Inéditos - António Quadros

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Mafalda Ferro


António Telmo (1927-2010)
ANTÓNIO TELMO E O GRUPO DA FILOSOFIA PORTUGUESA


Tudo começou no Porto com Leonardo Coimbra, Amorim Viana, Sampaio Bruno, etc. Depois, o movimento intelectual estendeu-se a Lisboa no diálogo entre José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro (1905-1981). Juntos criam o denominado Grupo da Filosofia Portuguesa, que viria a marcar decisivamente o pensamento filosófico em Portugal a partir da década de 40.

Aos dois mestres, Ribeiro e Marinho, juntam-se António Quadros (1923-1993), Afonso Botelho (1919-1996), Orlando Vitorino (1922-2003), entre outros. Alargava-se, assim, o espírito do magistério portuense, assim como se garantia, contra o positivismo, a defesa da nossa cultura, e, por conseguinte, da nossa filosofia, na potencialidade e originalidade do seu exercício.

António Telmo, falecido no passado dia 21 de Agosto, era um dos mais novos e um dos mais activos também. Integrou o grupo quando tinha apenas 23 anos. Mais tarde, fez parte do corpo redactorial do Jornal 57, dirigido por António Quadros, dando assim os primeiros passos como filósofo e hermeneuta: “Tínhamos a Universidade no café” disse muitos anos depois, a propósito da tertúlia que o grupo organizava.

Depois do fim do Jornal 57 e das publicações periódicas subsequentes, nomeadamente da revista Espiral, onde António Telmo também colaborou, apesar do labor individual de um e de outro fora do núcleo filosófico original, mas sobretudo, depois da morte de Álvaro Ribeiro e José Marinho, o grupo perdeu algum do fulgor inicial, no entanto, a amizade entre António Quadros e António Telmo não terminou. Não deixaram de se encontrar e de trabalhar em conjunto. Bateram-se até ao fim contra os adversários da Filosofia Portuguesa e continuaram a publicar a um ritmo verdadeiramente espantoso. (Quanto a isto, quase nada mudou. A Filosofia Portuguesa continua a ser condenada à morte ano após ano e os augures de hoje esquecem que no mais tudo se mantém igual, como no passado.)

Depois veio a doença de António Quadros e com ela a certeza, penosa, embora confiante no futuro, de que a 1ª geração do grupo começava a partir. Corresponderam-se com frequência e mantiveram até à morte de Quadros em 1993 um diálogo e uma amizade permanentes. Em carta inédita enviada por António Telmo ao autor de Portugal Razão e Mistério, o filósofo não hesita e escreve: “Agora já não há nada a aprender com os outros homens. Só Deus nos pode ensinar.” Eram já palavras definitivas, provas últimas de fé.

António Quadros Ferro 
In Newsletter 15 da Fundação António Quadros
Setembro 2010.


Meu caro Amigo,

Não é a primeira vez que se me oferece o ensejo de escrever uma carta aberta a uma pessoa da sua família. Nesse reino – como chamar-lhe? – do esquecimento, não sei – quem sabe? – se há memória deste. Mas, se ao menos as boas lembranças permanecem, talvez recorde, perdoe-me a estultícia, uma que escrevi a sua mãe e que, por benevolência dela e pedido seu, veio a figurar como prefácio às admiráveis Cartas para além do Tempo. Ao lembrar essa carta, é que me decidi escrever-lhe, já liberto também o meu Amigo do tempo e das suas servidões. Não são as cartas, hoje quase uma recordação antiga, a via mais incisiva para um diálogo com quem está longe, tão longe que receamos que, em tão longo e incerto percurso, essas cartas se extraviem?

É da imemorial sabedoria das nações que o tempo, e só ele, minora as dores da alma. As grandes emoções, por sua mesma intensidade, não podem durar sempre.

Tal como um corpo, que, se vivesse em permanente estado febril, não resistiria muito. As dores intensas ou desaparecem ou matam. Para elas o tempo actua como um analgésico. Mas há uma outra dor – uma dor fina, que não rompe em gritos e nos acompanha discreta e surdamente. Julgo que escrevi algures que «as grandes dores são mudas»: não se manifestam por palavras nem por brados e gestos descompostos de carpideiras.

A morte de pessoas caras, por nos unirem a elas laços de sangue e laços, por vezes mais fortes, de espírito (não escreveu, e admiravelmente, sua mãe que os amigos são a família que escolhemos?), a morte dessas pessoas, mesmo que já esperada, abre sempre uma ferida. Com a passagem do tempo, o desgosto dá lugar à saudade.

Que falta nos faz, António Quadros, com toda a sua humanidade e iniciativa. Além de obras truncadas (penso no derradeiro volume de Portugal, Razão e Mistério), que outros livros escreveria quem não se dava tréguas? Com o escritor, sentimos a ausência do homem convivente e cordial, que lançava pontes onde outros parece que fazem gala em cortá-las. Firme nas suas convicções, não recusava a mão a quem pensava de modo diferente do seu.

Sabe uma coisa? A quem tanto publicou, eu atrever-me-ia a pedir, se isso ainda fosse possível!, que escrevesse ao menos mais um livro. E que livro lhe pediria? – Uma autobiografia intelectual, na linha de Berdiaef, autor tão do seu apreço. Lembro-me que, em Ficção e Espírito, escreveu sobre o Essai d’autobiographie spirituelle, uma das tais «autobiografias exemplares», como lhes chama e enumera: as de Ruben A., de André Malraux, de Nikos Kazantzaki e de Jung. E só não inclui nelas as Memórias de um Letrado, de Álvaro Ribeiro, porque ulteriores a Ficção e Espírito.

Como imagino a sua autobiografia? Como a de um homem de cultura, mais interessado nas ideias e no mundo interior que no vazio do mundo exterior. De certo modo, umas outras Memórias de um Letrado, como as de seu mestre Álvaro, e, quem sabe, se também com uma divisão em livros –«Iniciação Filosófica», «A Idade Mimética», «A Idade Poética» –, a que viria juntar-se um último, «Vida Política». Não sendo embora um político, não se alheava do destino colectivo o desassosegado autor da Arte de Continuar Português. Mas ao contrário dele, homem sem vida social, o António Quadros conheceu e cultivou sempre gente do mundo da cultura e gente da sociedade. Por isso, a sua convivência, sobretudo com escritores, pensadores, pintores, e o seu fértil percurso existencial não deixariam de ser contemplados na sua autobiografia. Mas, como Berdiaef, da sua vida exterior falaria «apenas o suficiente para logo partir à descoberta da sua subjectividade». Ou da sua alma. Sem fechar, porém, os olhos para o mundo exterior. Nós imaginamos Berdiaef vivendo, no seu exílio francês, como um eremita, entregue todo à meditação, espiritual, filosófica e estética. Ora o António Quadros descansava dos seus múltiplos escritos, leituras, reflexões, viajando e convivendo. Não vivia isolado, mas gozava da companhia dos outros e do espectáculo do mundo.

Seria pois uma autobiografia, não monótona, mas animada. Homem de gabinete e de tertúlia, gostava de prolongar nela o gosto e o debate das ideias, com mestres que escolhera, companheiros de geração, rapazes mais novos, que procuravam todos as vias do saber, pondo em prática o método socrático. A mesa do café substituía a cátedra universitária e o exercício dialéctico o magister dixit.

Se tivesse escrito a sua autobiografia, sou levado a crer que, não obstante as diferenças, algumas afinidades apresentaria com a de Berdiaef. Identificavam-se com os grandes autores russos, visionários e escatológicos, subjectivos mas não egocêntricos, e no homem provado como Job viam a imagem mesma do Deus humanado. Berdiaef, esse teve a audácia ou o cristão atrevimento de outorgar ao homem um atributo divino: o de criador, que, através da arte, «completa» a obra da Criação. Dante ou Miguel Ângelo, Camões ou Mozart não foram demiurgos, e grandes demiurgos, e como tais «divinos»?

Pressinto o seu júbilo quando no pensador russo encontrou uma filosofia criacionista, tão cara ao espírito do meu Amigo. No Essai d’autobiographie spirituelle de Berdiaef, há essa transposição do que é subjectivo ou, mais amplamente, personalista, para um alto plano de objectividade transcendente. Ou, por outras palavras, do «odioso eu» ao tu, à alteridade ou senso do Outro.

E creio que, na sua também exemplar autobiografia, António Quadros talvez escolhesse para epígrafe aquelas palavras de Berdiaef citadas em Ficção e Espírito: «A vitória sobre o tempo mortífero foi a ideia essencial da minha vida. Este livro é franca e conscientemente egocêntrico, mas aqui o egocentrismo, sempre desagradável, é compensado pelo facto de que de mim e da minha vida faço um objecto de conhecimento filosófico.»

Depois disto, que poderei acrescentar? Apenas palavras afectuosas de despedida, com a esperança de um reencontro não sei onde nem sei quando.  

Seu velho admirador
João Bigotte Chorão 
Lisboa, 9 de Março de 2003.

 

 

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A OBRA DE ANTÓNIO QUADROS

                                      Por João Alves das Neves (*)

Conheci António Quadros muitos anos antes de o conhecer – os primeiros trabalhos que li dele foram talvez os artigos que publicava nos jornais, creio que no Diário Popular, o excelente vespertino ao qual dei assídua colaboração, assim como a O Primeiro de Janeiro. Confesso que já não sei qual terá sido o primeiro que li dele, mas os seus estudos que mais me aproximaram dele – embora à distância -  foram aqueles que publicou sobre Fernando Pessoa., entre os quais saliento Vida, Personalidade e Génio do Poeta da Mensagem.

Li quase todos os seus livros e desde sempre me despertou a diversidade cultural da sua acção. Admito, porém, que me preocupavam os seus laços com certas figuras do regime político, que eu não aceitava. Mais tarde, verifiquei o meu engano em relação a António Quadros - nunca discutimos política e concluí  que estávamos mais próximos um do outro do que eu pensara. Nem eu nem ele tínhamos pretensões políticas, ainda que tivéssemos opiniões próprias, apesar de me considerar sempre adverso das ditaduras.

A explicação é necessária num mundo cada vez mais fanatizado pelos partidos. Contudo, o que mais me aproximou de António Quadros foi o seu fervor pelos mil e um aspectos da Cultura Portuguesa. com relevo para as relações entre os 8 paises de idioma comum, perfeitamente caracterizados nos seus artigos e livros. É claro que um dos nossos temas ´preferidos foi a obra de Fernando Pessoa, mas os seus comentários sobre o diálogo cultural luso-brasileiro despertaram-me o maior interesse. 

Em 1988, coordenamos na Academia Paulista de Letras, em São Paulo, o I Encontro de Estudos Pessoanos, do qual participaram destacados ensaístas brasileiros e portugueses, assinalando, entre outros, João Gaspar Simões, Teresa Rita Lopes e António Quadros, conforme ilustra a revista cultural Comunidades de Língua Portuguesa (agora, com 22 volumes publicados!). Foi no decurso desse  diálogo lusíada que da admiração intelectual passamos à amizade.

Certa vez, fomos  Lisboa e recebemos convite  para uma reunião em casa da escritora  Fernanda de  Castro  - e lá fomos encontrar um admirável grupo de escritores e artistas de vários sectores, incluindo alguns discordantes (como nós) do fascismo ainda em vigor. Recordo que um escritor que mais ou menos me conhecia estranhou a minha   presença – e eu disse que viera sem preconceito, por se tratar de um encontro de artistas e intelectuais...certamente nas condições em que ele comparecera; No fundo, a reunião foi para conversar sobre artes e letras.

Mais tarde,  ainda escutaria a voz de D. Fernanda de Castro quando, por telefone, lhe pedi  para dizer algo sobre a sua presença em São Paulo, em 1922, meses após a Semana de  Arte Moderna. Não tive resposta ao meu pedido, mas a capa de Ao fim da Memória  (II volume) traz um retrato da grande pintora do modernismo brasileiro Tarsila do Amaral – cuja cópia chegou às mãos de António Quadros  por meu intermédio – em 1962 gravei um depoimento da artista plástica e foi-me mostrado esse retrato (estava à venda por 70 mil cruzeiros!), que veio a ser comprado pelo Governo do Estado de São Paulo e que fui  rever na residência  estadual de veraneio paulista de Campos do Jordão – pedi uma fotografia que enviei ao amigo Quadros. (Há mais um retrato Fernanda de Castro, pintado por Anita Malfatti – a outra musa do modernismo no Brasil) e tenho o projecto  de consagrar às duas pintoras um comentário, pois trata-se do testemunho da ligação de Fernanda de Castro e António Ferro (em 1922) com os “futuristas” brasileiros.

Voltando, porém, a António Quadros, observa-se que na sua obra são constantes as referências, conforme testemunham os livros Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (com uma oportuna digressão pelo Sebastianismo Brasileiro), O Projecto Áureo ou o Império do Espírito Santo; Memória das Origens, Saudade do Futuro; Portugal, Razão e Mistério; A Idéia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 Anos, O Romance Brasileiro Actual e, sobretudo, as aproximações sugeridas em  Fernando Pessoa/ vida. Personalidade e génio.

Alguns pesquisadores e professores brasileiros começaram já a freqüentar a Fundação António Quadros (cujo acervo reúne também vasta documentação das obras de Fernanda de Castro e António Ferro, pais de A. Q. - e tudo leva a esperar que a Instituição, fundada há cerca de um ano em Lisboa possa contribuir valiosamente para a aproximação das Culturas Portuguesa e Brasileira.

(*) O Prof. João Alves das Neves emigrou em 1958 para o Brasil e tem contribuído para o melhor conhecimento de Portugal e Brasil, graças à sua actividade na imprensa, no ensino universitário e nos livros que publicou sobre temas luso-brasileiros (os seus 2 últimos estudos foram Autores da Beira-Serra, editado em 2008,  e Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo, publicado em 2009). Quem desejar contactá-lo poderá fazê-lo pela Internet: Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o JavaScript terá de estar activado para que possa visualizar o endereço de e-mail , na qual coordena 2 blogs sobre os 8 países de Língua Portuguesa http://www.revistalusofonia.wordpress.com/ e http://www.joaoalvesdasneves.blogspot.com/


AS BIBLIOTECAS ITINERANTES

A propósito do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, vieram-me à memória os tempos em que António Quadros, então responsável pelas Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, percorria Portugal de aldeia em aldeia, de biblioteca em biblioteca. Acompanhava-o muitas vezes e gostava de observar o ritual dos que, a pé, iam chegando; aproximando-se como que de um santuário, escolhiam, calma e cuidadosamente, os livros que guardariam, leriam e releriam, até que a Biblioteca sobre rodas, um mês depois, voltasse a passar pela aldeia.

Por iniciativa de António José Branquinho da Fonseca, escritor e conservador-bibliotecário, as Bibliotecas Itinerantes criadas em 1953, representaram durante anos, uma das poucas hipóteses de leitura para quem não vivia nas grandes cidades. Nessa época, as crianças não costumavam frequentar Bibliotecas e o acesso aos livros não era tão fácil como hoje, principalmente nas terras mais isoladas de Portugal mas as crianças liam e sonhavam muito mais, beneficiando das aventuras e experiências escritas por grandes autores. Um livro era, de facto, um grande amigo. Deparei recentemente, no blog www.santa-nostalgia.blogspot. com o testemunho do seu autor que, tendo vivido numa dessas aldeias, escreveu: "São inesquecíveis as recordações da chegada da Biblioteca Itinerante, com a sua carrinha enigmática, a Citroen HY, que só por si irradiava uma magia fascinante. A que vinha ao largo da minha aldeia era de cor verde velho. Tinha duas portas na parte traseira que se abriam de par-em-par e uma parte superior que abria para cima, para dar acesso ao fantástico mundo dos livros, da leitura e do fascínio das histórias e das imagens. Essa aura de reino maravilhoso era reforçada pelo tipo de leitura dos primeiros anos, onde preferencialmente eu escolhia livros de contos de fadas, repletos de reinos, reis, rainhas, princesas, gigantes, anões, fadas, feiticeiras e todo o resto da família de seres que povoam o imaginário infantil. (...) toda a malta da minha geração tem uma profunda memória e admiração pelo serviço da Biblioteca Itinerante, já que graças a ele viajámos no tempo  por reinos maravilhosos, com histórias fascinantes e aprendemos coisas do mundo que nos rodeia. Enfim, crescemos ajudados por tudo quanto aprendemos através dos livros que num momento mágico chegavam ao largo da aldeia naquelas carrinhas maravilhosas".
 

Mafalda Ferro 
In Newsletter 11 da Fundação António Quadros
Maio de 2010.


Este português que conheci

Era um homem bizarro: inquietava-o o enigma do ser, falava de Cristo com admiração, exaltava-se com a Poesia e levava a sério as crianças – tinha o direito de se fascinar mais com ideias do que com automóveis.

Vestia-se como os outros para não dar nas vistas, falava em voz baixa numa língua estranha, contrariava os seus instintos até aos limites e aprendeu tudo o que havia a aprender para experimentar sozinho a dor da limitação humana.

Ao mesmo tempo que se deixou arrebatar pelas pedras e pelas árvores, teve amigos feios, com caspa nos ombros e gravatas amarrotadas. Era tão crédulo e infantil que comovia: alugava a primeira casa que lhe impingiam, subscrevia revistas para ganhar o relógio digital, e passava cheques aos amigos sem qualquer apreensão; no fundo, no fundo, achava o dinheiro um trambolho.

Estava-se a borrifar para que os seus livros não se vendessem, porque não tinha pressa. Não precisava de se ter calado para que a sua voz se ouvisse, mas a culpa foi dele: preferiu sussurrar as suas ideias e cantar alto as dos outros. 

Inflamava-se com Homero e Sófocles, Camões e Shakespeare, Pascoaes e Pessoa, mas não fazia troça dos aspirantes ao Dom - tinha uma bondade disponível para companheiros e discípulos.

Não era desconfiado como os aldrabões e apertava a mão aos adversários porque se esquecia das ofensas.

Acreditava em coisas estranhas: que os contos de fadas não eram mentira, que havia uma transcendência nos homens e na História, que o seu País era eleito e os seus compatriotas homens de bem.

Desgostava-se com a pobreza espiritual desta geração, vestia luto pela Natureza como qualquer de nós, mas tinha uma Fé inquebrantável na fraternidade universal e cósmica.

Arranjou tempo para tudo: ajudar desconhecidos, fundar uma escola, jogar à bola com os netos, dissolver as vaidades. Uns, chamavam-lhe sábio, outros, maçador, mas ele não se ralava porque via «para além do Espelho», como só os poetas, os pensadores e talvez as crianças.

Devia ser bom, porque foi amado pela mulher durante cinquenta anos.

Partiu um dia «num barco em cuja vela branca se via uma cruz vermelha», e o bem mais valioso que deixou à família foi Portugal.

No cais, foi enternecedor encontrar todos os seus amigos e todos os seus inimigos de lenço na mão, a acenarem com a mesma saudade e a mesma vergonha. Apesar do nevoeiro, o nevoeiro mítico onde tantos heróis e poetas se perderam, houve pessoas que juram ter visto uma estrela enorme a piscar-lhe o olho.

Rita Ferro


DEPOIMENTO DE JOÃO D’ÁVILA
NO DIA DE HOMENAGEM A ANTÓNIO QUADROS


Conheci António Quadros em 1960, durante o mês de Novembro, exactamente vinte e cinco anos depois de Fernando Pessoa ter desaparecido.

Fernando Pessoa faleceu a 30 de Novembro de 1935.

Para comemorar os vinte e cinco anos desde o desaparecimento de cena de Fernando Pessoa, a “Casa da Comédia”, Grupo de Teatro criado por Fernando Amado, promoveu e encenou no Centro Nacional de Cultura, a reposição de Fernando Pessoa, através de um espectáculo onde o Poeta brilhou como jóia rara de requintado gosto, no mais belo poema dramático, jogado entre três personagens femininas, que falam e sonham com “O Marinheiro” na mais delirante e poética sonoridade que alguma vez a língua portuguesa alcançara na sua musicalidade, onde o som da palavra, clarifica e ilumina o significado, tornando o real, sonho e

onde o sonhado é ele próprio o Marinheiro, personagem inexistente, mas presente na acção mágica do Teatro musicado, através das vozes de três mulheres veladoras duma Marta que está morta.

O Marinheiro, é o V Império.

Completava o espectáculo, uma peça de Almada Negreiros “Antes de Começar”, no qual, eu, João d’Ávila, interpretava um dos personagens.

Resolveu, decidiu e quis o Secretariado Nacional da Informação, juntamente com o Instituto de Alta Cultura e a Fundação Calouste Gulbenkian, comemorar a morte de Fernando Pessoa, há 25 anos.

Para isso, eu, então finalista do Conservatório Nacional de Teatro, fui convidado para organizar espectáculos sobre Fernando Pessoa.

Criei, juntamente com outros jovens, o “Grupo Fernando Pessoa” que se estreou no Teatro do Palácio Foz, apresentando a encenação de Fernando Amado, para “O Marinheiro”, “Fernando Pessoa e seus Heterónimos”  e “Mar Português” encenados por mim (João d’Ávila).

Durante três dias houve acontecimentos sobre o Poeta, para além da apresentação teatral do “Grupo Fernando Pessoa”, entre os quais, uma palestra sobre “Fernando Pessoa e o V Império”, feita brilhantemente por António Quadros! Foi quando nos conhecemos.

Fernando Amado, Almada Negreiros e António Quadros, abriram-me as portas do mundo Pessoano. A palavra e o “persona” de Fernando, acompanham-me desde então.

Este ano, perfazem-se setenta e cinco anos desde o desaparecimento de Fernando Pessoa, cinquenta anos desde a minha estreia no mundo da Poesia, dezassete anos sobre o desaparecimento de António Quadros.

Setenta e cinco anos símbolo e realização da Terceira Era do Espírito Santo que revive no Povo Navegador da Nave Terra.

Povo, não já Profeta.

Povo Poeta, não anunciador. Presente! Agora! No sonho vivido do V Império.

O “Grupo Fernando Pessoa” apresentou-se também em dois “Festivais do Algarve”, imaginados e criados por Fernanda de Castro, grande Senhora das Artes, da Poesia e do Teatro, exactamente nos anos de 1962 e 1964.

Há cinquenta anos que sou admirador dessas duas grandes Personalidades do Século XX, Fernanda de Castro e António Quadros.

Recordo-os com saudade do futuro que na essência de ser português, é o som das palavras oníricas, mensageiras, arquétipos que fluem como Poesia amante da sabedoria e são, Número, Universo, Sonho, que se tece nas malhas do V Império.

Recordo-os com a admiração e saudade presente num ser que vive o sonho de ser tudo em todas as coisas.

Para todos, as maiores saudações e um sentido abraço do
João D’Ávila
21 de Março de 2010.
 
ANTÓNIO QUADROS

O homem inteiro, rijo, de gestos elegantes,
Impecavelmente vestido, de voz franca,
Com uma presença de sabedoria e educação
Supremas, veio cumprimentar-nos, a nós,
Os petizes sem nome. A mão era forte,
Segura, fraterna. Um mestre, um sábio?
Mais que mestre e sábio: um cavaleiro
De Portugal, porque só os que demandam,
Os que conhecem o valor do sacrifício e
O caminho na noite trazem para os outros
Um coração fundo e palpitante nas mãos.

Depois cerraram-se cortinas, lajes, portas.
Não a memória, não o exemplo e o Graal.
 
Autor: Klatuu Niktos
António Quadros

Num blog que se chama Geometria do Abismo escrevi sobre ele: «se há momentos de uma filosofia que marcam um destino, o que ele escreveu sobre o mal do positivismo traçou-me a rota mental». Devo-lhe pois tudo. Sim, foi António Quadros quem me deu a conhecer a filosofia portuguesa, quando ela já era um corpo sedimentado e sistematizado. Pela sua mão fui percorrendo os caminhos de um Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro, Santana Dionísio, José Marinho, para chegar a Brás Teixeira, Sinde Monteiro, Elísio Gala, a tantos outros que estou a ofender não lhes mencionando o nome. Conheci entre os vivos apenas Pinharanda Gomes, porque o entrevistei. O meu modo isolado de ser vedou-me outras companhias. Guiado pelas veredas íngremes da saudade e pelas alturas da Tradição, desvendando lápidas ocultas e submetido a sortilégios e outros encantamentos de um mundo maravilhoso,  foi sobretudo através dele que aprendi que só há uma filosofia magnífica da existência fora do que sofremos ser o raquitismo do existente, nas terras a que a razão não ascende, de que o racional ignora os segredos. A transcendência do humano alcança-se com essa leveza de asas, o céu como horizonte. Pressente-se quando por detrás de um sistema tranquilizante está uma angústia mansa. Eis a biografia deste homem. Um grande Homem. Deixou, mais do que uma obra, um exemplo. Faz hoje dezassete anos que se escondeu da nossa visibilidade para que o recriássemos com os remorsos da nossa memória. Ficou a obra como testemunho de que esteve aqui.

José António Barreiros
21 de Março de 2010.
 DEVO A ANTÓNIO QUADROS

Devo a António Quadros ter podido fazer o que agora, pelos vistos, é cada vez mais difícil: transmitir, passar, aos outros o que vou estudando e aprendendo. Os cursos livres do IADE, ao fim da tarde, foram momentos únicos de encontros com portugueses desejosos de saber mais sobre Portugal e os Portugueses. E isso deveu-se à generosidade de um Homem e de um Português chamado António Quadros. Que Deus o ilumine ainda mais com a sua Luz -- já que, por aqui, as trevas se vão adensando.
António Carlos Carvalho
E HÁ-DE SER UMA ESCOLA...
No ano de 1968, meu pai, António Quadros, conhece em Moscovo um companheiro de viagem, António Perez de Castro, que lhe fala do seu IADE em Madrid, uma pequena escola de decoração e moda. Juntos, sonham e estruturam o projecto IADE em Portugal. Convidam a fazer parte da recém criada sociedade, cinco amigos (dois espanhóis e três portugueses), alugam à mãe de Sebastião Lorena (um dos sócios fundadores), parte do seu palácio, mas é ainda preciso encontrar a pessoa certa para dirigir a escola. Lembro-me de, em Agosto de 1969, na nossa casa de férias na Praia das Maçãs, ter assistido a uma conversa entre o meu pai e um senhor de baixa estatura, com barba e uns olhos muito vivos, era o pintor Lima de Freitas. O convite foi formulado e aceite à minha frente. Pouco tempo depois, a direcção é assumida por meu pai que ocupa esse cargo até 1992, ano em que eu o substituo até Julho de 2009. O Instituto de Arte e Decoração - IADE, abre as suas portas em Outubro de 1969. A Decoração evolui e o IADE transforma-se no Instituto pioneiro do ensino do Design em Portugal. Quando, em finais de 2007, os descendentes dos sete fundadores vendem as suas acções, o IADE é já considerado como a melhor Escola Superior de Design em Portugal, conferindo ainda Licenciaturas e Mestrados em Marketing e Publicidade.
António Roquette Ferro


António Quadros (1923-1993)

Foi um dos principais impulsionadores da geração do "57", impulsionado pelo magistério de Álvaro Ribeiro, e por isso fortemente empenhado na formulação de uma «filosofia portuguesa».

É pois relevante a leitura do manifesto do grupo reunido em torno da revista 57, de que António Quadros foi director. Aí se indicam as chamadas «enfermidades» da cultura nacional, analisadas na base de um muito claro comprometimento com uma «filosofia da pátria». Como causas da referida doença nacional elegem a influência exagerada de correntes estrangeiras, com os seus vários «ismos», fossem elas o escolasticismo, o positivismo, o racionalismo ou o marxismo, embora com uma significativa excepção aberta para o caso do existencialismo.

Esta excepção é relevante porque para António Quadros e de um modo geral para o «grupo da filosofia portuguesa», aqueles vários «ismos» impunham um universalismo sujeito à ideia de «mesmidade», esvaziando o heterogéneo em favor do homogéneo. Nesta base, a atenção dada por António Quadros ao existencialismo, para o qual fora sensibilizado pelo seu mestre Delfim Santos, na Faculdade de Letras de Lisboa, tinha menos a ver com o seu acolhimento e difusão em bloco, pois que recusa a ideia sartreana de uma moral sem Deus, do que com o que no existencialismo se abria como possibilidade de atenção ao concreto, ao homem concreto e singular, «esse desconhecido», levando-o a defender, em Introdução a uma Estética Existencial, que o conceito de existência se deveria assumir como primitiva categoria do ser.

Daí que tanto o existencialismo como a «filosofia portuguesa» lhe parecessem meios privilegiados para conduzir ao florescimento da nossa raça. Como pano de fundo, vislumbra-se a questão das filosofias nacionais e o valor da filosofia portuguesa, portadora dos valores futuros, muito na linha de Álvaro Ribeiro, que em vez da relação hegeliana entre o ser e o não ser, preferia a relação mais aristotélica entre a potência e o acto, sendo a potência a categoria do possível, donde emergia a tentação do profetismo e do messianismo. Não que para António Quadros a verdade possuísse fronteiras, mas sim que a filosofia, por ser via e caminho, as teria certamente, não tanto físicas, mas sobretudo espirituais.

António Quadros prosseguiu nesta linha de pensamento durante mais de três décadas, ligado ao que já alguns chamaram uma «patriosofia», desenvolvida em duas vertentes complementares: uma vertente estética, ligada à fenomenologia da arte portuguesa, com especial atenção ao que considerava ser a sua dimensão simbólica, como via de conhecimento indirecto do que de mais profundo e enigmático existe no homem, em linha prosseguida por Lima de Freitas e por Afonso Botelho (Introdução a uma Estética Existencial, 1954); e uma vertente orientada para a filosofia da história portuguesa, de feição escatológica, explorando as virtualidades do mito e da saudade como sua expressão sentimental (Introdução à Filosofia da História, 1982; Portugal Razão e Mistério, 1987; Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, 1982)

Em ambos os casos, o que confere unidade à sua obra é o propósito de determinar uma razão de ser para Portugal, fundindo «memória de origens e saudade do futuro», um futuro que generosamente acreditava estar reservado ao advento do Espírito Santo, assumindo-se aí Portugal na sua teleológica razão de ser, agente principal de um projecto aureo de realização espiritual da humanidade (Portugal, Razão e Mistério).

A abertura a estes domínios do simbólico em estética e do mitológico em história, participava também da recusa de um racionalismo estrito, defendendo antes uma razão que se não pode desligar da consideração dos diversos graus da experiência do ser, mesmo aqueles que se afiguravam anteriores à lógica e ao conceito, atendendo por isso ao lugar do mistério e do enigma.

Obras
Introdução a uma estética existencial, 1954; A angústia do nosso tempo e a crise da Universidade, 1956; A existência literária, Lisboa, 1959; Fernando Pessoa, a obra e o homem, 1960; Ficção e Espírito, Lisboa, 1971; Introdução à filosofia da história, 1982; Portugal Razão e Mistério, 1987; Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Lisboa, 1982; A arte de continuar português, 1978; O primeiro modernismo português ou vanguarda e tradição, 1989.
Pedro Calafate

NO CAMINHO DE ANTÓNIO QUADROS

O
pensamento de António Quadros – original, autêntico e inédito, não alinhado com os ismos dominantes e filosoficamente correctos da sua e da nossa época - continuará a inspirar os poucos que ainda teimam em percorrer caminhos não calcorreados, pensar ideias ainda não admitidas, propor hipóteses de estudo ainda não propostas. O que os clássicos talvez tivessem chamado «maiêutica».

Ligar, uma a uma, as peças do puzzle universal, numa criatividade constante, não é para qualquer um e quem o quiser tentar precisa de boas ajudas: Quadros, Etienne e Agostinho são uma boa ajuda para o aprendiz de filósofo até 2013. E logo a seguir, Fernando Pessoa, mas esse está sempre na encruzilhada de todos os caminhos.
Lisboa, quinta-feira, 17 de Junho de 2010

I
3 PENSADORES DA UTOPIA 2013: ANTÓNIO QUADROS, ETIENNE GUILLÉ E AGOSTINHO DA SILVA
Vamos encontrar no pensamento de António Quadros (1986, «Portugal Razão e Mistério») o léxico que viria a ser sistematizado pela Gnose Vibratória de Etienne Guillé, desde 1983.

Arquétipo, Mito, Idade de Ouro, Atlântida, Legado megalítico, Hierofantes egípcios, Ideogramas, Hieróglifos, Morte Iniciática são apenas alguns bons exemplos.

Cada um à sua maneira e partindo de pressupostos necessariamente diferentes, estes dois autores – António Quadros e Etienne Guillé - convergem no mesmo objectivo principal : libertar a Razão do racionalismo, libertar Deus das religiões, libertar o Verbo da Babel das línguas, libertar a Essência de todos os acessórios que a limitam e desvirtuam, libertar os Arquétipos da tirania dos estereótipos, enfim, libertar a livre liberdade de filosofar do discurso único do filosoficamente correcto.

António Quadros e Etienne são, cada um na sua época, cada um no seu contexto cultural, cada um no seu campo de visão, pensamentos libertadores: que, ocasionalmente e desconhecendo-se um ao outro, coincidem.
Não esqueçamos, afinal, que les «beaux esprits se rencontrent».
A sincronia que um e outro defendem – e que ambos citam de Carl Gustav Jung – funciona aí e assim como um relógio de precisão.
Não será pela matemática mas pela inteligência que a filosofia se torna uma ciência de rigor.
«Ciência sem Consciência é ruína da Alma» : eis um postulado, atribuído ora a Francis Bacon ora a Rabelais, que resume a determinante destes dois pensadores contemporâneos mas contemporâneos no melhor e mais profundo sentido: coetaneos, contemporâneos e coeternos como diria genialmente o genial Agostinho da Silva, ao falar das 3 idades: Pai, Filho e Espírito Santo.
Não só porque viveram parcialmente no mesmo tempo cronológico mas porque viveram, pela intuição, por um apurado sexto sentido, por uma incessante e compulsiva criatividade, o mesmo tempo de consciência cósmica: e de novo nos surge a palavra «sincronia» que é uma sintonia à escala macrocósmica.
Atlantes e Atlântida, que a maior parte dos arqueólogos coloca na categoria dos mitos, são um ponto comum aos nossos dois investigadores: como não podia deixar de ser, diga-se de passagem.
Não só porque «les beaux esprits se rencontrent» mas porque há um ponto central no infinito e todos os que nos falam do infinito neste espaço finito, e da eternidade na nossa efemeridade, lá se encontram, tarde ou cedo. Mais cedo que tarde, à medida que o tempo acelera na contagem decrescente para o 21.12.2012.

Além do mais que poderá ter sido (continente, cultura, povo, fábula, utopia ou  História contada por Platão nos diálogos Timeu e Crítias) a Atlântida é, para Etienne Guillé, um sistema de memórias que estão no nosso ADN molecular, um nível de informação que podemos descodificar, uma frequência vibratória que traduz um nível de consciência que, através dos milénios, se foi perdendo : por razões cósmicas e astronómicas, diga-se, como um bom alibi para a espécie humana. É o  que a Bíblia nomeia com o nome de Queda e que Etienne Guillé situa 41 mil anos atrás da Era Cristã (Era zodiacal de Peixes, sublinhe-se).

Quase tudo, nesta Queda, nesta Decadência, é imputado no discurso moderno à malvadez da humanidade: mas os pontos altos e baixos dos humanos ou humanóides são resultantes da conjuntura cósmica ou, mais precisamente, da Era zodiacal.
Este pressuposto – o do ano cósmico, 25.920 anos «normais» segundo a estimativa mais fiável que conhecemos – está implícito nos nossos dois pensadores e, por vezes (mas raramente) se explicita, porque o modernismo das modas trouxe mais uma contrafacção que colocou a Sabedoria dos ciclos (ciclosofia) no limbo das iniquidades: que um intelectual deve rejeitar, se quer dignificar o nome e a classe ou elite a que pertence.

Refiro-me, evidentemente, ao equívoco da Astrologia kármica, que teve artes de reduzir ao horóscopo de 12 meses a sabedoria universal das 12 Eras zodiacais que nos foi legada pelas cosmogonias das grandes culturas da Terra: basta citar os taoístas, os hierofantes egípcios e os sacerdotes mayas (grandes astrónomos, diga-se de passagem).

Essas as fontes a que, na linha de Quadros e Etienne, deveremos recorrer cada vez com maior frequência, para saber de onde sopra o vento e qual é o rumo da viagem no caminho da Utopia, da 2ª Idade de Ouro, do Milagre.
Elas são a bússola que nos orientará no redemoinho do nosso tempo-e-mundo. Como todos reconhecem, caímos no fundo do fundo e não haverá saída sem a ajuda de um «guindaste» de grande potência.
A palavra Espírito será a que melhor se perfila para baptizar esse guindaste.
A Noologia ou Noosofia de Etienne é o estudo metódico e prático da Energia Espírito (a 3ª Idade de Joaquim de Fiore ou do Espírito Santo?).
Consideramos um desperdício não aproveitar esse método que o destino nos coloca de bandeja para individual e colectivamente superarmos o Inferno em que estamos.

Curiosamente, nem um nem outro dos nossos dois amigos, coloca explicitamente a premissa de uma contagem decrescente até 21.12.2012, cabo das Tormentas a transmutar em cabo da Boa Esperança.
Mas, implícita, ela está lá, quando ambos deixam no ar a necessidade de uma utopia. Ou seja: a situação deste tempo-e-mundo é de tal modo caótica e um buraco sem saída que só o impossível – um «milagre»?, uma «utopia»?– nos poderá individual e colectivamente salvar.
Como «milagre» continuará a ser palavra tabu entre as elites intelectuais do cientifismo racional positivista e enquanto o milagre não se tornar rotina quotidiana, vamos socorrer-nos do 3º filósofo da nossa Esperança: Agostinho da Silva.
Em linguagem simples, com palavras de toda a gente, ele vai traçando o roteiro para o caminho que leva ao impossível.
Teremos que dar um pouco mais de atenção ao que se está passando, portanto, através de poderosas iniciativas e movimentos inspirados por Agostinho, outro agitador de almas e construtor de mundos.
A mais recente dádiva que podemos e devemos agradecer já em 2010 é a revista «Cultura entre Culturas», dirigida por Paulo Borges, esse outro criador de mundos.

Será mais um impulso para – digamos – banalizar o milagre.
A construção do próximo futuro (do progresso) faz-se pelo regresso às fontes da Sabedoria: mais um ponto comum e coincidente aos 4 pensadores.
Para qualquer deles, «aprender é recordar», confirmando um outro postulado que o racionalismo e o positivismo e o cientifismo proibiram: «Somos um Espírito que tem um corpo e não um corpo que tem um espírito».
Este dizer, atribuído a Teilhard de Chardin, deixou de ter dono: as ideias, quando traduzem arquétipos da sabedoria universal deixam de ter dono e copyright.

A HIPÓTESE DE JOHN MICHELL: A SEGUNDA IDADE DE OURO

Ao postular a Utopia para 2013, podemos falar com todo o à-vontade de uma próxima Idade de Ouro, seguindo a hipótese de John Michell: a ele se deve uma viragem de 180 graus na abordagem até agora admitida de uma mítica Idade de Ouro.
Com a Atlântida e principalmente com a Lemúria teríamos vivido, de facto, uma Idade de Ouro: depois, tudo aquilo a que se chama progresso e que a Arqueologia oficial – totalmente dominada pelo darwinismo - tem reproduzido até à náusea foi apenas uma Decadência. Um dos lugares comuns da Arqueologia académica (e do darwinismo totalitário) é de que a «civilização» nasceu mais ou menos 4.000 a. C.
O que de facto se passou (e passa) e John Michell mostra é que existe hoje não uma única espécie humana mas duas: a dos que chamam progresso à Decadência e a dos que chamam Decadência à Decadência, onde fica implícita a próxima ou segunda Idade de Ouro. A Utopia conforme Agostinho da Silva a descreve, nomeadamente quando fala nas 3 Idades segundo Joaquim de Fiore.
E como o aprendiz de filósofo a formula e lega às gerações futuras.
Muito menos conhecido e popularizado do que Erich Von Daniken, o nome do britânico John Michell é uma referência incontornável na filosofia OVNI e nem só.
A sua tese sobre a evolução darwiniana virou do avesso todas as ideias estabelecidas.
Ele demonstra por A+B que viemos de uma primeira Idade de Ouro, rigorosa e meticulosamente situada na Atlântida, que por sua vez a herdou da Lemúria (Pátria de todas as Pátrias) e desde aí a decadência a que chamamos infantilmente progresso nunca mais parou.
Quem está a ver a fita ao contrário são os que ainda acreditam na ideia darwiniana de evolução e no progresso que o darwinismo adoptou como padrão para todas as patifarias e todos os cometimentos modernos.

II
FERNANDO PESSOA ENTRA NA LISTA DOS PRECURSORES

Se não fosse Fernando Pessoa e o estudo comprovativo que António Quadros lhe consagra, ainda hoje seriam tabu, entre a elite intelectual do Establishment, muitas das palavras do léxico tradicional, nomeadamente do léxico alquímico, o mais sedutor mas, convenhamos, o mais equívoco.
Arrumada esta temática no saco sem fundo da malfadada New Age e do titereteiro «esoterismo», ou do não menos patético «ocultismo», como se não fizesse parte da cultura oficial, Fernando Pessoa conseguiu tirá-la de lá e ajudou toda uma geração de intelectuais a falar sem se envergonhar, sem pre-conceitos, sem pressupostos nem estereótipos, de coisas tais como: fases alquímicas, conhecimento iniciático, graus hierárquicos de iniciação, sociedades secretas, teósofos e teosofia, filosofia hermética, adeptos, etc.
Cantonadas no gueto onde o pensamento filosoficamente correcto as metera, as correntes e escolas que se dedicaram a importar dos Orientes o discurso dito «esotérico» ficaram desde logo desbloqueadas; mais uma vez devemos a Fernando Pessoa ter quebrado o bloqueio criado à volta de coisas tais como: Sociedade Teosófica, Antroposofia, Ordem Rosa-Cruz, Tradição Templária, Maçonaria, Kaballah, Gnose e Gnósticos, Espiritismo, sempre oscilando – na corte de intelectuais do regime – entre o historicismo acrítico e pretensamente neutral e o simbolismo como artifício meramente intelectual. E mais uma vez, foi António Quadros, no estudo sobre Fernando Pessoa (capítulo 8, «Para Deus e em Deus», da obra «Fernando Pessoa – Vida, Personalidade e Génio», Ed. Dom Quixote, Lisboa, 1992) a redignificar nesse e em outros aspectos menos de acordo com o Establishment o pensamento de Fernando Pessoa e seus heterónimos.
Cantonadas, pela elite vigente, nas organizações, movimentos, livros e autores ditos «teosóficos», as ideias disconformes com a ortodoxia (ditadura) academicista, racional-positivista, cientifista, precisavam de uma forte personalidade para se impor à exigente classe dos académicos e dos intelectuais encartados.

Fernando Pessoa foi o entreposto ideal para essa transferência: não deu dignidade universitária (porque era plebeu) à teosofia e aos teósofos mas deu-lhe foral de crédito junto de alguns críticos e ensaístas mais flexíveis à variação dos léxicos (ditos) orientais ou de proveniências que não fossem as únicas geralmente admitidas pela Escolástica imperante: greco-latinos e arredores.
E vulgarizou (para o bem e para o mal, diga-se) o léxico básico que circula entre teósofos e várias escolas de Teosofia, antes enunciadas.
Desse léxico básico, podemos escolher 8 palavras-chave para uso dos que gostam de viajar com o Google na Internet:
Arcanos do Universal
Círculo iniciático
Conhecimento contemplativo
Conhecimento Oculto
Extase místico
Ocultismo
Sabedoria esotérica
Teurgia
 
Não podemos ignorar, evidentemente, os outros autores que, além de António Quadros, deram crédito e vigência às ideias «ocultistas» de Fernando Pessoa e de que é possível destacar nomes tão notáveis como António Telmo, Dalila Pereira da Costa, Pedro Teixeira da Mota, Yvette Centeno, todos eles largamente citados por António Quadros. Sempre que se trata de Fernando Pessoa, as convergências jorram de todos os lados e quadrantes…

ANTÓNIO QUADROS NA ENCRUZILHADA EXISTENCIAL

Entre a filosofia de sistema (onde positivismo e hegelianismo ocupam lugar de maior destaque), as «artes de filosofar» (consideradas pejorativamente pela ideologia dominante e predominante) e a «filosofia situada», António Quadros encontrou nas filosofias existenciais (não no existencialismo) o seu caminho para se decidir naquela encruzilhada.
Neste aspecto, dois autores parecem cruciais para fundamentar o seu caminho: Fernando Pessoa (existencialista avant la lettre) e Albert Camus, qualquer dos dois «irmãos» em espírito de António Quadros. Pelos meios de expressão utilizados, o poeta e o escritor poderiam dar forma a uma filosofia livre de compartimentos e gavetas, existencialmente situada e universal.
Não sei se, além de Quadros, houve outro nome da filosofia portuguesa que tivesse trazido «apport» semelhante ao seu: e que tivesse definitivamente consagrado, sem carga pejorativa, a «arte de filosofar» que aliás remonta aos primórdios da filosofia em todas as culturas e cosmogonias que nos deram legados universais e cada vez mais actuais.
Podemos atrever-nos a lembrar três desses legados: gnose egípcia, taoísmo chinês e cultura maya (maya galáctico). 

III
A DINÂMICA DE FILOSOFAR LIVREMENTE
PARA LÁ DO DOGMA, DA CRENÇA, DA TEORIA E DO TABU

Não se discute a língua portuguesa, não se discute a cultura portuguesa, não se discute a história portuguesa: porque havemos de discutir a «filosofia portuguesa»?
Para haver «filosofia portuguesa», aquilo que os entendidos delimitaram como tal, teríamos que postular algumas questões, umas que são dados adquiridos (estruturais, digamos) mas outras que são dados ainda em hipótese ou em tese de estudo.
Ou seja: há uma dinâmica a mostrar e a demonstrar e talvez que essa dinâmica seja o principal factor caracterizante da filosofia portuguesa, uma eterna diáspora… Talvez, sei lá, o que Paulo Borges designa de «visão armilar do Mundo».
Entre os dados adquiridos está o idioma, a língua portuguesa: é óbvio que qualquer acepção de filosofar em português, de filosofar em Portugal, deverá distinguir-se da de outras línguas.
Depois a história, mas aí é que se colocam os intermináveis desafios:
Vocação histórica de Portugal?
Há um sentido escatológico (providencialista e messiânico) no movimento dos portugueses?
Viajar será a metáfora para caracterizar a nossa maneira de filosofar?
Qual o papel dos mitos e símbolos  na caracterização-expressão do filosofar português, do filosofar em língua portuguesa?
Em terceiro lugar, a cultura.
Culturas são constelações de sabedoria em função de um determinado povo, de uma determinada comunidade, de um determinado idioma, de uma determinada tradição.
E aí coloca-se outra dinâmica em acção: até onde a tradição cultural portuguesa (e a tradição universal de símbolos e arquétipos) estruturam e modelam o filosofar de alguns dos nossos filósofos.
A dinâmica contraria basicamente a ideia de filosofia como sistema e, portanto, a história oficial que se ensina sobre os vários sistemas filosóficos.
Esse, de facto, é um dos imperialismos ideológicos que nos obrigam a suportar o dirigismo do pensamento dirigido na sua melhor forma.
Nesse sentido, esperamos ardentemente que a «filosofia portuguesa» nada tenha a ver com sistemas e filosofias de sistema.
Se a ideia de cultura é indesligável da ideia de filosofia, é evidente que para a cultura portuguesa (em língua portuguesa) haverá uma filosofia portuguesa. Sem discussão.
A razão de (ainda) se discutir a «filosofia portuguesa» talvez esteja, inesperadamente, algures onde não tem sido procurada. Na história e nos historiadores daquilo que se convencionou ser filosofia: os sistemas filosóficos.
A razão desta discussão estaria, portanto, na mania das grandezas: tudo o que não seja um grande sistema, um grande ismo, um hegelianismo ou um kantismo, não entra na categoria apriorística de filosofia. Fica quanto muito na «arte de filosofar» que ganha então um sentido pejorativo.
Só vejo nos filósofos ditos portugueses uma excepção que nunca compreendi nem consigo encaixar: o hegelianismo incurável de Orlando Vitorino… Ou, já agora, o anti-positivismo de Álvaro Ribeiro.
Toda a discussão, portanto, deriva de um pré-conceito, de um pré-juízo, de um apriori, em suma, de um dogma. Igual aos outros dogmas que a história regista: e nada como a ciência para produzir dogmas, a que se pode chamar «teorias».
O dogma da ciência (estruturalmente anti-científico…) consiste, como se sabe, em considerar que tudo está em compartimentos separados: arte, literatura, filosofia, arquitectura, etc. 
Em sentido literal, saber se existe ou não existe uma «filosofia portuguesa» é uma discussão puramente «académica».
A quem interessem as ideias e o pensamento como actividades autónomas, não classificadas em gavetas, a discussão é entre ideários e não entre sistemas.
A maior dificuldade para quem estuda o pensamento de António Quadros parece ser essa (aparente) contradição, mais ou menos expressa no trabalho que nos legou, entre uma abordagem global e uma análise específica, entre uma metodologia ensaística e uma metodologia científica (universitária?).
A natureza global do tema – a dinâmica filosófica portuguesa – contradiz um tratamento disciplinar, específico, analítico e académico - «obrigado a mote».
A autoridade académica, a disciplina científica encontra duas palavras muito usadas para ultrapassar essa dificuldade de fundo, para resolver este choque entre o universal e o particular (antinomia, aliás, totalmente artificial) : «interdisciplinaridade» e «(des)contextualizar», são expressões típicas da ortodoxia científica quando se trata de superar antinomias, reais ou imaginárias.
A incompatibilidade, no entanto, continua: o absoluto não pode ser explicado pelo relativo, o geral pelo particular, o abstracto pelo concreto, o intemporal pelo temporal, o dinâmico pelo estático, etc., etc.
Os cientistas da investigação fundamental em Biologia conhecem bem esta dicotomia básica quando referem a diferença de resultados obtida entre o que eles chamam «experiências in vitro» e «experiências in vivo».
São resultados completamente diferentes.
Resumindo e concluindo: a metodologia científica e analítica (universitária) é incompatível com a metodologia (dinâmica) ensaística: António Quadros terá conseguido ir até ao limite do possível nesta contradição. O que não será o menor dos seus méritos.

ULTRAPASSAR OS ESTEREÓTIPOS DO PENSAMENTO DIRIGIDO E OS EQUÍVOCOS DA NEW AGE

A chamada New Age (saco sem fundo onde cabe tudo, do mau ao péssimo) representa o melhor serviço prestado ao discurso dominante, estereotipando determinados temas, livros, autores e correntes que são decisivos e determinantes para pensar a complexidade do nosso tempo e mundo.
Afinal foi o que o escritor António Quadros fez no seu tempo: teve a coragem e a lucidez de adoptar temas, livros, autores e correntes que, de um lado e de outro, a elite intelectual decidira incluir no rótulo de «proibidos». Que as elites das letras, artes, ciências e universidades tornou tabus.
Ontem como hoje, há que desafiar, com coragem e criatividade, o «pensamento dirigido» pela ideologia dominante, os tabus, sofismas, estereótipos e preconceitos da ideologia dominante.
Honrar a memória e o exemplo de António Quadros é ter a coragem, como ele teve, de continuar estudando e pensando e criando à revelia da ideologia e do discurso dominantes.
Custe o que custar, há, em lista de espera, uma série de temas, autores, livros e correntes (variáveis que a elite intelectual decretou tabus) que terão de ser consideradas e principalmente integradas num projecto de estudo coerente até 2012, designado «Utopia 2013».
O que resta do espólio AC (livros e documentos) vai nesse sentido. 

IV
DAS NOMENCLATURAS DATADAS À LINGUAGEM UNIVERSAL

As discussões entre intelectuais que ainda hoje ocorrem nesta área dita «ocultista», andam quase todas à volta das nomenclaturas; muitas vezes os interlocutores estão a falar do mesmo, apenas com nomenclaturas diferentes.
Vale a pena recordar que «A Alquimia da Vida» e «A Linguagem Vibratória de base molecular», duas obras de Etienne Guillé, estabelecem hoje para todos os estudiosos um campo unificado de consciência sem as variantes lexicais. E talvez seja por isso que a obra gigantesca de Etienne é praticamente ignorada dos nossos intelectuais, mesmo os que se consideram nessa tal área da sabedoria sagrada ou talvez por isso mesmo: tendo cristalizado na nomenclatura que adoptaram (geralmente de fonte hinduísta filtrada por traduções/traições as mais diversas…), nunca conseguirão sintonizar a linguagem universal (convergente da Kaballah, aliás) criada e estabelecida por Etienne Guillé.
Mais uma vez, aprender a filosofar é uma aventura solitária e sem ajudas. Acima de tudo sem mestres. Acima de tudo sem argumentos de autoridade. Acima de tudo sem antecessores e sucessores. Acima de tudo, sem rede.

PARA LÁ DA BABEL DOS IDIOMAS
LÉXICO FUNDAMENTAL PARA GOOGLAR: 40 ITENS DE A-Z
Não é talvez o momento, mas podemos deixar aqui uma primeira amostra do léxico peculiar originado no estudo de Etienne e dos 5 livros que publicou para o grande público, uma tentativa, a nosso ver bem sucedida, de criar uma linguagem universal que estivesse para lá da Babel das Línguas…
São 40 itens para googlar:
1. A 2ª IDADE DE OURO
2. AS 9 CAMADAS DA ALMA
3. CONTINUUM ESPACIO-TEMPORAL
4. CONVERGÊNCIA HOLÍSTICA
5. COSMOBIOLOGIA
6. COSMOSOFIA
7. ECOLOGIA ALARGADA
8. ENERGIAS SUBTIS
9. ESCALA HIERÁRQUICA DE CONSCIÊNCIA
10. ESCALA VIBRATÓRIA
11. ESFERAS ENERGÉTICAS
12. ESPECTRO VIBRATÓRIO
13. ESTADOS VIBRATÓRIOS DE CONSCIÊNCIA
14. ESTAGNAÇÃO ENERGÉTICA
15. ESTUDANTE DE NOOLOGIA
16. CORRESPONDÊNCIAS MICRO/MACROCÓSMICAS
17. GNOSE VIBRATÓRIA
18. HIERARQUIA VIBRATÓRIA
19. HOMOLOGIA E ANALOGIA
20. IMUNIDADE DA ALMA
21. INTERFACES ENERGÉTICOS
22. LIMPEZA DE MEMÓRIAS
23. LINGUAGEM VIBRATÓRIA DE BASE MOLECULAR
24. MEMÓRIA CÓSMICA
25. MORFOGÉNESE CÓSMICA
26. MUNDO VIBRATÓRIO
27. CAMPO UNIFICADO DAS FREQUÊNCIAS VIBRATÓRIAS
28. PRINCÍPIO HOLOGRÁFICO DA SABEDORIA
29. ORGANIZAÇÃO VIBRATÓRIA
30. OS 12 SENTIDOS
31. PARA LÁ DOS 5 SENTIDOS
32. PIRÂMIDES VIBRATÓRIAS
33. RADIESTESIA ALQUÍMICA
34. RADIESTESIA HOLÍSTICA
35. RESSONÂNCIA VIBRATÓRIA
36. RITMOS CÓSMICOS
37. SINCRONICIDADE DE JUNG
38. TESE DE NOOLOGIA
39. UTOPIA PERSONALISTA
40. VALOR TEOSÓFICO DO NÚMERO
 Afonso Cautela
LIVRO DE FUNDO
A ANGÚSTIA DO NOSSO TEMPO
E A CRISE DA UNIVERSIDADE (*)


«Nós entendemos de que esta posição de esperança é ridícula, mas... (A Planície, 15/8/56)

O lançamento da revista 57, microfone avançado do mais importante movimento cultural que a nossa história regista, depois da Renascença Portuguesa, coloca de novo na ordem do dia o último livro do director, António Quadros, a que nos não referimos quando da sua saída mas que é agora a ocasião de salientarmos como obra capital, obra de tese, fecunda pelas hipóteses de trabalho que reúne, pela crítica que desenvolve às instituições universitárias, livro de juventude intelectual e, ao mesmo tempo, de maturidade, abordagem corajosa da problemática fulcral da hora que passa, a que nem sequer falta um memorandum bibliográfico final, necessário ao estudioso do tema a que se reporta: A Angústia do Nosso Tempo e a Crise da Universidade, um dos que deveriam vir a constituir o texto da Faculdade Central de Cultura Superior que nele se propõe.

Neste triste mister de ler livros e dizer o que se leu, é-se solicitado por tanta obra medíocre, desatento por tanto «verbo de encher», que nos sentimos desconstrangidos e à vontade por dialogar agora com quem fala uma linguagem afim da nossa, aquela que raramente ouvimos e de que andamos a aprender os balbucios, definindo-se e ajudando a definir-nos, por discordância ou concordância, na utópica ideia de um programa a que chamámos Convívio.

É claro que um livro de António Quadros, escritor de missão que é e se considera, não nos «leva para dentro», como, para citar uma nossa experiência recente, Os Cadernos de Malte Brigge ; não conheço livro que nos chame mais para o nosso egolatrismo, que mais violentamente nos reclua, que com mais força nos empurre para uma solidão que tememos, que odiamos, mas a que Rilke, o inefável, nos arrasta.

Claro: há um respeito, mais do que respeito, paixão pelos mundos subterrâneos, absurdos, essenciais, os do Anjo da Morte, os de uma longa corte de Anjos Negros.

Mas, com força igual, nos solicita o Anjo da Vida, o da Esperança, o da Aurora, o das solidões povoadas, o de Rolland, o de Bertrand Russell, o de António Sérgio, o de António Quadros.

Demasiado real, todavia, é a nossa experiência do Absurdo, por demais e tantas vezes o temos visto assimilar-se com uma essência que supomos próxima ou idêntica da Verdade, para que não receemos os entusiasmos excessivos, as filosofias salvadoras, os messianismos tromba d'água, para que tenhamos de crer os caminhos da esperança mais reais ou verdadeiros que os do desespero.

Mas haja ou não haja razão, neste final de Maio de 57, o barómetro acusa bom tempo e, climaticamente, acreditamos em António Quadros, acreditamos em todos os que falam na fé, na certeza, na esperança de redenção social do homem.

Acreditamos, enfim, em Convívio. «Lirismo e psicologia têm os seus lugares» -escreve António Quadros. Mas se estivéssemos sós, nós, poetas, escritores, filósofos, artistas, homens, deveríamos baixar a cabeça e desistir de pensar, pois a dignidade do pensamento reside precisamente na transcenção, na fuga a este cárcere ensombrecido que é o eu.

No caso português, o lirismo não será uma fatalidade do nosso condicionalismo cultural? Terá de considerar-se o lirismo uma doença estrutural ? Investigue-se a razão por que todos os dias aparecem «poetas líricos».

Poeta lírico é o homem que acorda, e o que pode o Jovem português, quando tantas ameaças o tolhem e espectralizam, fazer mais do que abrir os olhos e, de uma noite de séculos, acordar?

Mau grado a insatisfação que a tantos de nós provoca a onda lírica, teremos de continuar amarrados ao pélago inseguro mas ainda assim consentido do lirismo, do literatismo, do psicologismo, do subjectivismo. Como pode o jovem devotar-se aos grandes temas épicos de projecção futura, se o bloqueio, o assédio, só lhe criam e sobrepõem problemas e emblemas de inquietação?

Demasiado reais, esses problemas, para os meus irmãos do presente, para constituírem assim tão fantasmáticos entes do futuro. Congratulemo-nos que haja escritores para quem o menos importante de tudo seja a literatura. Mas lembremo-nos de que a literatura é ainda para muitos o único refúgio e a única vingança.

«Estamos no limiar de uma era sem precedentes na economia portuguesa», escreve António Quadros num artigo notável do Diário de Noticias, dia 9/5/57. A supremacia de uma pátria, contudo, como adverte António Quadros, não se baseia só no poderio económico mas também, acrescentamos nós, na equitativa distribuição das riquezas, pelo que me parece serem as teses de António Quadros completadas pelas de um cooperativista como António Sérgio; e na harmonia dos valores intelectuais.

Ora enquanto não descobrirmos essa nossa pedra filosofal, que é o cívico convívio de todos os intelectuais responsáveis, predipostos a uma empresa comum, não me parece que se consiga nada de estável nem de grandioso, entregue como está a nossa cultura às mãos de dúzias ou meias dúzias isoladas de homens que se hostilizam de grupo para grupo sem encontrarem, nunca mais, uma forma e uma plataforma de entendimento.

É neste futuro que acreditamos: quando todos os portugueses sintam que Portugal é a sua casa e, a maioria, não se veja obrigada a procurá-la em terras tantas vezes inóspitas, mas cujo acolhimento é talvez mais carinhoso. É preciso que nenhum português se sinta estrangeiro em sua própria terra. E só o movimento cultural que o conseguir dará corpo às profecias que o ano de 57 nos traz.

É esta também a profecia que nos achamos com o direito de buenadichar, como diria o Fialho.

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado em «Inventário», página do jornal «A Planície» que sucedeu a «Ângulo das Letras», 15- 6 - 1957.
Afonso Cautela
 
ANTONIO QUADROS – O PERFIL DE UM PENSADOR

Não existe, infelizmente, proporção entre a informação biobibliográfica escrita publicada pela imprensa e a informação veiculada pela Internet a respeito do pensador e escritor português António Quadros(14.07.1923-21.03.1993). É profundamente precária a informação sobre o escritor na Internet. Isso prejudica muito o conhecimento do pensador por parte dos estudantes de nossas instituições universitárias muito dependentes das informações da Internet e a merecida divulgação de sua memória. Após sua morte em 1993, seus amigos mais próximos do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira de Lisboa, do grupo da Filosofia Portuguesa, e de outras correntes independentes ou não, promoveram relevante movimento em favor de publicações destinadas a testemunhar a memória do extinto escritor. Sublinhamos neste caso a publicação colaborada por vários autores, intitulada António Quadros, levada a cabo pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira em 1993 e a Sabatina de Estudos da Obra de António Quadros, com a colaboração de vários autores, publicada em Lisboa pela Fundação Lusíada em 1995.

Com a intenção de preencher um pouco esse vazio na Internet, resolvemos escrever este pequeno ensaio. De um lado, para darmos aos leitores alguns dados biográficos e de produção crítica e literária do Pensador António Quadros e, por outro lado, para oferecermos algumas linhas de pensamento que formam seu específico perfil intelectual no seio da cultura portuguesa de que foi apaixonado e competente intérprete.

Enquanto ensaio feito para fins de informação, declaramos este trabalho provisório na medida em que aguardamos a oportunidade de, em Lisboa, junto a fontes credenciadas, podermos melhorá-lo, completá-lo e concluí-lo. Para a parte biobibliográfica servimo-nos substancialmente e provisoriamente das informações oferecidas pelas orelhas das publicações do biografado, pelos mini-currículos que muitas vezes acompanhavam a editoração de algumas obras e pelas achegas dadas pelos pesquisadores e seus melhores biógrafos. Entre estes, cito o artigo de João Bigotte Chorão em Biblos-Enciclopédia da Literaturas de Língua Portuguesa, vol. IV, Lisboa: Editorial Verbo, 2001 e a síntese de Paulo Alexandre E. Borges, publicada em Logos –Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. IV, Lisboa S.Paulo, 1992.

I – VIDA E OBRA
Trata-se de um dos mais ativos e produtivos escritores portugueses do século XX. Oriundo de uma família de intelectuais, teve em seu pai Antônio Ferro, amigo de Fernando Pessoa e editor do primeiro número da Revista “Orpheu” e na mãe, a poetisa Fernanda de Castro, incentivadores para uma avançada cultura, erudição e apego às letras.

Nascido em Lisboa em 1923, freqüentou em sua juventude, a Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa onde ganhou o diploma de Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas.
Sua trajetória de intelectual e de escritor, começou muito cedo. Foi um dos fundadores dos jornais de cultura Acto (1951), 57 (1957) e da revista Espiral.

Tornou-se um dos diretores do Serviço e Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, sucedendo a Branquinho da Fonseca e a Domingos Monteiro com quem trabalhou desde o início deste serviço. Foi um dos organizadores e membro da primeira direção da Sociedade Portuguesa de Escritores.Como poeta, ficcionista, crítico, pensador, filósofo e cientista da cultura, cultivou com brilho a literatura de idéias.

É claro que os arquivos da família Ferro, a Biblioteca Nacional de Lisboa, o Centro Nacional de Cultura, as editoras Europa-América, Lello & Irmão Editores e Publicações Dom Quixote, e os testemunhos dos membros ainda vivos do grupo da Filosofia Portuguesa e seus amigos intelectuais deverão ter ainda muitas memórias, informações e um rico arquivo bibliográfico para enriquecer sua memória. Apesar de estarmos longe dos arquivos lusitanos, vamos tentar agregar, mesmo assim, alguns dados ao alcance do nosso conhecimento para que não se prolongue por mais tempo na Internet o injusto vazio da memória desta grande figura da cultura portuguesa do século XX.

Há como homônimo na cultura lusitana o célebre artista plástico António Quadros, nascido em Viseu, que é um dos muitos nomes do poeta João Pedro Grabato Dias (n. Viseu, 9.07.1933-01.07.1994), ligado também à cultura moçambicana. Advertimos o leitor para que não caia na confusão misturando os dois autores. Nosso biografado é o escritor Antônio Quadros, lisboeta, fundador do movimento “57” e um dos expoentes maiores do grupo da filosofia portuguesa, criador e diretor da revista Espiral, um veiculo importante de cultura em Portugal nos anos 60 em Portugal. É desse que nos ocupamos. Quadros além de escritor de ficção, é um crítico, um filósofo, um culturalista, um conhecedor profundo da cultura portuguesa e um combatente da legitimidade e da originalidade do pensamento português. Toda a sua vida foi sacrificada na luta por estes valores. Os valores da tradição que nos dão o perfil histórico português antes e depois da estrangeirização operada desde D. João III. São esses valores, que formam o perfil identitário português, a primeira grande temática dos modernos analistas da história da cultura portuguesa, a partir de Sampaio Bruno, passando por Teixeira de Pascoaes, e por Leonardo Coimbra.
Acompanhei durante muito anos a atividade literária e filosófica de Quadros e fomos companheiros de luta defendendo a bandeira da legítima cultura portuguesa. Convivemos no grupo da filosofia portuguesa liderado por Álvaro Ribeiro e José Marinho juntamente com Afonso Botelho, Orlando Vitorino, Antonio Braz Teixeira, Antonio Telmo e outros.

Foi senhor de uma cultura rica, variada e enorme, sempre atento às correntes de pensamento crítico e filosófico. Cultivou uma profunda admiração pelas teses franciscanistas que vinham da tradição portuguesa desde a Idade Meia, veiculadas modernamente por Guerra Junqueiro, por Antônio Correia de Oliveira, pela Faculdade de Letras do Porto onde o filósofo Leonardo Coimbra, autor de uma Visão Franciscana da vida, passou aos seus discípulos Agostinho da Silva, Álvaro Ribeiro, José Marinho e Delfim Santos essa admiração. A par das teorias leonardianas, Antônio Quadros, ainda jovem, acompanhou o movimento existencial defendido por Jaspers, e Heidegger e o existencialismo de Jean-Paul Sartre, e também a fenomenologia que fazia suporte aos movimentos existencialistas e existenciais defendidos no após-guerra, sobretudo na década de 1950. Dotado de um profundo amor às coisas portuguesas e defendendo como tese o estranhamento que os lídimos representantes da cultura portuguesa sentiam pela dominação cultural estrangeira que a universidade portuguesa acolhia com estranha devoção, Quadros, na linha do neogarrettismo, e da escola de Teixeira de Pascoaes, de Leonardo Coimbra e de Alvaro Ribeiro, se postou na trincheira da defesa dos valores culturais portugueses, incluindo os valores espiritualistas que vinham da Idade Media Portuguesa, valores ortodoxos e heterodoxos que atravessaram a história com a bandeira do culto ao Espírito Santo, e que ainda hoje se manifestam em festas populares nas ilhas dos Açores e no interior de Goiás, em Pirenópolis, Brasil, e outros lugares. Tudo isto representa uma busca qualificada dos valores da cultura e uma renovação no campo do espírito. É preciso analisar com profundidade todo este trabalho desenvolvido por Quadros para resgatar o lado original da cultura portuguesa, a favor da qual se bateu a vida toda. Uma questão que o levava a se perguntar insistentemente: "Quem somos? Que deve a nossa identidade aos nossos pais e avós? Como nos marcaram eles na espiral genética e cultural? Até que ponto devemos ser-lhes fiéis e a partir de onde podemos ou devemos resistir-lhes afirmando a nossa liberdade? Para entendê-lo, precisamos de segui-lo na construção da sua obra e nas suas principais linhas de pensamento. Organizou com Branquinho da Fonseca e Domingos Monteiro o Serviço das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, de que foi Inspetor Geral e depois Diretor até 1981. Foi um dos fundadores do Intituto de Arte e Design, IADE, de que foi Diretor e Professor em História da Arte. Foi Professor de Deontologia da Comunicação social na Universidade Católica de Lisboa, no Curso de Ciências da Informação. Foi membro da INSEA –International Society for Education through Art, órgão consultivo da UNESCO, de que foi delegado em Portugal até 1981.

Participou de vários congressos, simpósios, colóquios, e seminários, onde apresentou comunicações. Destacamos:
Massificação, uniformização e criatividade, no Colóquio “Nuevas Metas para la Humanidad”, Madrid 1982; Introdução à Teoria da Identidade Portuguesa, no “Seminário sobre a Expansão da Língua e da Cultura Portuguesa no Mundo”. Universidade de Santa Bárbara, Califórnia, Santa Bárbara, USA, 1983; O Homem Português, no Colóquio “Que cultura em Portugal nos próximos 25 anos?”. Lisboa: Biblioteca nacional, 1983; Ortega y Gasset, filósofo da razão vital, no Centenário do Pensador: Lisboa, Fundação Gulbenkian, 1983; Leonardo Coimbra: Fundação Eng. António de Almeida e Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1983; Heteronímia e Alquimia, no “Simpósio Internacional sobre Fernando Pessoa”, efetuado na Universidade Vanderbilt, em Nashville, USA, em 1983; O Epos e o Mythos na Literatura Brasileira Moderna, no “I Congreso Português de Literatura Brasileira”. Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1984; Introdução ao Portugal Encoberto, no Colóquio “Que projecto para Portugal?”, integrado nas celebrações do Dia de Portugal. Viseu, 1984.Participou também do “Seminário sobre Fernando Pessoa” realizado em Paris em 1979, no Centro Gulbenkian de Cultura,

PRODUÇÃO LITERÁRIA, TEÓRICA E CRÍTICA
Introdução a uma estética existencial, 1954
A angústia do nosso tempo e a angústia da universidade, 1956
A existência literária. Ensaios. Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural, 1959
Fernando Pessoa. A obra e o Homem. Lisboa: Editora Arcádia, 1960
O Movimento do Homem, 1963
Crítica e Verdade. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1964.
O espírito da cultura portuguesa, 1967
Ficção e Espírito. Lisboa, 1971
Portugal, entre ontem e amanhã, 1976
A arte de continuar português, 1978
Fernando Pessoa. Vida,Personalidade e Gênio. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1981.
Introdução à filosofia da história, 1982
Poesia e Filosofia do Mito sebastianista. 2 volumes. Lisboa 1982-1983. Prémio de Ensaio do Município de Lisboa.
Fernando Pessoa. A Obra e o Homem . Iniciação Global à Obra. Lisboa, Arcádia, 1982, 2 vols.
Portugal. Razão e mistério. I: Introduçao ao Portugal arquétipo. A Atlântida desocultada. O país templário. Lisboa: Guimarães, 1986.
Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa. Introduções, organização, bibliografia e notas de Antônio Quadro e Dalila Pereira da Costa. Volume I. Poesia. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986.
Na Introdução cronológico-biográfica, estudam-se importantes aspectos do pensamento português.
Fernando Pessoa. Obra poética e em prosa. Volume II. Prosa. Organização, introduções e notas de Antônio Quadros. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986. 1352 pp. Os textos são precedidos de um importante estudo de A. Quadros "Situação de Fernando Pessoa na cultura portuguesa".
Fernando Pessoa.Obra poética e em prosa. Volume III. Prosa : Estética, teoria e história da literatura. Páginas de reflexão filosófica. A Realidade transcendente. Sobre Portugal e o homem português. Pensamento político (páginas polêmicas e doutrinárias). Teoria econômica. Poemas traduzidos do inglês. Bibliografia. Apêndice. Introduções, organização, bibliografia e notas de Antônio Quadros. Porto: Lello & Irmão Editores, 1986.
Na Introduçao cronológico-biográfica, estudam-se importantes aspectos do pensamento português).
Portugal. Razão e mistério. Volume II. O projecto áureo ou o Império do Espírito Santo. Lisboa: Guimarães, 1987.
A Idéia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos cem anos, 1989
O Primeiro Modernismo Português - Vanguarda e Tradição, 1989
Memórias das Origens. Saudades do Futuro. Valores, mito, arquétipos, idéias. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
Estruturas simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa, 1992.

POESIA
Além da Noite, 1949
Viagem desconhecida, 1952
Imitação do Homem, 1966

FICÇÃO
Anjo branco, anjo negro(contos), 1960
Histórias do tempo de Deus (contos), 1965, Este livro ganhou o Prémio Ricardo Malheiro, da Academia de Ciências de Lisboa e o Prémio de Novelística da Casa da Imprensa)
Pedro e o Mágico, 1973. Prémio Nacional de Literatura Infantil.
Artigos, colaboração em jornais e revistas, prefácios e introduções a livros

Quadros, António. "Mestre de mestres". Didaskalia 17, No. 1 (1987): 165-178. (Estuda o pensamento filosófico e pedagógico de Leonardo Coimbra).
"A filosofia portuguesa, de Bruno à geraçao do 57". In: Democracia e Liberdade, julho-dezembro (1987), número especial: Filosofia portuguesa actual, pp. 7-69.
“A Morte antes da Morte”.In: “Sílex”, Lisboa, n.° 4, Set. 1980, pp. 3-8
“A Propósito das «Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues». In: Modernos de Ontem e de Hoje. Lisboa, Portugália, 1947, pp. 279-290
“Da Literatura Portuguesa. Ensaio de Interpretação Fenomenológica”. In: “Espiral”, Lisboa, n.os 4-5, Inverno 1964-65, pp. 57-71
“Dos Mitos dos Heterónimos aos Heterónimos dos Mitos”. In: Actas de Um Século de Pessoa. Encontro Internacional de Estudos Pessoanos (Lisboa, 1988). Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura, 1990, pp. 247-251
“Fernando Pessoa (1888-1935)”. In: António Quadros «Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista». Lisboa, Guimarães Ed., 1982, vol. 1, pp. 113-1.30
“Fernando Pessoa, Filósofo”. In: “Diário Popular”, Lisboa, 12 Jun. 1969
“Fernando Pessoa, Patriota.” In: “O Dia”, 1, 15 e 22 Mar. e 19 Abr. 1980
“Fernando Pessoa. As Mensagens da «Mensagem». In: António Quadros «A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos Cem Anos». Lisboa, Fundação Lusíada, 1989, pp. 154-168
“Heteronímia e Alquimia ou Do Espírito da Terra ao Espírito da Verdade (1978)”. In: Actas do II Congresso de Estudos Pessoanos (Nashville, 1983). Porto, Centro de Estudos Pessoanos, 1985, pp. 457-474
Homenagem a Fernando Pessoa. Com os excertos das suas cartas de amor e um retrato por Almada Negreiros. Coimbra, 1936
“Introdução à Vida e à Obra Poética de Fernando Pessoa.” In: Fernando Pessoa - Mensagem e Outros Poemas Afins. Lisboa, Europa-América, 1986, pp. 17-95
“Introdução -II- Poemas a Portugal, 1913-1935”. In: Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa. Porto, Lello & Irmão, 1986, vol. I, pp. 103-105 e 1137-1144
“O Existencialismo de Fernando Pessoa”. In: António Quadros «A Existência Literária. Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1959, pp. 121-128
“Pessanha e Fernando Pessoa: de São Gabriel à Mensagem”. In: “JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias”, Lisboa, n° 422, 7-13 Ago. 1990
“Poesia, Drama e Metamorfose em Fernando Pessoa”. In: “Jornal de Letras e Artes”, Lisboa, ano I, n.º 1, 4 Out. 1961, pp. 6
“Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1930¬-35)”. In: “Diário de Notícias”, Lisboa, Sup. Artes e Letras, 14 Abr. 1955
“Resposta ao «Inquérito sobre Fernando Pessoa”. In: “Rumo”, Lisboa, n.º 60, Fev. 1962, pp. 139-140
“Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Poetas da História”. In: A Teoria da História em Portugal. II – A Dinâmica da História. Lisboa, Ed. Espiral, Lisboa, s.d. pp. n.° 260, pp. 210-213

Entrevistas
“Mensagem Transmite Arquétipos Universais”. Entrevista a Cecília Barreira. Lisboa, “Diário de Notícias”, 28 Mai. 1989

III – PRINCIPAIS LINHAS QUE CARACTERIZAM SEU PENSAMENTO E PRODUÇÃO LITERÁRIA E CRÍTICA

No estudo da obra e do perfil intelectual de António Quadros, é fundamental detectar algumas linhas básicas que caracterizam sua luta cultural e toda a sua personalidade de pensador e de escritor. Entre elas, colocamos: o franciscanismo, a paidéia e a identidade portuguesa, o estudo da espiritualidade e da simbologia heterodoxa do movimento religioso do Espírito Santo em Portugal desde o reinado de D. Dinis, no século XIV, o império do Espírito Santo, a existência literária portuguesa, o marco da especificidade da culturalidade portuguesa, a existência da filosofia portuguesa, a figura poética e pensadora de Fernando Pessoa, o modernismo português, os marcos referenciais do movimento da Presença e do Neo-realismo Português, o maravilhoso, o sagrado e o mítico, artes símbolo e arquétipos, Agostinho da Silva, profeta do III milênio, misticismo e espiritualismo na cultura portuguesa, existencialismo como problemática da existência e a fenomenologia como método de análise e interpretação,etc. E muitas mais linhas são passíveis de estudo em sua obra.

3.1. Franciscanismo:
O Franciscanismo é uma das pesquisas preponderantes de Antônio Quadros dentro de sua busca no âmbito da espiritualidade portuguesa, que tem em Santo Antonio de Lisboa, no culto do Espírito Santo, e no misticismo a variante do franciscanismo, presente na simpatia de Leonardo Coimbra em A visão Franciscana da Vida e em suas próprias crenças pessoais. Não é sem razão que António Quadros é autor de um estudo sobre a espiritualidade cristã na moderna poesia portuguesa, onde dá especial atenção a poemas de Rui Cinatti, de Natércia Freire e José Blanc de Portugal.
No oitavo centenário do nascimento de S. Francisco de Assis escreve sobre “São Francisco, ontem e amanhã”, onde analisa a trajetória humana e espiritual de total doação do Poverello, o que representa para Quadros “a odisséia de uma vida radicalmente ofertada” que contrasta com a mediocridade egoísta da maior parte dos humanos que lutam por ligeiras satisfações.

3.2. Paidéia e identidade portuguesa:
Se há alguma tese fundamental perseguida por Antônio Quadros que merece destaque é aquela que poderíamos chamar de busca da identidade portuguesa. Em seu livro Memórias das Origens. Saudades do Futuro. Valores, mito, arquétipos, idéias, tem um capítulo dedicado à paidéia, história e identidade. Se quiséssemos perceber, de entrada, o que o preocupa é só analisar e ver que ele pretende sobretudo chamar a atenção para a paidéia portuguesa, que aristotelicamente seria uma chamada da educação para a plenitude da cidadania que é atingida quando alguém se integra na sociedade em que vive e contribui para sua perfeição e esplendor. Para atingir este estado da paidéia portuguesa é imprescindível a liberdade criadora para construir o reduto existencial em que os cidadãos se movem. Quando Antônio Quadros se lembra de expor para os portugueses sobre a paidéia portuguesa é para lhes dizer que a paidéia não abrange apenas a educação formal exigida a todo o que deseja dizer-se civilizado mas que ela requer também uma convergência onde entram fatores formativos, culturais e éticos assentes sobre “um tecido de valores religiosos e éticos”. Admitido este pressuposto, Quadros diz aos portugueses que é imprescindível uma “estrutura cultural autônoma e vivaz” para fundamentar uma independência acional. A partir daqui torna-se necessária a construção de uma paidéia que saiba avaliar as tradições de um povo com a capacidade criativa ou criacionista do próprio povo. A defesa de uma independência de ação parte portanto da defesa de uma autonomia cultural e política. Parar a capacidade criacionista, deixar de aceitar o desafio do crescimento é ditar a estagnação e a decadência. Analisando os ciclos da história portuguesa, Quadros analisa as linhas que fizeram se afirmar o espírito lusitano nos vários desafios históricos e advoga, nas circunstâncias hodiernas do Portugal europeu, uma razão de ser coletiva para Portugal, “uma alma e um destino a cumprir na História”, cuja base só pode ser um estrutura cultural de nação, que faz a essência do homem português.

Num futuro próximo desenvolveremos as outras coordenadas do Império do Espírito Santo, da Filosofia Portuguesa. Vamos ocupar-nos agora da existência literária e da Literatura Portuguesa.

3.3. A existência literária. A Literatura Portuguesa:
Além de poeta e ficcionista, Quadros é um bom analista do fato da literatura Portuguesa. Nascido em berço de ouro, onde havia toda a informação sobre Fernando Pessoa e a Geração de Orpheu, Antonio Quadros desde cedo se familiarizou com os nomes de Pessoa, Sá-Carneiro e Almada Negreiros. A Biblioteca da casa de Quadros era especificamente rica em bibliografia sobre o modernismo português e a geração de Orpheu. Sua iniciação com a poesia e o pensamento de Pessoa, fez dele um do maiores especialistas pessoanos contemporâneos. Estudou, pesquisou, comentou, analisou e editou as obras gerais de Fernando pessoa, nas duas melhores edições que há em Portugal e que são as edições da obra completa da editora Europa-América e os três volumes em papel Bíblia da Lello e irmão Editores, do Porto. Além de Pessoa, há vários escritores e obras que passaram por sua análise. “A existência literária”, publicada em 1959, é um livro interessante para se julgar em sua significação evolutiva dentro da obra do autor. O livro é publicado nos anos áureos em que Quadros debatia a cultura portuguesa, dois anos depois de seu jornal do movimento 57 ter sido lançado e quando o debate da filosofia portuguesa corria animado no café Palladium, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, sob a batuta dos dois mestres Álvaro Ribeiro e José Marinho, com ouvintes e debatedores especiais como Sant’Anna Dionísio e outros. Neste livro destaca-se o teórico, o crítico e sobretudo o pensador literário. A estrutura do livro protagoniza o caso literário português. Em sua essência, o livro além de um capítulo sobre a teoria crítica do gêneros literários, tem como centro o notável capítulo III dedicado ao romance e poesia do neo-realismo português. Ao falar da poesia disserta sobre a imaginação e a magia da poesia de José Gomes Ferreira, neo-relista. E depois explana sobre o valor e a crise do Neo-realismo. No capítulo são destacados dois romances: “Fogo na noite escura” de Fernando Namora e “Os avisos do destino” de José Régio. Um e outro incluem na intriga romanesca o debate sobre a crise universitária e ao fazê-lo denunciam o método pedagógico estrangeirado da universidade portuguesa em desencontro frontal com a idealidade do jovem universitário português. Neste plano, Quadros aborda a estrangeirização da universidade e os reflexos dessa estrangeirização nos escritores portugueses desde os tempos de D. João III até aos Vencidos da Vida no século XIX. Em contraste com esse vazio identitário, Quadros elogia o romance de Fernando Namora que valoriza os universitários marginalizados que buscam seus próprios caminhos apesar do ambiente numa universidade positivista e estrangeirada.

Ainda no parâmetro do livro A existência literária, Quadros aborda no capítulo IV o Existencialismo de Fernando Pessoa e a personalidade literária de Vergílio Ferreira, romancista existencial para terminar com um artigo opondo a angústia germânica (fechada) à saudade portuguesa (que abre uma janela para a esperança). No capítulo V, além das tendências contemporâneas da literatura portuguesa, desenvolve dois ponto de vista sobre a obra de José Régio e consagra aos contos de Domingos Monteiro uma atenção especial, mostrando o universo novo do romance português e as novas tendências que grassavam na literatura portuguesa nos finais da década de 50.

Por esta amostragem de Existência Literária é fácil entender que as linhas de pesquisa de Antônio Quadros visam a gênese matricial da cultura portuguesa. Dentro deste horizonte, ele desenvolverá suas teses preferidas no jornal “57” e em todas as sua obras. Como complementação, neste quadro da Paidéia portuguesa, Quadros participará ativamente do debate nacional sobre a Filosofia Portuguesa. Grande parte de sua obra girará em torno do Modernismo Português, do movimento saudosista de Teixeira de Pascoaes, e sobretudo da obra de Fernando Pessoa . Defenderá a tese de que uma cultura tem de ser fundamentada numa base filosófica. Como ficcionista brilhante, o estudo do maravilhoso, do sagrado e do mítico ocupa relevante papel em suas exposições. Na fidelidade aos mestres que venerou e honrou, deu uma atenção especial a Agostinho da Silva, profeta do terceiro milênio e a Álvaro Ribeiro, mestre da Paidéia filosofia portuguesa.

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ESTUDOS SOBRE A OBRA DE ANTÓNIO QUADROS
AA.VV. António Quadros. Lisboa: Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, 1993
AA.VV. Sabatina de Estudos da obra de António Quadros. Lisboa: Fundação Lusíada, 1995
BORGES, Paulo Alexandre E.. “Quadros(António)”. In: Logos- Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. IV. Lisboa- São Paulo: Editorial Verbo, 1992.
CHORÃO, João Bigotte. “Quadros(António)”. In: Biblos- Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa. Lisboa- S.Paulo: Editorial Verbo, 2001.
GAMA, Manuel. "O movimento 57 e a filosofia portuguesa". Revista Portuguesa de Filosofia 44, No. 3-4 (1987): 383-400. (Inicia-se em 1957, com o Jornal "57", o "Movimento de Cultura Portuguesa", com vários membros do chamado "Grupo da Filosofia Portuguesa.
João Ferreira
Junho de 2005.

O MOVIMENTO 57 NA CULTURA PORTUGUESA:
Breve enquadramento histórico
 
«Aqui começa um novo ciclo da cultura portuguesa. Nós somos solidários desses milhares de jovens indiferentes à cultura, que enchem os estádios, os cinemas e os cafés.»

1 É neste tom afirmativo de quem assume a acção e a justifica como reacção face a uma avaliação negativa da realidade que o jornal 57, órgão do movimento homónimo, se apresenta em Maio de 1957. O movimento 57 apresenta-se como um «Movimento de Cultura Portuguesa», alicerçado em movimentos como o «Romantismo», a «Renascença Portuguesa», «Orpheu», e a «Renovação Democrática» que agora serão articulados como um sistema de filosofia capaz de libertar a cultura portuguesa «do imobilismo paralisante dos professores, escritores e artistas que, demissionários, utilizam a língua portuguesa apenas para servir os fins anacrónicos e utópicos de escolas e políticas que nos são estranhas e os fins egoístas dos que encaram a cultura como profissão da glória ou escape para complexos recalcados.»
3 Àqueles juntam-se ainda os «juízes frustrados que transportam para a cultura as suas íntimas e falhadas ambições de poderio, arvorando-se em censores da actividade alheia, em nome de ideias vagas, modas literárias e de relações pessoais de amizade, inveja ou ódio, mas raras vezes em nome de concepções ordenadas e válidas na linha de incidência para a expressão.»
4 A razão deste estado crítico está precisamente «nas escolas e políticas que nos são estranhas», isto é, nos vários «ismos» do pensamento que importamos, como o Escolasticismo, o Positivismo, o Materialismo Dialéctico, etc., e que se transformam «em mecanismos de opressão, por determinarem legislações explícitas ou implícitas sancionadas pela política ou circulando através de formas e relações sociais, que, desprezando o homem concreto, (…), são constantes fontes de sofrimento e permanentes geradores de ódio.»
5 O sucesso dos sistemas está, pois, em estreita relação com o «homem concreto», ou seja, na sua articulação com estudos antropológicos e cosmológicos que lhe garantam as coordenadas do espaço e do tempo que definem cada cultura. Assim, e no que toca à cultura portuguesa, a chave de ignição está na filosofia portuguesa, que tem em Sampaio Bruno o seu fundador, e no existencialismo, enquanto sistema que deu conteúdo filosófico
1 «Manifesto 57» in 57, nº 1, Cascais, Maio de 1957, p. 2
2 Dirigido por António Quadros, a quem se juntou, a partir de número 5 (Setembro/1958),
Fernando Morgado e, exclusivamente nesse número, Orlando Vitorino, o jornal 57 publicar-se-á primeiro em Cascais e, a partir do número 5, em Lisboa, de forma aperiódica, até Junho de 1962, totalizando 11 números, um dos quais duplo. Entre os seus redactores e colaboradores destacamos: Avelino Abrantes, Afonso Botelho, Afonso Cautela, Azinhal Abelho, Agostinho da Silva, José A. Ferreira, Agustina Bessa Luís, José Marinho, Fernando Morgado, Ernesto Palma, Álvaro Ribeiro, Ana Hatherly, Natércia Freire, Rui Carvalho dos Santos, Francisco Sottomayor, António Telmo, Carlos Vaz e Orlando Vitorino.
3 Ib., p. 1
4 Ib.
5 Ib., p. 2
2 à ideia de pátria tão cara às filosofias nacionais: «uma pátria é uma razão viva a mover-se para um fim e não um aglomerado de interesses egoístas».
6 Em jeito de conclusão das ideias explanadas no «Manifesto de 57», e depois de sublinhar o seu desejo e empenho no progresso de Portugal, o movimento não perde a oportunidade de sublinhar: «Divergimos de todos e combatemos todos quantos, quaisquer que sejam os seus credos políticos ou religiosos, pretendem [sic] chegar aos mesmos fins através de meios que, não se adequando à especificidade do espírito, da alma e do corpo da pátria portuguesa, mais não poderão provocar senão [sic] a dor, o mal estar, a angústia, a divisão e, principalmente, a estagnação, pela luta aniquilante de forças contrárias que se anulam mùtuamente [sic], conforme se tem verificado
tràgicamente [sic] na Europa dos últimos 50 anos.»
7 A alusão às duas grandes guerras mundiais, em que Portugal não se envolveu, não é certamente vã. Reforça a ideia da especificidade da pátria portuguesa, elemento central para justificar a política que o Estado Novo vem desenvolvendo quer no plano interno, quer no plano externo. Importa recordar
que, em 1957, precisamente, seis países europeus − o Reino da Bélgica, a
República Federal Alemã, a República Francesa, a Republica Italiana, o Grão-
Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países-Baixos, − assinaram o Tratado
de Roma, através do qual instituíam a Comunidade Económica Europeia (CEE)
e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou Euratom). Portugal,
tal como Inglaterra e outros Estados, mantém-se alheado desta construção de
natureza integradora. Os fundamentos dessa posição encontram-se desenvolvidos em diversos números do 57, nomeadamente pela pena de
António Quadros, que sublinha «o risco de pôr nas mãos dos países numèricamente [sic] dominantes, a nossa responsabilidade vital como povo
com uma missão a cumprir», uma missão que se iniciou com os descobrimentos e que tem como ideal a salvação da humanidade por via da «aliança, que não a fusão, de todas as autenticas religiões». Daí que, concluiu,
«o nosso epicentro é no mar e por isso o nosso verdadeiro e primeiro movimento de aliança, não é o da terra, da Europa espanhola, francesa ou germânica, mas o que reúne as costas da Inglaterra, do Brasil, da África e da
Ásia».
8 Esta visão messiânica da história de Portugal serve também para legitimar a política ultramarina, isto é, de manutenção das colónias portuguesas, crescentemente contestada no âmbito da Organização das Nações Unidas. O quadro da Guerra-Fria que se estabelecera entre as duas grandes potências emergentes da II Guerra Mundial, os Estados Unidos da América e a União
Soviética, tornara-se favorável às reivindicações do chamado Terceiro Mundo.
Em 1955, na Conferência Bandung, na Indonésia, são aprovadas importantes resoluções sobre a igualdade de todos os povos e o seu direito à autodeterminação.
O movimento independentista tornara-se imparável. Em clara oposição ao espírito do tempo, o 57 desenvolve em diversos textos uma fundamentação doutrinária em defesa do império português, em clara sintonia
6 «Manifesto sobre a Pátria», in 57, nº 2, Cascais, Agosto de 1957, p. 1
7 «Manifesto 57» in 57, nº 1, Cascais, Maio de 1957, p. 2
8 «O Movimento do Homem», in 57, nº 6, Lisboa, Março de 1959, p. 16
3 com a política do Estado Novo. Esse corpo teórico vai-se definindo à medida
que, no terreno, vão ganhando expressão e vitórias as lutas pela libertação das colónias, culminando no «Manifesto à Nação» publicado, em Abril de 1961, em diversos jornais, já que o 57 não editou nesse ano. O documento, reproduzido no nº 11 do 57, de Junho de 1962, é uma reacção ao episódio que marca o início da Guerra Colonial, o assalto à cadeia de Luanda e a uma esquadra da
polícia por parte de militantes do MPLA, em 4 de Fevereiro de 1961. Nele se reconhece que «a existência de populações em estado de barbárie ao fim de quatro séculos de ocupação, é um elemento contra os portugueses» e se apresentam propostas concretas para a solução dos problemas mais prementes. Mas não deixa de considerar que «o abandono das províncias ultramarinas representaria não apenas uma decadência de imprevisíveis consequências como a barbarização de territórios e populações a respeito das quais assumimos inalienáveis compromissos civilizadores».
9 Também no plano das políticas internas é evidente a sintonia entre muitas das teses defendidas pelo movimento de cultura portuguesa, através do 57, e a acção do regime. Não é possível analisar aqui todos os paralelismos, mas a título de exemplo invocamos as ideias desenvolvidas por António Quadros no texto «O movimento do Homem», onde os repudia o sistema democrático baseado em partidos políticos, considerando que nesse modelo «Não é a pátria global, não é o estado global, sintetizado embora organicamente [sic], que se auto-governa, mas sim uma parte, um partido, um fragmento, que pretende impor a sua vontade à totalidade, à globalidade dos homens que formam o povo.»
10 Perspectiva que evoca a defesa da «democracia orgânica», apartidária e tão cara ao regime. À parte estas posições de natureza conservadora, são de registar as intenções do movimento de querer contribuir para a dinamização da cultura portuguesa, nomeadamente através da apresentação de propostas pragmáticas para a sua defesa e desenvolvimento em todos os domínios, bem como pela divulgação e promoção do que é «nosso», quer se trate de tradições, pensadores ou artistas.
 
Bibliografia: GAMA, Manuel, O movimento 57 na cultura portuguesa, Lisboa,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, Col. Biblioteca Breve, 116;
PIRES, Daniel, Dicionário da Imprensa Literária Portuguesa do séc. XX, Lisboa,
Grifo, 1996.
 
9 «O Movimento da Cultura Portuguesa no ano de 1961», in 57, nº 11, Junho de 1962, pp. 8-9
10 «O Movimento do Homem», in 57, nº 6, Lisboa, Março de 1959, p. 17
Rita Correia
14 de Maio de 2007.