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Newsletter Nº 137 / 14 de Julho de 2018
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE

01
António Quadros, 95 anos depois: o nascimento, por Fernanda de Castro.

02 Prémio António Quadros 2018 TURISMO.

03 – Margarida de Magalhães Ramalho: nota biográfica.

04 – A presença de Augusto Cunha na Fundação António Quadros.

05 – Visita da Universidade Sénior do Mondego à Fundação António Quadros, por Fausto Correia.

06 A Voz dos Sinais, por Francisco d'Orey Manoel.

07 Livraria, Promoção do mês: Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro?


EDITORIAL

por Mafalda Ferro

António Quadros, o meu pai, faria HOJE, dia 14 de Julho, 95 anos.

A Fundação evoca este dia, através da Memória e palavras da sua mãe.

Ainda em homenagem a António Quadros, divulga-se hoje, como é habitual neste dia, a identidade da Personalidade galardoada como Prémio António Quadros, este ano na temática TURISMO.
A Fundação António Quadros agradece e felicita todos os membros do Júri pela competência, seriedade e profissionalismo como decorreu o processo, em especial a José Guilherme Victorino pela forma como conduziu os trabalhos. 


No passado dia 29 de Junho, a Fundação recebeu a visita de um grupo de alunos da Universidade Sénior do Mondego, em visita de final de ano lectivo, alunos e professores das disciplinas de «Patrimónios com História» (docente: Dr. Fausto Correia) e «Clube de Leitura» (docente: Dra. Alice Luxo).


Exerci a minha actividade profissional durante 34 anos na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: primeiro, no Parque Infantil de Santa Catarina (um dos 5 Parques Infantis que, criados por Fernanda de Castro, viriam a ser doados à Instituição) e, até 2011, no Arquivo Histórico da Misericórdia de Lisboa onde aprendi com o seu director Francisco d'Orey Manoel, sobre as boas práticas de arquivo.

A Misericórdia de Lisboa faz este mês 520 anos e há que a felicitar, bem como a todos os que contribuíram ou contribuem para o inesgotável apoio que tem sido concedido aos mais desfavorecidos da cidade de Lisboa.


Publica-se aqui, em homenagem a esta Instituição que continua a trabalhar "Por Boas Causas", um artigo de Francisco d'Orey Manoel que, além de continuar a dirigir o Arquivo Histórico da Santa Casa, é também vice-presidente da Fundação António Quadros. Este artigo informa sobre uma das principais actividades da Misericórdia durante os seus primeiros anos: a criação das crianças expostas na Roda.

Durante a minha passagem pelo Arquivo da Misericórdia, colaborei no tratamento de muita documentação, especificamente no acompanhamento e registo dos seus processos de restauro e na divulgação da História e do acervo através de visitas guiadas e palestras, mas os Sinais dos Expostos, talvez pela sua faceta humana e afectiva, exerciam em mim um enorme fascínio, assim como os processos de atribuição de Dote ou os Prémios às bem casadas, entre muitos outros.



Se ainda não conhece e tem oportunidade de visitar este Arquivo e/ou consultar o seu acervo que documenta os 520 anos da Santa Casa, marque a sua visita; vai encontrar um lugar mágico, ser recebido por técnicos fantásticos e aprender como deveriam funcionar todos os arquivos.
Aliás o mote deste Arquivo é «
Guardar a Memória e Implementar Boas Práticas Arquivísticas». .

 
Ainda homenageando a Instituição que Fernanda de Castro escolheu para continuar a sua obra social e pedagógica, publica-se aqui a imagem de um dos documentos preservados no Arquivo Histórico da Fundação António Quadros: o manuscrito do poema "O Cauteleiro" de Fernanda de Castro.

Em homenagem ao TURISMO, temática do Prémio António Quadros 2018, a Fundação disponibiliza em promoção muito especial, durante dois meses, até 14 de Setembro: Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro?

 
01 – ANTÓNIO QUADROS: O NASCIMENTO,
por Fernanda de Castro (excerto de "Ao Fim da Memória I")

 

Quando o António partiu para o Brasil com a Lucília e com o Erico Braga, já tínhamos alugado casa, esta casa onde vivo há sessenta anos, nesta rua que, para mim, será sempre a Calçada dos Caetanos. A casa era boa e bonita, estava bem situada, mas de tal modo velha e estragada pelos anos e pelo abandono, que, como já disse, só poderia ser habitada depois de grandes obras: substituição dos canos de água, furados como passadores, e, sobretudo, a instalação de uma casa de banho.


Quando voltámos, fomos, pois, para casa dos meus sogros, que gentilmente nos convidaram. A minha sogra tinha fama de rabugenta e o meu sogro de ser um pouco mal-humorado e de poucas falas, mas confesso que nunca me arrependi de aceitar o convite, porque naquela casa nunca me senti nora, mas filha. […] 
Chegámos a Lisboa por volta de 15 de Maio e eu estava à espera de um filho que devia nascer por volta de 15 de Julho.

E assim foi: o António nasceu no dia 14 de Julho, no signo de Câncer, no dia do aniversário da Tomada da Bastilha. Não me apetece falar deste momento terrível da minha vida, mas seria cobardia calar uma tão dolorosa como maravilhosa realidade. Durante vinte e seis horas julguei, a todos os instantes, que ia morrer. Se fosse hoje, o caso tinha-se resolvido facilmente com uma cesariana, mas, naquele tempo, por ignorância, ética ou sadismo, os médicos achavam que era assim mesmo, como a Natureza mandava e o mais que me fizeram foi darem-me um cálice de vinho do Porto, que me soube a veneno. De repente, quando julguei que já não havia salvação, o meu filho nasceu num grito que, se ainda era de dor, era já também de alegria, de imensa alegria! Fechei os olhos e todos julgaram que eu tinha perdido os sentidos. Mas não: o que eu queria era ignorar como o consegui, toda a parte menos bela daqueles momentos em que só se deveria ver astros, pássaros, flores!

 

Acordei ou fingi acordar, quando me senti refeita, purificada, numa cama fresca, lavada, com lençóis de linho e rendas feitas pela minha sogra. O meu marido, mais nervoso do que eu, sentou-se na borda da cama e disse-me ao ouvido:

– Perdoa-me, eu não sabia que se podia sofrer tanto!


Sorri, apertei-lhe as mãos e perguntei-lhe:

– Estás contente, o nosso filho é bonito?

– Uma maravilha! Vais vê-lo.

 

Aqui tenho de dar uma pequena explicação: eu tinha feito prometer à minha sogra e à minha cunhada que só me levariam o menino (ou menina) depois de lavado, empoado, vestido com as roupas que eu própria tinha feito, e que tinha escolhido para aquele momento, com babete, fio de oiro, medalhinha e tudo! Elas cumpriram a sua promessa e assim, quando mo trouxeram, fiquei completamente deslumbrada! Tanto eu como o meu marido éramos morenos, de modo que eu contava com um bebé escurinho, de cabelos pretos espetados, com olhos castanho-escuros. Imaginem, pois, o que eu senti ao ter nos braços um lindo bebé branco e rosado, completamente careca e com uns grandes olhos azuis muito abertos, logo nas primeiras horas de vida. Completamente esquecida das vinte e seis horas que passara num inferno, estava agora no céu, com o Menino Jesus nos braços!

 

Sempre disse, e hei-de dizê-lo até ao fim, que a hora suprema da vida de uma mulher normal é aquela em que lhe nasce um filho. Tudo o mais é literatura barata ou sofisticada. Esta é que é a verdade, a grande, a sublime revelação da vida, no seu mais profundo sentido cósmico

 
02 PRÉMIO ANTÓNIO QUADROS 2018 TURISMO,
por Mafalda Ferro

O Prémio António Quadros foi instituído em 2011 pela Fundação António Quadros, com o objectivo de, celebrando a vida e a obra de António Quadros, António Ferro e Fernanda de Castro, promover, divulgar e apoiar a Cultura, a Acção e o Pensamento portugueses nas suas múltiplas expressões e géneros.

Desde então, o Prémio António Quadros foi entregue:

Em 2011 (Filosofia) a Afonso Moreira da Rocha; em 2012 (Poesia) a Luís Filipe Castro Mendes; em 2013 (Romance) a Teolinda Gersão; em 2014 (Literatura Infanto-Juvenil) a Lara Xavier; em 2015 (Imprensa) ao Jornal expresso na pessoa de Francisco Pinto de Balsemão; em 2016 (Teatro) a Carmen Dolores; e em 2017 (Fotografia) a Pedro Letria.

Este ano, a temática escolhida foi o TURISMO, actividade a que o patrono da Fundação e os seus pais dedicaram parte da sua actividade, com especial ênfase à figura de António Ferro considerado um dos nomes grandes do Turismo em Portugal.


O Processo de atribuição foi coordenado por Mafalda Ferro e José Guilherme Victorino.


Com grande alegria, comunicamos que, por deliberação de um júri presidido por José Guilherme Victorino e também composto por Carla Ribeiro, Celestino Domingues, Filomena Figueiredo e Mafalda Ferro, o Prémio António Quadros 2018 TURISMO será entregue, a Margarida Magalhães Ramalho.


A cerimónia de entregue decorrerá na Fundação António Quadros, em Rio Maior, em data a anunciar brevemente.


Na próxima newsletter (14 de Agosto) publicar-se-á o relatório do júri bem como as notas biográficas dos jurados.

 
03 MARGARIDA DE MAGALHÃES RAMALHO,
nota biográfica


Margarida de Magalhães Ramalho nasceu em Lisboa em 1954 e é licenciada em História da Arte.


Entre 1987 e 2005, foi responsável pelas escavações arqueológicas na Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, em Cascais, tendo publicado estudos nesta matéria.

Entre 1993 e 1998, pertenceu aos quadros da EXPO'98 e comissariou as exposições:
- «Porto 1865 – Uma Exposição» (Palácio Nacional de Soares dos Reis, 1994);

- «D. Carlos de Bragança, A Paixão do Mar» (1996, Museu de História Natural de Lisboa).

Como freelancer, comissariou sozinha ou em parceria exposições como:
- «Liberdade e Cidadania» [parceria] (1999);
- «90 anos de Turismo (2001)»;
- «150 anos dos caminhos-de-ferro» (2006);
- «António de Medeiros e Almeida, O triunfo de uma vida» [parceria] (2011).

No âmbito das comemorações do Centenário da República, foi comissária executiva da exposição:
- «100 Anos de Património, Memória e Identidade» (2010).


Desde 2000 que a sua área de investigação se tem centrado na passagem dos refugiados por Portugal durante a II Guerra Mundial. 
Nesse âmbito, foi coautora e responsável pelos conteúdos científicos do Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes e comissária da exposição «Lisboa, a Última Fronteira» (Torreão poente do Terreiro do Paço, 2015) [coautoria].

Em 2012
, participou no Colóquio "Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro?" com a comunicação "Estoril e Cascais: duas praias, a mesma vocação turística", organizado pela Fundação António Quadros que publicou ainda o livro de actas do colóquio, com o mesmo título.

Foi responsável científica pelos conteúdos do «Memorial Vilar Formoso, Fronteira da Paz», inaugurado em 2017. No âmbito deste museu recebeu o Prémio APOM 2018 para a categoria Investigação.


Colabora com
a revista Egoísta e com o jornal Expresso.

PUBLICOU DIVERSAS OBRAS DAS QUAIS SE DESTACA
:
- Comboios com Histórias (Assírio e Alvim, 2000);

- Fotobiografia do rei D. Carlos (Circulo de Leitores, 2001);

- Fortificações Marítimas da Costa de Cascais [coautoria] (Quetzal, 2002);

- Uma Corte à Beira Mar (Quetzal, 2003);

- D. Carlos de Bragança – Cadernos de Desenho (Inapa, 2003);

- Aldeias Históricas (Inapa, 2004);

- 1908 - um olhar sobre o Regicídio  (Sextante, 2008);

 - Fotobiografia de Amadeo de Souza Cardoso [coautoria], (Círculo de Leitores, 2009);

- Barcos na Pintura, um mar de histórias (Scribe, 2009);

- O Estoril, na Vanguarda do Turismo (By The Book, 2010);

- Lisboa na pintura, um olhar sobre a cidade (Scribe, 2010);

- Escrever sobre Sintra (By The Book, 2010);

- Portugal na Pintura, Viagens na nossa terra (Scribe, 2011);

- Lisboa uma cidade em tempo de Guerra (INCM, 2012);

- D. Fernando II e a Condessa d’Edla, os Criadores da Pena (Parques de Sintra, 2013);

- Vilar Formoso, Fronteira da Paz (Câmara Municipal de Almeida, 2014);

- António de Magalhães Ramalho, fundador do INII e pioneiro da investigação industrial (By The Book, 2014);

 - 900 anos a irritar os espanhóis (Matéria Prima, 2014);

- O Comboio do Luxemburgo, os refugiados que Portugal não salvou em 1940 [coautoria] (Esfera dos Livros, 2016);


A SAIR:

- Thomaz de Mello Breyner, Relatos de uma época. Do final da monarquia ao Estado Novo (INCM).

 
04 A PRESENÇA DE AUGUSTO CUNHA NA FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS,
por Mafalda Ferro


Escritor, cronista, novelista, humorista, palestrante, dramaturgo e amante profundo do teatro em todas as suas vertentes, poeta, modernista, autor de textos de crítica literária e de espectáculo, de textos de divulgação turística, Augusto Cunha publicou obras literárias e marcou presença constante na imprensa portuguesa,
colaborando assiduamente em inúmeros periódicos da época dos quais se destaca «Portugal Colonial», «Portugal Cine Revista», «Ilustração Portuguesa», «A Voz», «Gazeta dos Caminhos de Ferro», «Domingo Ilustrado», «Notícias Ilustrado», «Sempre Fixe», «Diário de Notícias», «Diário da Manhã», «Diário de Lisboa», «Notícias de Lourenço Marques», «Primeiro de Janeiro», «Comércio do Porto», «Atlântico», «Panorama», «Acção», entre muitos outros.

Augusto Cunha (1894-1947) reuniu e produziu ao longo dos seus curtos 53 anos de vida, um importante conjunto de documentos, obras literárias e obras de arte.


Desde 2013 que a Fundação António Quadros tem estado a integrar este acervo no seu património, fruto de doações de vários membros da família, nomeadamente do seu neto Pedro Manuel MacCarthy Ferro da Cunha e do seu bisneto Pedro MacCarthy da Cunha.


O percurso e o espólio de Augusto da Cunha estão intrinsecamente ligados aos de António Ferro, tantas foram os projectos que trabalharam em conjunto, os amigos que partilharam, o bairro onde nasceram e cresceram e a família que, fruto do casamento de Cunha com a irmã de Ferro, passou a ser a mesma.

Aos filhos de ambos, primos direitos (António Gabriel e Fernando Manuel de Castro e Quadros Ferro + Maria Helena e Pedro Henrique Tavares Ferro da Cunha, todos nascidos no mesmo quarto em casa dos avós comuns António Joaquim Ferro e Helena Tavares Afonso Ferro), uniu-os sempre uma profunda amizade e constante convivência, assim como aconteceu com os seus netos (António, Mafalda e Rita Roquette Ferro + Pedro, Patrícia e Filipe de MacCarthy da Cunha.

 

Em cima:  (1) Augusto Cunha;  (2) Augusto Cunha com Umbelina Ferro; (3) Pedro, Umbelina e António Ferro com os pais António Joaquim e Helena Ferro.


Em cima, à esquerda: Fernando e António Quadros Ferro com o primo Pedro Ferro da Cunha.
Em cima, à direita: Pedro Cunha com Rita Ferro; António Ferro com Patrícia Cunha; Mafalda Ferro com Filipe Cunha.

Em baixo: 
Elementos das duas gerações seguintes.


O Fundo AFC divide-se hoje nas seguintes séries: Contabilidade, finanças e saúde; Correspondência; Documentos pessoais e de família; Escritos e actividades de António Ferro; Escritos e actividades de Augusto Cunha; Escritos e actividades de Fernanda de Castro; Escritos e actividades de outros autores; Fotografias; Música; Recortes de Imprensa.

 

Pode agora consultar no Sítio da Fundação, a cronologia biobibliográfica de Augusto Cunha e a informação já recolhida no decorrer do tratamento deste riquíssimo acervo, agora propriedade da Fundação António Quadros e integrado nas séries «Escritos e actividades de Augusto Cunha», « Escritos e actividades de António Ferro », «Recortes de Imprensa», «Documentos pessoais e de família», «Correspondência», «Fotografias» e «Colecção de Arte»:


http://fundacaoantonioquadros.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=263&Itemid=357
 
05 VISITA DA UNIVERSIDADE SÉNIOR DO MONDEGO À FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS,
por Fausto Correia

 

No prosseguimento do tema abordado nas aulas da disciplina Patrimónios com História, e com a participação da disciplina Clube de Leitura, os alunos da Universidade Sénior do Mondego (USM) visitaram a Fundação António Quadros.

À chegada a Rio Maior, e antes da visita à Fundação António Quadros, os alunos seniores realizaram uma curta visita à Biblioteca Municipal Laureano Santos, um dos equipamentos culturais do concelho de Rio Maior, edifício construído de raiz e especificamente para a função a que se destina: a de Biblioteca Pública.

Seguiu-se a visita à Fundação António Quadros - Cultura e Pensamento, um dos momentos altos do dia, também integrada no mesmo edifício e que tem por fim o estudo e a divulgação do Pensamento e da Obra de António Quadros, Fernanda de Castro, António Ferro e de quaisquer personalidades de mérito.

A sua mentora e Presidente, Mafalda Ferro, fez para o grupo uma apresentação riquíssima não só da Fundação, mas também de toda a história da família da qual faz parte. As várias manifestações expressas por elementos do grupo revelaram bem o interesse despertado por este primeiro contacto com esta Fundação e a sua Presidente, primeiro contacto, pois, logo ficou a promessa e o desejo de uma nova visita da Universidade Sénior do Mondego.

A Universidade Sénior do Mondego é uma das valências do CIM, Centro Intergeracional Mondego, da Fundação ADFP, localizado na freguesia de S Martinho do Bispo, Coimbra. Neste centro funcionam também uma creche e duas salas de infantário com ensino pré-escolar.

 
06 – A VOZ DOS SINAIS (excerto), 
por Francisco d'Orey Manoel

As Misericórdias foram assumindo, ao longo dos tempos, várias iniciativas de apoio aos mais desfavorecidos. No século XVI foi-lhe atribuída, entre outras, a incumbência da criação e educação das crianças órfãs e dos enjeitados da cidade de Lisboa. Estas crianças, depositadas na Roda dos Expostos, eram, usualmente, acompanhadas por marcas de identificação ou de protecção que nos revelam sinais de outros tempos.

D. Leonor (1458-1525), mulher de D. João II e irmã de D. Manuel I, era uma rainha profundamente enraizada no espírito humanista, característico do Renascimento. Estimulou pensadores, apoiou artistas e escritores, promoveu o teatro e a produção tipográfica. Esta figura maior da História de Portugal teve também uma actuação importante no que se refere aos mais desfavorecidos, nomeadamente, através da fundação do primeiro hospital termal (nas Caldas da Rainha) e da criação das misericórdias portuguesas. A Misericórdia de Lisboa foi precursora de todas as outras que com o apoio da Coroa foram sendo instituídas em numerosas localidades.


Um dos seus objectivos era incentivar todos os membros da sociedade a participarem numa organização que pretendia levar a cabo iniciativas concretas, no sentido de resolver os graves problemas da população mais desfavorecida, muitos dos quais se tinham vindo a acentuar com o incremento da expansão marítima. Através da estrutura organizativa desta nova Irmandade, pretendia-se também uma integração social, cada vez mais efectiva dos diferentes extractos. Nesse sentido, o Compromisso da Misericórdia determinava que metade dos membros da Confraria fossem de condição nobre e os restantes, obrigatoriamente plebeus.


Todos os irmãos tinham como missão pôr em prática as 14 obras de misericórdia (sete espirituais e sete corporais), inscritas no Compromisso, vestir os nus, assistir aos enfermos, dar de comer e de beber e conceder guarida aos necessitados, eram algumas das obras de misericórdia que os membros da Irmandade deviam cumprir. Também lhes era solicitado que promovessem a paz, assim como a reconciliação entre pessoas desavindas, através de acções concretas, tais como perdoar e corrigir quem errava, dar bom conselho e consolar quem estava desanimado. O programa era tão vasto e exigente que englobava a participação em cerimónias de enterro de defuntos, o acompanhamento dos encarcerados, a recolha das ossadas dos justiçados e o apoio aos condenados à morte. É importante salientar que, neste período, os presos viviam em situações extremamente dramáticas, uma vez que era frequente serem as próprias famílias a ter que suportar os encargos com a sua alimentação, vestuário e medicamentos.

Também neste campo, as Misericórdias passaram a desempenhar uma acção primordial que, ao longo dos tempos, foi apoiada por legislação específica, com o objectivo de melhorar as suas condições.


Através duma vivência religiosa (que se pretendia cada vez mais activa), os membros desta nova Confraria passaram a promover, de forma mais intensa, o respeito e a dignificação do ser humano.


Ao longo dos tempos, as misericórdias receberam sempre importantes apoios dos monarcas, através da concessão de privilégios, doações avultadas, incluindo as de importantes instalações, não só no Reino d'aquém, mas também no d'além-mar. A população em geral também contribuiu com o seu apoio a estas irmandades, confiando-lhes diversos bens em testamento […].


As Misericórdias foram assumindo, progressivamente, um maior número de funções, o que originou uma estrutura orgânica mais complexa e uma inerente especialização dos diversos cargos. No caso da Misericórdia de Lisboa, foi-lhe incumbida, ainda durante o século XVI, a administração do Hospital de Todos os Santos, assim como a criação e a educação das órfãs e dos enjeitados da cidade.


A criação dos expostos ou enjeitados foi, desde cedo, uma das principais actividades da Misericórdia de Lisboa que estabeleceu uma estrutura bem organizada, com livros de registo e documentação de controlo, que nos permite constatar o cuidado com que a Santa Casa desenvolvia essa actividade.


De facto, o sistema de recolha de crianças através da Roda era uma resposta possível, da sociedade, para fazer face às profundas dificuldades com que se deparavam numerosas famílias. Na grande maioria desses agregados, os rendimentos eram muito reduzidos, o que não permitia o sustento de um elevado número de filhos. Também é referido, como causa de exposição, a partida do pai num navio, a morte de um dos progenitores, assim como a doença ou a incapacidade física de um familiar. Esse sistema tinha como finalidade apoiar as pessoas mais carenciadas e, através dele, pretendia-se reduzir a mortalidade infantil, contribuir para a eliminação do infanticídio e evitar, ao máximo, a morte de bebés sem que estes tivessem recebido o sacramento do baptismo.


A sociedade encarava esta situação, não como um abandono, mas, antes, como uma entrega temporária de um menor, a uma entidade credível e respeitada. Como tal, os pais costumavam deixar sinais ou marcas identificadoras e de protecção. Estes sinais eram constituídos, muitas vezes, apenas por um texto (que designamos por "escrito"), onde eram fornecidas algumas informações sobre a criança exposta:

Data e hora de nascimento; nome pretendido; referência ao facto do menor já ter sido baptizado, ou demonstrando expresso desejo para que lhe fosse ministrado esse sacramento; pedido específico para a criança ser bem tratada; explicação sobre as razões que levavam à exposição do descendente; descrição das características físicas ou do seu estado de saúde; relação do enxoval que acompanhava o bebé; solicitação para não entregar a criança a uma ama residente fora de lisboa; nota referindo a intenção de recuperar o filho logo que tal viesse a ser possível, ou ainda a indicação de outros elementos considerados pertinentes.


Parte destes "escritos" eram acompanhados por uma fita ou um pedaço de tecido; mais raramente surgia outro tipo de acessórios, tais como, um retrato do progenitor, um cartão-de-visita, uma trança de cabelo da Mãe, brincos, fios de prata, colares de missangas, pautas musicais, dados ou cartas de jogar, bilhetes de lotaria, e ainda muitos outros sinais acessórios. Em diversos casos, os pais conservavam metade ou o par deste sinal, para que, no acto de recuperação, pudessem ser associados à criança (sinais identificadores).

Também se verificava a entrega de sinais complementares, constituídos por imagens do santo da devoção dos pais, representações de Cristo ou de Nossa Senhora e orações, cuja intenção seria proporcionar-lhe uma protecção espiritual. Por outro lado, apareciam sinais formados por peças relacionadas com preconceitos e superstições, tais como figas, trevos de quatro folhas ou sino-saimão.


Alguns autores chamam à atenção para o facto de determinados sinais não constituírem indícios fidedignos de autenticidade das informações que contêm. Esta deliberada falta de veracidade por parte dos pais, tinha como objectivo proteger as crianças, através de uma identidade forjada que, supostamente, lhes concederia atenção e cuidados especiais.


Para a criação destes expostos a Misericórdia recorria a amas de leite (nos primeiros tempos de vida) e a amas de seco (para a sua educação e formação). Por volta dos 7 anos de idade, os expostos eram entregues a famílias que tinham como principal objectivo ensinar-lhes um ofício, de modo a dar-lhes acesso a um futuro mais autónomo.


Uma pequena parte dos expostos era reclamada pelos pais; nesse caso, se as famílias possuíssem bens, tinham de pagar uma verba para compensar a criação, a educação e a formação, até então concedida ao menor. Os restantes vinham a ser emancipados, geralmente com I8 anos, sendo que alguns, apesar de já serem maiores, continuavam, durante bastante tempo a receber apoio da Misericórdia.


Para o exercício desta actividade eram necessárias avultadas somas, o que originava crises financeiras cíclicas. O problema agravou-se ainda mais porque o Município de Lisboa (que estava obrigado a participar com verbas para o sustento dos expostos), se eximiu diversas vezes a esta obrigação. A situação só foi ultrapassada graças à intervenção de diversos monarcas empenhados em resolver os conflitos entre a Câmara e o Hospital de Todos os Santos (instituição administrada pela Santa Casa e que tinha a incumbência de criar os enjeitados da cidade de Lisboa).


Para fazer face às crescentes despesas da Misericórdia de Lisboa, marcadas, em grande parte, pelo aumento dos custos relacionados com a criação dos expostos, foram-lhe concedidas mais benesses e isenções. Destacamos a entrega de bens das pessoas que morriam sem parentes ou a atribuição de uma percentagem dos tributos ou ofertas voluntárias ("conhecenças") feitas aos párocos.


Por outro lado, pretendendo angariar mais amas, foi sendo aprovada legislação que concedia privilégios aos seus maridos. Estes passavam a estar isentos do pagamento de alguns impostos, bem como de serem recrutados para a milícia, regalia que, mais tarde, foi alargada aos seus filhos. […]


Apesar de todas as medidas tomadas, incluindo a concessão, por D. Maria I, da exploração das Lotarias, a situação económica da Misericórdia permanecia muito precária, pelo que os pagamentos às amas sofriam grandes atrasos. Isto teve como consequência uma progressiva escassez de mulheres para amamentar e educar um número crescente de expostos. Devido à enorme acumulação de crianças na Casa, propagavam-se doenças, o que originou um aumento da mortalidade infantil. Na segunda metade do século XIX, para minorar este problema e, simultaneamente, reduzir o abandono das crianças, determinou-se conceder, às famílias pobres da cidade, uma verba durante os primeiros anos de vida dos bebés, iniciando-se também a atribuição de subsídios destinados ao pagamento de rendas de casas.


Conforme referem diversos autores, são múltiplos os aspectos sociais, políticos, religiosos e filosóficos que se foram alterando ao longo das centúrias de 1700 c de 1800. Neste período, a exposição passou a evidenciar um número crescente de filhos oriundos de relações ilícitas. Isto originou que o volume de exposições não parasse de aumentar. Por outro lado, a mortalidade infantil era cada vez maior. Deste modo, a contestação em relação ao sistema da 'roda' {que privilegiava o anonimato), foi aumentando significativamente. Através da acção reformadora do Provedor Marquês de Rio Maior, foram aprovadas as Instruções Regulamentares sobre o Serviço de Vigilância e Polícia da Roda, que introduziram uma profunda alteração no seu funcionamento. Os menores passaram a ser expostos no interior da Casa da Roda, sendo que a entrega era feita a um encarregado, apenas durante o dia. […]


[Nota: A totalidade deste texto foi publicado na Revista da Santa Casa «Cidade Solidária», n.º 15 com outras imagens. As imagens apresentadas na presente versão pertencem à Misericórdia de Lisboa e a sua selecção é da responsabilidade de Mafalda Ferro. Lamentamos não ter sido possível reproduzir o texto completo]

 

07 LIVRARIA. Promoção.

A Fundação disponibiliza para venda, em promoção especial, durante dois meses, até 14 de Setembro de 2018:

Título: Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro? Actas.

Coordenação e organização:
Mafalda Ferro

Textos:
Alberto Marques («Turismo em Portugal: Explorar o Passado, Perspectivar o Futuro»), Armando Rocha («Turismo e Hotelaria passado, presente e futuro»), Carlos Carreiras (abertura), Celestino Domingues («Turismo: Os Primeiros Anos»), Gabriela Carvalho («As Festas da Cidade de Lisboa»), José Guilherme Victorino («Para lá de Turismo: fonte de riqueza e de poesia, notas sobre a visão e o legado de António Ferro nesses domínios»), Manuel Coelho da Silva («Turismo e Identidade»), Margarida Magalhães Ramalho («Estoril na
Vanguarda do Turismo»).


Âmbito:
Actas do Colóquio "Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro? Actas" e Catálogo da Exposição "História do Turismo em Portugal", iniciativas organizadas pela Fundação António Quadros na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE) em Maio de 2012.

Edição -
Lisboa: Fundação António Quadros Edições, 2012.


PVP
até 14 de Setembro de 2018: 8,00€.
PVP a partir de 14 de Setembro de 2018: 12,00€.

  
 
 
     
 
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