clique aqui se não conseguir visualizar correctamente esta newsletter
Newsletter Nº 150 / 14 de Julho de 2019
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE


01
 Entrega do Prémio António Quadros 2019 a Isabel Jonet. Memória.
02 Oitenta abraços para o Luís [Santos Ferro], por António Valdemar.
03  Leonardina, estudos acerca de Leonardo Coimbra, de Pinharanda Gomes, por José Esteves Pereira.
04  Sarah Afonso e Fernanda de Castro, uma história de duas vidas, por MF.
05  Exposição «Sarah Afonso e a Arte Popular do Minho», por Ana Vasconcelos.
06  Natércia Freire (1919-2004), cem anos depois do seu nascimento, por MF.
07  Livraria António Quadros, promoção do mês: Revista «Espiral», vários números.

 

EDITORIAL,
por Mafalda Ferro

 

António Quadros, meu pai, faria hoje, dia 14 de Julho, 96 anos. 

Luís Eduardo dos Santos Ferro completou, no passado dia 12, 80 anos.

A newsletter da Fundação celebra hoje, dia 14 de Julho, 10 anos.

Três importantes efemérides. Há que as celebrar!

 

ANTÓNIO QUADROS: TESTEMUNHOS

Primos éramos, por bisavô comum. Sempre lhe admirei a lhaneza, generosa e cálida: abordava pessoas e temas com inteligente simpatia, estudava com vontade para explicar com empenho e gosto. Ressaltava nele natural bondade, the milk of human kindness. Era dotado de intuitiva capacidade de entender almas e comportamentos, fosse nos trabalhos pessoanos ou em certeiro testemunho à memória de Ruben Leitão, nosso amigo. Em resposta ao chamado Questionário Proust (anotei em 1964) as virtudes preferidas de M. Yourcenar são: inteligência, simplicidade, bondade, justiça. Também aqui te reconheço, meu Primo “inter primus” . Luís Santos Ferro

 

António Quadros foi um dos pensadores que melhor compreendeu as raízes identitárias de Portugal. José Esteves Pereira

 

A imagem de António Quadros como pessoa, apreciada num companheirismo de trinta anos, e numa partilha de capitais ideias, não obscurece o preito devido ao escritor e ao filósofo. Num país em que filosofar é escolher a margem do poder e do saber oficial, António Quadros prevalecerá como o hermeneuta que ousou pesquisar os filosofemas implícitos na Literatura, elevando a crítica literária a arte exegética. Autor do dinâmico conceito de Patriosofia, deu-nos o exemplo da procura do paradigma essencial nas frágeis vibrações existenciais, ou: de como questionar o homem interior que se admite possa viver no homem incarnado. Jesué Pinharanda Gomes

 

LUÍS EDUARDO DOS SANTOS FERRO
O seu pai era primo direito de António Ferro, meu avô mas o que me liga ao Luís ultrapassa em muito o nosso elo familiar. Em comemoração dos seus 80 anos, faço questão de aqui lhe declarar a minha amizade, a minha admiração pelas suas qualidades e valores, pelo apoio que, ao longo dos anos, me tem dado e à Fundação e, também, pelos seus profundos conhecimentos sobre Eça de Queiroz.

Luís Eduardo, nasceu em 1939, licenciou-se em Engenharia Química e Industrial, é um dos maiores especialistas vivos em estudos sobre Eça de Queiroz, ex-director da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), sócio do Grémio Literário desde 1972 e presentemente membro do seu Conselho Literário para o triénio de 2019/2021. Por tudo isto e muito mais, é para mim uma honra, uma alegria e uma aprendizagem ser sua amiga.

O jornalista António Valdemar que, como referido na sua carteira profissional, é o jornalista n.º 1 em Portugal foi no passado dia 12 homenageado pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) com o título de sócio honorário atribuído também a Álvaro Siza, Carlos do Carmo, Eduardo Lourenço, José-Augusto França e Rui Mendes. António Valdemar, primeiro jornalista português e, também, primeiro intelectual açoriano a receber esta distinção da APE, junta-se à Fundação António Quadros na homenagem a Luís dos Santos Ferro.


No passado dia 11, em Braga, foi apresentada a obra "Memória de Francisco Lage", de Maria Barthez que, brevemente será apresentada também em Lisboa.


Pode consultar esta e todas as newsletters publicadas pela Fundação em
www.fundacaoantonioquadros.pt.

 
01 – ENTREGA DO PRÉMIO ANTÓNIO QUADROS 2019 A ISABEL JONET. Memória,
por Mafalda Ferro.


Fernanda de Castro, António Ferro e António Quadros foram responsáveis por diversos projectos apenas possíveis graças ao seu empreendedorismo. Assim, este ano a Fundação entregou este Prémio a Isabel Jonet na categoria Empreendedorismo.

Identifico Isabel Jonet com Fernanda de Castro pois ambas, empreendedoras e movidas por um forte espírito de missão, sonharam e as suas obras nasceram, como disse o Poeta. 

Isabel Jonet é uma mulher de fibra e de valores, com uma enorme capacidade de entrega, de empatia com o próximo, qualidades que contribuíram para que os mais necessitados fossem ajudados e tratados com dignidade, não lhes dando só o peixe mas, também, ensinando-os a usar a cana.

Os Bancos Alimentares de que é responsável continuam em movimento, crescem e alastram, estão aqui para ficar. Penso que Isabel Jonet é, sem sombra de dúvida, a justa merecedora de um prémio que leva o nome de António Quadros. 

 
02 OITENTA ABRAÇOS PARA O LUÍS,
por António Valdemar


O aniversário natalício de Luís Santos Ferro que hoje decorre constitui oportunidade para reunir amigos de um amigo que, toda a vida, apesar das múltiplas ocupações profissionais, tem sido fundamentalmente aquele amigo que aparece sempre com uma palavra, uma prenda e uma gravata, para estar presente nas horas boas e más dos outros amigos.

Temos e tivemos amigos comuns. Privei de perto – e muitas vezes «longe da indiscrição dos profanos» - com seu tio Luís Santos Ferro, advogado notável, que teve escritório com outro notável advogado Heliodoro Caldeira que enfrentava os esbirros da PIDE e os juízes do Plenário. Foi, entre muitos e muitos outros, patrono de António Sérgio e de Aquilino, no processo instaurado pela publicação de Quando os Lobos Uivam….

Conheci também Venâncio Ferro, pai do Luís. Orientado por Vitorino Nemésio fez, na antiga Faculdade de Letras de Lisboa, a primeira tese de licenciatura do curso de Filologia Românica, sobre Roberto de Mesquita, o poeta das Almas Cativas que revelou aos próprios açorianos a raiz e o sentimento de um ilhéu. Quando soube que eu era açoriano, tivemos assunto para divagações intermináveis.

Luís Santos Ferro olha-me como um cidadão que tem pacto com o diabo, mas quando se descontrai, procura esquecer o que nos divide, a conversa anima-se e deriva para o que nos aproxima. E que é muito. Seja em matéria de literatura, seja acerca de artes plásticas, seja, ainda a propósito de musica e em redor do pouco que sei, mas  que gosto e não me canso de ouvir logo de manhã para suportar mais um dia e - sem esquecer a síntese do nosso Fradique -   me insurgir contra « a pálida e morna infeção da banalidade».

Luís Santos Ferro rodeou - se de tudo quanto lhe interessa. Possui um extraordinário acervo musical; quadros e outras obras de arte de notáveis autores portugueses e estrangeiros; e uma selecionada biblioteca com as principais obras de escritores, de poetas, dramaturgos, historiadores e ensaístas clássicos e modernos. Mas neste conjunto, vasto e diversificado, avulta o prodigioso universo queirosiano. As edições raras. Manuscritos. Todas as primeiras edições. Todos os livros e opúsculos que se publicaram a favor e contra Eça de Queiroz.

É o mais queirosiano dos nossos contemporâneos. Se Eça o tivesse conhecido, no São Carlos, no Grémio Literário, na esquina sagrada da Havanesa, Luís Santos Ferro teria ficado num dos seus romances ou na correspondência de Fradique Mendes.

Nesta Lisboa, cada vez menos queirosiana, Luís Santos Ferro é uma das raras pessoas que se mantém disponível para tomar parte num encontro publico e privado para falar de Eça, da sua obra, das obras que lhe vão dedicando, em Portugal e no estrangeiro. Para nos comunicar o que surpreendeu (ou não) em viagens dentro e fora do País. Para transmitir impressões a propósito de um concerto, ou de uma exposição.

No seu percurso discreto e tranquilo «enclausurado nas duas polegadas do coração» - é impossível esquecer-me das referências emblemáticas de Fradique – Luís Santos Ferro sentiu as grandes e pequenas coisas que dão sentido e plenitude à vida. É por tudo isto, neste Julho repleto de sol e de calor e que é tempo das cerejas (e as cerejas são como as palavras) merece 80 abraços de parabéns e de felicitações, 12-07-2019.

 

03 LEONARDINA – ESTUDOS ACERCA DE LEONARDO COIMBRA, DE PINHARANDA GOMES,
por José Esteves Pereira.


Leonardina-Estudos acerca de Leonardo Coimbra
soma-se á vastíssima obra de Jesué Pinharanda Gomes que desde há muito tempo se tornou um autor de referência na historiografia filosófica portuguesa. A obra foi apresentada, no Porto, na Fundação Eng. António de Almeida, no passado dia 25 de Junho. O livro, de mais de 300 páginas, reúne um conjunto de estudos que Pinharanda nos foi dando a conhecer aparecendo agora de um modo mais estruturado e revisto permitindo-nos uma visão de conjunto em que transparece a intimidade espiritual do autor com a meditação do filósofo criacionista. Logo no limiar da obra, dirigindo-se aos leitores afirmará que “no decurso do tempo, com alguma frequência lemos e meditámos a obra de Leonardo Coimbra. Em vários escritos, o nome do filósofo e a sua obra aparecem mencionados e invocados como fontes de inspiração e de justificação de argumentos, no âmbito de múltiplos temas e problemas”.
Estamos perante uma visão de conjunto da vida e do labor especulativo de Leonardo Coimbra, com propósitos hermenêuticos e onde se sublinha e actualidade do pensador. Um significativo ensaio sobre o malogrado Leonardo Coimbra, Filho encerra o volume.

Ao longo desta nova obra de Pinharanda Gomes deparamos com a cuidada análise do percurso existencial de Leonardo, com a atenção devida à sua política cultural (onde sobressai a decisão de criar a Faculdade de Letras do Porto), com o humanismo personalista que o define e a evocação dos discípulos Sant´Anna Dionísio, Álvaro Ribeiro, José Marinho e Delfim Santos. Saliente-se, ainda, a preocupação de Pinharanda Gomes em definir, com o máximo rigor, datas e acontecimentos relacionados com a vida do pensador de A Luta pela imortalidade. Este livro, com magnífica apresentação gráfica sob a coordenação editorial de Paulo Samuel que, em boa hora, a Fundação Eng. António de Almeida e o seu administrador Doutor Fernando Aguiar Branco decidiram apoiar e publicar talvez possa ser considerada, parafraseando o título de um estudo de um dos discípulos do pensador portuense, José Marinho, com uma porfiada e reflectida busca sobre a verdade, condição e destino da especulação leonardina. 
 
04  SARAH AFFONSO E FERNANDA DE CASTRO, UMA HISTÓRIA DE DUAS VIDAS,
por Mafalda Ferro.

Não sei quando nem em que circunstâncias Maria Fernanda, como era então tratada, e Sarah Afonso se conheceram e travaram amizade, mas aqui deixo umas notas biográficas esperando contribuir para o estudo da vida e obra de ambas. A informação foi recolhida no acervo da Fundação António Quadros que pode ser consultado.


Em 1923
, quando o casal Ferro regressa do Brasil, o seu amigo e vizinho Bernardo Marques começa o trabalho de decoração e pintura de frisos na velha casa da Calçada dos Caetanos que António Ferro alugara antes da viagem. Durante esse período, o casal aloja-se nos Anjos em casa dos pais de António Ferro.

Já instalada na sua casa, Maria Fernanda, grávida do filho António, recebe quase diariamente, entre muitos outros, as grandes amigas Virgínia Victorino, Teresa Leitão de Barros e Sarah Afonso. Os recursos financeiros eram escassos e por isso Maria Fernanda bordava abat-jours e almofadas desenhadas pela Sarah Afonso, Raquel e Mamia Roque Gameiro, Ofélia Marques e Maria Adelaide Lima Cruz.


E
m 1924, Sarah parte para Paris o que não a impede de, no ano seguinte, em 1925, desenhar a capa e ilustrar a primeira edição de Mariazinha em África de Fernanda de Castro. A obra viria a ser reeditada 10 vezes com ilustrações de diferentes autoras: Sarah Afonso, Ofélia Marques e Inês Guerreiro que foi a única discípula de Sarah.


Em 1927
, nasce o segundo filho de Maria Fernanda, Fernando Manuel; para a festa do baptizado realizado na Igreja dos Anjos em Lisboa, é convidado apenas, além da família mais chegada, um grupo restrito de amigos (Sarah Affonso, António e Narcisa de Meneses, os primos Pedro e Maria Helena Ferro da Cunha, Raul Feio, e outros).


Em 1928
, Sarah imortaliza Fernanda de Castro com seu filho António, num óleo sobre madeira cuja reprodução viria a ilustrar a capa de Ao Fim da Memória I 1906-1939, de Fernanda de Castro, em 1988. Ao longo dos anos, Sarah vai fazendo desenhos para várias camisolas dos pequenos António e Fernando que, alternadamente com Fernanda de Castro, vai bordando.


Em 1929
, Janeiro, depois de uma estadia de cinco meses em Paris, Sarah recebe a notícia de que a sua mãe está muito doente e escreve a Maria Fernanda aconselhando-se sobre se deveria voltar a Portugal ou ficar em Paris. Pede-lhe que visite o médico da mãe para melhor poder entender o seu real quadro clínico pois (excertos):

Se deixo Paris agora todo o esforço será perdido. Sem receber uma resposta, não tenho coragem de tomar uma resolução. Se for só uma crise, a minha pobre mãe que tenha paciência mais uma vez, tenho lá duas irmãs que são já umas mulheres e podem tratá-la. Se for grave, irei então cheia de resignação… Peça conselho ao António.

Lamentavelmente, o estado de saúde da mãe de Sarah agrava-se o que a obriga a voltar para Portugal. Depois da morte da mãe e devido à ausência do pai, Sarah vê-se responsável pelos irmãos o que a impede de voltar para Paris.

Ilustra e desenha a capa para As Aventuras de Mariazinha, de Fernanda de Castro obra que viria a ser reeditada em 1935 com o título de As Aventuras de Mariazinha, Vicente e Comp.ia (romance para meninos) e, em 1959, com capa e desenhos de Viviane e o título de Novas Aventuras de Mariazinha.


Em Julho de 1930
, da Costa da Caparica, volta a escrever à amiga:

Está aqui muita gente, relações antigas e outras recentes. Eu trouxe grande conhecimento de livros, materiais de pintura. Para encher o tempo faço bolos, experimento receitas de petiscos e o tempo há-de passar Apesar de tudo sempre é melhor estar aqui que em Lisboa. E você como vai com as suas costuras? Grande sucesso na exposição? Lembra-se de que me prometeu uma visita? Venha com os seus pequenos. Mas venham de manhã, almoçam connosco. O vapor é em Belém. Na Trafaria tem camioneta para aqui. A nossa casa é à entrada da povoação. Traga costura. Se quiser traga um vestido dos de Grés que eu bordo-o e depois levo-lho. [excertos]

Ainda nesse Verão, a 4 de Setembro, escreve de novo, num grito de desespero, o espírito quase quebrado:

Há dias em que nas 24 horas, estou 15 na cama! Pouco a pouco vou perdendo as ilusões que por vezes me levavam a fazer perguntas, há falta de melhor, estou sem grande gosto pelo trabalho e vai-me faltando a força para reagir. Sinto que isto já deu o que tinha a dar, e a Sarah Afonso ficará na história (?) como uma risonha esperança. Meu pai só volta d’aqui a 1 ano, e diz que, se meu irmão continuar a estudar terá de ficar ainda mais um 1 ano. Portanto são 2 anos, durante os quais me pede para acompanhar os meus irmãos e que depois, se eu quiser posso ir para Paris. Paris “terra de permissão” belo sonho dos 20 anos!... [excertos]


Em 1931, da Parede
:

Cá estou há 1 semana, mas com a impressão de que há muito tempo já estou afastada de todos, longe do mundo. Não leio jornais, quase não falo português. Como pode bem calcular é um repouso completo. No entanto tenho saudades e, muito gostaria de a ver. Porque não vem cá numa destas tardes com os seus filhos? Venha na próxima 5.ª feira para aproveitar o feriado do Antoninho [14 de Julho]. [excerto]

No ano seguinte, em 1932, Fernanda de Castro publica O Tesouro da Casa Amarela. Teatro Infantil, com capa e ilustrações de Sarah Afonso.


Em 1933
, a 11 de Agosto, já depois do regresso do pai, Sarah, da Praia da Amora, escreve à amiga:

O moral continua em baixo. Há momentos que estou bem, mas de vez em quando entro em transe. De uma maneira geral vivo adormecida, engourdie. Tenho desenhado e bordado. Há aqui muitos motivos para os meus bordados e, aqui vou encontrar a origem dos meus quadrinhos. Nos ex-votos das alminhas, deliciosos retábulos ingénuos que se encontram ao longo das estradas, nas romarias, nas procissões, nos carros de bois, na própria população. Tudo tem o ar tosco e gracioso dos presépios. [excerto]

E, a 15 de Setembro, ainda da Praia da Amora, pouco antes da sua partida para Lisboa e da inauguração oficial do Parque Infantil de S. Pedro de Alcântara:

A minha pintura deu mais um avanço e os quadros que levo daqui marcam um progresso sobre os outros, é uma fase que me interessa explorar. Estou lírica, serena e mais humana. Quanto ao meu trabalho para os Parques Infantis, pode estar descansada. Já sei o que hei-de fazer. Não compre os papéis em que falei porque mudei de resolução. Em 8 dias faço as decorações.

Eu levo aqui uma vida que você não pode compreender, porque para si seria impossível. Tenho um quarto grande com boa luz onde passo as noites e os dias. É raro sair de casa e não me dou com ninguém. Quando não pinto, durmo, leio. Sentada na cama desenho, faço croché e costura. Fiz um vestido que ficou muito elegante. Às vezes a minha própria natureza revolta-se contra esta apatia. À força de vontade consigo uma 2.ª vida, que insensivelmente me leva à neurastenia. Mas como isto é provisório, faço uma autêntica cura de repouso. [excerto]

Ainda no mesmo ano, já em Lisboa, Sarah passa semanas a fio em casa de Fernanda de Castro, conhece e começa a achar graça ao Almada Negreiros. Com ele, pinta um friso do Parque Infantil de S. Pedro de Alcântara, já depois da sua abertura, com personagens e cenas de histórias de fadas como a Branca de Neve, a Bela Adormecida, a Gata Borralheira, os Sete Anões da Tia Verde Água, o Príncipe dos Ramos Verdes, etc.


Em 1934
, António Ferro e Fernanda de Castro com Almada Negreiros e Sarah Affonso (ainda solteiros, o casal viria a casar no dia 31 de Março), Diogo de Macedo, Jorge Segurado e outros amigos, com o chauffeur emprestado por Erico Braga, o "Meia-Barba", rumam a Évora num Cadillac comprado por António Ferro a Sanches de Castro por 5.000$00. António Ferro pretendia resolver, de uma vez por todas, a polémica que girava em torno da instalação do busto de Florbela Espanca de autoria de Diogo Macedo com pedestal de Jorge Segurado.


Em 1935 e anos posteriores
, Sarah colabora com os Parques Infantis e, uma das suas irmãs, a Paula Afonso, é contratada por Fernanda de Castro para trabalhar no Parque Infantil das Necessidades.


Em 1939
, Sarah ilustra com Abel Manta, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Castanhé, Eduardo Malta, Estrela Faria, Francisco Valença, Jorge Barradas, Lino António, Manoel Lima, Martins Barata, Mesquita, Roberto Araújo, e Stuart de Carvalhais (autor da capa), Contos sem cotação, de Augusto Cunha, cunhado de António Ferro.


Em 1953
, Com a colaboração de artistas e intelectuais, Fernanda de Castro cria e dirige uma revista «Bem Viver» que em cada número se debruçava num tema diferente. No n.º 4, dedicado à Moda, além da capa, por S.A., o artigo "O Traje Português no Século XVIII" inclui um desenho de Sarah Afonso.


Em 1954
, Sarah participa com Inês Guerreiro, Fernanda de Castro e a sua irmã Manuela Barreto de Carvalho e com outras artistas nas exposições «Móveis para todos» e «Em louvor da Agulha e do dedal» realizadas no Palácio Foz, organizadas pela Revista "Bem-Viver", criada no ano anterior e dirigida por Fernanda de Castro.


Em 1955
, em Fevereiro, Sarah escreve a António Quadros, filho de Fernanda de Castro:

Querido “Antoninho”:

Recebemos o teu belo livro. Hoje venho só agradecer-te a gentil lembrança e, sobretudo as bonitas dedicatórias. O José ficou muito sensibilizado e disse logo: vou escrever-lhe… mas como raramente escreve uma carta, é muito possível que nunca mais a recebas… Em todo o caso crê que muito estimamos receber essa prova de amizade admirativa. Sei por tua mãe que tua mulher espera por estes dias o vosso 3.º bebé [Rita Ferro que viria a nascer no dia seguinte, dia 26]. Desejo sinceramente que tudo corra o melhor possível e dá-lhe da nossa parte as nossas melhores lembranças.

Para ti um abraço da tua velha amiga, Sarah Afonso


Em 1957
, Fernanda de Castro funda um programa de educação pela arte para as crianças dos Parques Infantis «O Pássaro Azul» que inclui, música, canto, expressão plástica, teatro e bailado, para o qual Inês Guerreiro, Carlos Mendonça, Gluck e Sarah Afonso desenham figurinos. Sarah desenha árvores, cavalos, borboletas, gatos e passarinhos.

Neste projecto colaboram, além de Sarah Afonso, Nina Marques Pereira, Carmen Dolores, Eunice Muñoz, Águeda Sena, Inês Guerreiro, Heloisa Cid, Maria Germana Tânger, Júlia Almendra, Ana Máscolo, Armando Cortez, entre outros.


Em 1961, no dia 15 de Maio
, Fernando de Castro Ferro, filho de Fernanda de Castro e de António Ferro, sofre um grave acidente no qual morrem as suas duas filhas Tracy e Grett. Sarah Afonso está em sua casa a almoçar com António Valdemar, visita frequente, quando, extremamente emocionada, lê no Diário de Notícias a notícia do enterro nesse mesmo dia. De imediato, António Valdemar prontifica-se a acompanhá-la ao cemitério dos Prazeres visto que Almada não ia a cemitérios nem a velórios.

Logo que se vêem, no cemitério, Fernanda e Sarah abraçam-se prolongadamente, sem palavras.

Quando, nesse ano, Fernanda de Castro extingue o «Pássaro Azul» que à data integrava apenas 10 alunas finalistas do ensino primário (4.ª classe) funda a Escola Ana Leonor, um estabelecimento de ensino particular agregado ao liceu Rainha Dona Leonor. A Escola que tinha como objectivo dar continuidade às alunas do "Pássaro Azul" que não queriam ou não podiam continuar a estudar, era dirigida por Sarah Afonso e o corpo discente era o mesmo do "Pássaro Azul"; Sarah, por exemplo, dava aulas de desenho e Fernanda de Castro, de francês e de culinária, modalidade inserida na disciplina de trabalhos manuais. A escola funcionava num dos Parques Infantis de Fernanda de Castro e encerrou três meses depois com uma única aluna, a Madalena Ferreira Jordão, que foi encaminhada para o Liceu e que integra hoje o Conselho Consultivo da Fundação António Quadros.
[a informação relativa à Escola Ana Leonor pertence ao arquivo de Madalena Ferreira Jordão]

Terminando esta viagem a tempos "de outro tempo", outra dúvida
 se me coloca pois não sei quando nem em que circunstâncias se deu o afastamento das duas amigas: apesar de Sarah ter morrido em 1983, não me lembro de a ter encontrado em casa da minha avó ou de a ouvir referir um encontro ou até mesmo um telefonema posterior aos anos sessenta. E, até ao momento, não encontrei qualquer registo documental que me ajude a esclarecer esta questão.
 
05  EXPOSIÇÃO «SARAH AFFONSO E A ARTE POPULAR DO MINHO»,
por Ana Vasconcelos (curadora da exposição)


A exposição explora a relação entre a obra de Sarah Affonso e a arte popular do Minho. Muitas vezes recordada como a mulher de Almada Negreiros, pretende-se evocar Sarah Affonso como uma artista modernista reconhecida com um percurso próprio, de notável qualidade.

O Museu Gulbenkian celebra o 120.º aniversário do nascimento de Sarah Affonso, pintora portuguesa modernista cuja obra tem sido muito pouco investigada e exposta. Muitas vezes recordada como a mulher de Almada Negreiros, é uma artista de nome reconhecido e tem um percurso próprio, de assinalável qualidade, que nos propomos revisitar.

Esta exposição centra-se na particular relação de Sarah Affonso (1899-1983) com a arte e a cultura popular do Minho, que tão fortemente a marcou desde os anos da sua infância e adolescência em Viana do Castelo, entre 1904 e 1915.

Destes anos, a artista guardará na memória o especial carácter da terra minhota, das suas tradições, das feiras, procissões e romarias que ganham protagonismo na sua obra a partir de 1932-1933.

Apesar do retrato ter sido a grande marca autoral da sua obra, a artista abandona este registo, preferindo integrar determinados aspectos do vernáculo minhoto nas suas composições.

A exposição apresenta, em paralelo, as obras de Sarah Affonso com os objectos cerâmicos, têxteis, de ourivesaria, que formam parte do léxico visual que a inspirou e onde se incluem empréstimos de museus e colecionadores portugueses.

O Museu Calouste Gulbenkian associa-se ao Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, que assinala este aniversário com uma exposição sobre a artista, a inaugurar em Setembro deste ano.  [A Fundação António Quadros colabora com os dois referidos Museus, através do empréstimo de peças do seu acervo] 


Exposição patente
: entre 12 de Julho e 7 de Outubro de 2019, das 10 às 18h. À conversa com a curadora Ana Vasconcelos e convidados: Sábado, 14 de Setembro, 16h. Visitas orientadas: Sábados, 27 de Julho e 21 de Setembro, 15h. Custo do bilhete para a exposição: 3€. Encerramento: Terça-feira. Local: Fundação Calouste Gulbenkian, Av. de Berna, 45A, Lisboa.

 

06 NATÉRCIA FREIRE (1919-2004), CEM ANOS DEPOIS DO SEU NASCIMENTO,
por Mafalda Ferro

 

Lembro com ternura Natércia Freire, amiga de todos nós, de toda a família Ferro, que era também poetisa, contista e jornalista; era uma pessoa discreta, suave, bondosa e talentosa e foi-nos, por isso, especialmente difícil assistir ao silêncio e à injustiça que a envolveu, à tristeza e ao desânimo que sentiu, ao desaproveitamento do seu talento, ao medo do despedimento, no período posterior ao 25 de Abril, sentimentos e medos que, nas suas cartas, partilhou com Fernanda de Castro.

Pois é, a liberdade alcançada por uns, caminha frequentemente a par da liberdade perdida por outros. E Natércia Freire, disso, é um dos exemplos; por diferentes razões e idênticas circunstâncias, sai da «Emissora Nacional» e do «Diário de Notícias», só. Foram muitos os que a apoiaram particularmente, poucos os que o fizeram publicamente.

Natércia que em vida escreveu 13 cartas a António Quadros, 146 a Fernanda de Castro, 19 a António Ferro, colecção epistolar preservada na Fundação António Quadros foi, ao longo dos anos, acompanhando e divulgando as aventuras da família Ferro através de artigos de sua autoria dos quais destaco os que escreveu sobre os Parques Infantis de Fernanda de Castro e que por esta era referidos como os magníficos artigos que a Natércia Freire, a minha querida Natércia, escreveu sobre os parques com a sua extrema sensibilidade, a sua ternura, o seu talento de grande poeta.

Natércia Freire integra com Ramiro Guedes de Campos e João Pires o júri dos "Jogos Florais da Praia de Armação de Pera 1963", presidido pela sua amiga Fernanda de Castro. Fernanda possuía então uma casa ali perto, em Alporchinhos, na qual recebia amigas e amigos (Ary, Inês Guerreiro, Heloisa Cid, Natércia e, muitos outros) que à vez a visitavam ou colaboravam nos seus projectos algarvios; nessa casa, dava-se grandes caminhadas, ia-se a uma praia apenas acessível descendo pelas arribas, e, ao serão, jogava-se às cartas, discutia-se literatura ou dizia-se poesia, sempre à luz das velas, não havia electricidade nem água canalizada mas havia um enorme poço onde a água era límpida e fresca e onde no fim do Verão nos deliciávamos com figos, secos na açoteia da casa. Lembro-me bem que foi num desses serões que aprendi a jogar crapaud com o meu pai.

Num exemplar de Liberta em Pedra. Poemas, preservado na Fundação António Quadros, pode ler-se "Ao Dr. António Quadros, que sempre tem entendido tão bem a minha prosa e a minha poesia. Ao Poeta, escritor, ao Filósofo, com a admiração sempre renovada. Natércia. 1964.". E, num artigo de António Quadros publicado no «Diário do Norte» «Os poemas de Natércia Freire, diálogo e invocação» o autor refere que para ela a poesia parece não ser um monólogo mas antes um diálogo e adiante Há em Natércia todos os indícios de que será capaz de ir tão longe quanto permitido lhe for e termina estamos em presença de uma escritora tão rica de sugestões, que tudo pode esperar da sua obra.

Outra das grandes amigas, admiradoras e divulgadoras da obra de Natércia é Maria Germana Tânger que, por exemplo, em 1964, quando esta profere em Madrid a conferência «A influência do Ultramar na Poesia Portuguesa», interpreta os seus poemas e a acompanha no jantar de homenagem que lhe é dedicado no Hotel Ritz de Madrid; ou que, em 1971, lhe dedica um dos programas que produziu e apresentou na RTP, programa da série «Um Poeta Um livro», realizado por Jorge Listopad, com a colaboração de Lurdes Norberto (leitura de poemas) ou noutros da série «Ronda Poética».

Em 1984, Natércia sofre um grave acidente que a deixa de cama durante mais de um ano e Fernanda de Castro, também ela presa à cama desde 1982, não a pode visitar. E custa-lhe bastante pois lembra-se bem de como a amiga a havia acompanhado nesses anos tão difíceis.

O género literário que mais lhe aprecio é o Conto. Gosto imenso dos seus livros de contos A Alma da Velha Casa, publicado em 1945, com capa de Inês Guerreiro, obra que dedica "A Fernanda de Castro, coragem e alegria, a quem devo a coragem de publicar este livro. N. F", e Infância de que nasci, com capa e ilustrações de Ofélia Marques.
Em 2001, a Assírio & Alvim edita Antologia Poética de Natércia Freire, que Ana Marques Gastão apresente e cujos poemas são interpretados por Maria Germana Tânger e Diogo Bento.

Nunca mais a vi depois da morte da minha avó, Curiosamente, ambas morreram no dia 19 de Dezembro. 
Hoje, pensando nela, senti este seu poema:

 

Visito os amigos mortos,

Pensando que indo, estão vivos.

Entre a penumbra dos quadros

Andam eles em sorrisos.

Pronuncio a frase antiga

E dou comigo sozinha.

Oiço então o dia exacto

Da estridente campainha.

Volto a casa, fecho o som

Por dentro da persiana.

E então os retratos andam,

À volta da minha cama.

 
07 – LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS, lembrando António Quadros.
Promoção do Mês:

Autoria: António Quadros (direcção, edição e propriedade).

Título: Revista «Espiral» – Cadernos de Cultura.

Edição – Lisboa: Tipografia Peres, 1964, 1965

PVP até 14 de Agosto de 2019: 5,00€.

 

N.º. 1 – Ensaios e artigos de António Quadros, António Braz Teixeira, Luís Forjaz Trigueiros, Afonso Botelho, Luíz Francisco Rebello, David Mourão Ferreira, Luíz de Matos e Agostinho da Silva.

N.º 2 - Ensaios e artigos de António Quadros, José Marinho, Avelino Abranches, Bernardo Santareno, Luís Forjaz Trigueiros, Júlio M. de la Rosa, José Sesinando, J. Monteiro- Grillo, David Mourão-Ferreira, Manuel Breda Simões, António Braz Teixeira, Francisco Sottomayor, Luís do Espírito Santo.

N.º 4/5  (duplo) - Ensaios e artigos de Sant’Anna Dionísio, Pedro Rocamora, Cunha Leão, António Quadros, Luís do Espírito Santo, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes, Azinhal Abelho, David Mourão-Ferreira, José A. Ferreira.

N.º 8/9 (duplo) - Ensaios e artigos de Agostinho da Silva, Sant'Anna Dionísio, Manuel Breda Simões, Afonso Botelho, Álvaro Ribeiro, António Quadros, Frei João Ferreira - OFM, Joseph Moureau, António Braz Teixeira, Luís Washington Vita, António Telmo, José A. Ferreira, Antunes Valente e Luís do Espírito Santo.

N.º 10 - Ensaios e artigos de António Braz Teixeira, António Quadros, David Mourão-Ferreira, Eudoro de Sousa, Francisco Sottomayor, Francisco Videira Pires, José A. Ferreira, José Marinho, Júlio M. de la Rosa, Lima de Freitas, Luís Furtado, Nuno de Sampayo, Sant’Anna Dionísio.

 
 
     
 
Apoios:
 
Por opção editorial, os textos da presente newsletter não seguem as regras do novo acordo ortográfico.

Para remover o seu e-mail da nossa base de dados, clique aqui.


Esta mensagem é enviada de acordo com a legislação sobre correio electrónico: Secção 301, parágrafo (A) (2) (C) Decreto S 1618, título terceiro aprovado pelo 105º. Congresso Base das Normativas Internacionais sobre o SPAM: um e-mail não poderá ser considerado SPAM quando inclui uma forma de ser removido.
 
desenvolvido por cubocreation.net