que parecem nascer directamente da própria morte, que parecem inspirados por uma estranha intuição do destino futuro, como esse extraordinário poema que termina: «Será hoje? /Amanhã?Depois?/Que importa?/Amanhã é igual a hoje/Amanhã já foi…»

Termina a peça de teatro, Eu Não Sei Dançar, cujos protagonistas deveriam ser João Villaret e Amália Rodrigues, cujo talento deu a conhecer em Portugal e no estrangeiro, e escreve ainda, irregularmente, um Diário a que chamará Confissão Pública.

Em 1954 é  transferido para Roma, onde vai exercer as funções de Ministro de Portugal em Roma. Acompanha-o um seu sobrinho, Pedro Ferro da Cunha, amigo, companheiro e colaborador inseparável.   

Publica o livro D. Manuel II, o Desventurado, onde reúne a entrevista e as reportagens da sua morte em Inglaterra, em 1932. O prefácio, escrito na Suíça, além de incluir uma meditação política, constitui uma reflexão sobre a sua própria vida e as suas opções.  

Em 1955 escreve o livro Poemas Italianos, ainda inédito, quase todo inspirado em obras de arte, em especial pintura da Renascença florentina e romana.

Participa, a título particular e convidado pela organização, nos X Encontros Internacionais de Genebra, dedicados ao tema A Cultura Estará em Perigo?, ao lado de Georges Duhamel, André Chamson, Ilya Ehrenburg, Wladimir Porché, Jeanne Hersch, Jean Wahl, René Lalou, Henri de Ziegler, tendo diversas intervenções de fundo.

Na Universidade de Zurique, profere uma importante conferência sobre a Psicologia do Povo Português, onde analisa todos os elementos que formaram e determinaram a evolução do carácter português: raça, geografia, paisagem, clima, língua, história, literatura, arte e folclore. Mostra ainda como os portugueses são vistos por alguns escritores estrangeiros, lendo ainda, como documentos da sensibilidade portuguesa, alguns textos de Cesário, Nobre e Pessoa, e ainda um passo da Ilustre Casa de Ramires. É ovacionado.

A Legação de Roma é elevada à categoria de Embaixada.

Desloca-se a Lisboa para uma intervenção cirúrgica sem gravidade. Antes da operação, Salazar telefona-lhe com um pressentimento que faz estremecer a família: «Por favor, não se deixe operar.»  

Depois da operação, António Ferro morre inesperadamente de infecção, uma semana depois da intervenção, num quarto particular do Hospital de S. José, no dia 11 de Novembro.  

Tem 61 anos.

Às 10.30 h é celebrada uma missa na Igreja de S. João de Deus, pelo respectivo prior, padre Lobo, assistida por várias centenas de pessoas.  

Salazar participa na missa, mas não se desloca ao Alto de S. João.  

A urna foi levada, no primeiro turno, aos ombros dos artistas Thomaz de Mello (Tom), Carlos Botelho, António Duarte, Bernardo Marques e Jorge Segurado, e nos seguintes por um grupo também conhecido.  

A imprensa do mundo inteiro noticia a sua morte. O Times (16.11.1956) escreve «O seu país deve deplorar profundamente a morte prematura de quem tanto fez por ele»; o France-Soir (12.11.1956) afirma: «Avec António Ferro la France perd son meilleur ami portugais» e Le Monde (15.11.1956) faz o elogio da sua cordialidade e da generosidade do seu acolhimento.

 
1957-1998
Em 1957, postumamente, é publicado o seu livro Saudades de Mim, incluindo o já referido prefácio do seu filho António Quadros, que um crítico da Brotéria (1958) comenta assim: «é constituído por pequenos golpes de sonda numa interioridade onde a vida deixou névoas de sofrimentos, contradições, esperanças e promessas, que de todo se não realizaram».

Um dos poemas revela a profunda saudade que o autor sente de si próprio:  

«Dava alegremente os anos que me restam

Os meus triunfos supostos

Os meus triunfos vencidos

desmantelados,

as minhas ilusões desiludidas,

sofridas,

a minha própria ascenção

tão cheia

de quedas interiores

em troca daquele olhar

que construía a vida…» veemente

Em 1958, no 25º aniversário do S.P.N./S.N.I., é descerrado no Palácio Foz um busto de A.F., da autoria de Álvaro de Brée, cuja réplica se encontra no Círculo Eça de Queiroz.

Em 1960, em Pernambuco, Brasil, Gastão de Bettencourt publica, em edição do autor, António Ferro e a Política do Atlântico.

Em 1963, as Edições Panorama dedicam-lhe a Antologia António Ferro, com selecção, prefácio e comentários de António Quadros, incluindo alguns dos Poemas Italianos, bem como excertos do Diário que escreveu em Berna e em Roma.

António Quadros dedica esta obra a Guilherme Pereira de Carvalho, Jaime de Carvalho e Pedro Ferro da Cunha, «íntimos amigos do Homem, íntimos colaboradores da Obra»

Em 1978, as Edições do Templo, dirigidas por José Valle de Figueiredo, publicam uma nova edição de Salazar.

Dois anos depois, em 1980, as Edições Delraux, dirigidas por um intelectual francês, Gérard Leroux, publicam novas edições dos seus livros Teoria da Indiferença e Leviana.  

António Lopes Ribeiro, grande amigo de António Ferro, descreve Leviana, no jornal Vida Nacional (s/d): «Uma novela que retrata melhor do que qualquer outra a mulher dos «Gay Twenties», dos Alegres Anos Vinte, através de páginas de diário, de cartas, bilhetes, telegramas, pensamentos escritos numa linguagem viva, espontânea, natural, inteligentísima, em que o humor não destrói, antes sublinha a profundidade.»  

As Câmaras de Lisboa e de Oeiras, respectivamente, atribuem o nome de António Ferro a uma rua e a uma praça.

Em 1984, o Grupo de Teatro Primeiro Acto leva finalmente à cena a sua malograda peça Mar Alto, que não voltara a ser representada em Portugal, com um elenco cedido pelo Teatro Nacional D. Maria II. António Quadros assiste à estreia com a mulher e os filhos.  

As edições Fernando Pereira reeditam o livro Salazar.

Em 1986, Fernanda de Castro, sua viúva, publica o volume I de Ao Fim da Memória, com muitas referências ao seu marido.

A 11 de Novembro, no 30º Aniversário da sua morte, o Círculo Eça de Queiroz organiza uma sessão de homenagem a António Ferro. Foram oradores, o realizador António Lopes Ribeiro, e os escritores Domingos Mascarenhas e Luís Forjaz Trigueiros. Nesta sessão falaram também, entre outros, o Prof. Jorge Borges de Macedo e os Drs. Arnaldo Ródo e João Bigotte Chorão, a nora Paulina Ferro e ainda António Roquette Ferro, que leu uma mensagem do pai, António Quadros, ausente no Brasil em missão cultural.

Em 1987, a Editorial Verbo inicia a publicação das Obras de António Ferro, com prefácio do Dr. António Rodrigues, que, concomitantemente, defende na Universidade Nova uma tese de mestrado sobre a sua obra, nomeadamente sobre os aspectos vanguardistas e estéticos.

Em 1990, Raquel Pereira Henriques publica António Ferro – Estudo e Antologia, sob direcção de António Reis e com a chancela das Publicações Alfa, visando três períodos da vida e obra de António Ferro: a época modernista (de 1917 a 1932); a política do espírito (de 1932 a 1949); e o «sentimento do vazio» que terá experimentado nos últimos anos de vida (de 1950 a 1956).  

Em 1994, as Edições Cosmos publicam, na «Colecção de História Moderna e Contemporânea», a obra António Ferro - Espaço Político e Imaginário Social (1918-32), da autoria de Ernesto Castro Leal, que constituiu, com algumas alterações, a sua dissertação para a obtenção do grau de mestre em História.

Em 1996, a Contexto Editora publica, inserida na colecção Brevíssima Portuguesa, uma versão do seu livro Leviana em pequeno formato.

No dia 21 de Janeiro de 1997, na Academia Portuguesa da História, uma comunicação sobre António Ferro e a sua Política do Espírito é feita pelo académico correspondente Doutor Fernando Guedes, director da Editorial Verbo, imediatamente publicada.

A editorial Grifo editará brevemente alguns excertos do Diário escrito em Berna e em Roma, com o título por ele mesmo designado: Confissão Pública.  
 
Para terminar, ficam as palavras que António Quadros dedica a seu pai, pouco tempo depois da sua morte: «Amanhã já foi. António Ferro já  não é deste mundo. Deixou atrás de si versos carregados de sensibilidade. Deixou atrás de si uma obra indestrutível. Imortalizou-se, porque criou vida para além da sua própria vida, porque enriqueceu a existência para além da sua própria existência. Objectivamente o afirmo, ao terminar este prefácio: António Ferro merece a gratidão de todos os portugueses. E eu, seu filho, seu amigo e seu devedor, quero ser o primeiro a assinar o preito de homenagem que a Pátria não deixará de lhe prestar.»