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Newsletter Nº 166 / 14 de Novembro de 2020
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE

 

01 Amália Rodrigues e Fernanda de Castro – evocação de uma amizade; lançamento do n.º 26 da «Nova Águia». Memória visual.

02 Agenda de Fernanda de Castro, Outubro de 1970, transcrição por Maria Antunes Ferreira.

03 A morte de António Ferro, por Fernanda de Castro. E uma carta para seu filho. Memória.

04 António Ferro: apontamento biográfico, por Mafalda Ferro.

05 O Ser e a Liberdade, 3.º Ciclo de Conferências. Programa.

06 Livraria António Quadros, promoção do mês: Mar Alto, de António Ferro.

 

EDITORIAL,
por Mafalda Ferro


C
om grande pena nossa, informamos que a cerimónia de entrega do Prémio António Quadros 2020 MÚSICA a José Cid, foi adiada para o início do próximo ano (se as circunstâncias o permitirem).
Agradecemos ao homenageado, a sua compreensão.

Ainda a propósito de Amália Rodrigues e de António Ferro, gostaria de partilhar que tratei hoje uma peça extraordinária preservada no arquivo da Fundação. Trata-se de um convite de Amália Rodrigues (em francês) para que os seus amigos franceses, portugueses e brasileiros compareçam no Maxim's, em Paris, a 11 de Abril de 1948.


Soube ontem com tristeza que morreu o jornalista e escritor Artur Portela, conhecido como Artur Portela Filho. Conheci-o em Setembro de 2012 quando por diversas vezes consultou o acervo da Fundação; preparava um trabalho sobre os "regimes autoritários europeus" e conversámos. Conversámos sobre António Quadros, sobre António Ferro e sobre o tema da sua investigação.

Nunca até ontem tinha lido as cartas que escreveu a António Quadros; umas mais polémicas que outras mas sempre delicadas e frontais, como os artigos que trocaram em tempos. Em Março de 1989, por exemplo, escreveu numa dessas cartas: Meu caro António Quadros, fiquei muito sensibilizado com as palavras que me enviou a propósito do meu artigo «Turismo e Salazarismo» no qual refiro seu pai. […] Estas linhas são, sobretudo, o agradecimento devido e pontual. Espero depois de ter lido o seu livro [O Primeiro Modernismo Português] e o seu prefácio, escrever-lhe um pouco mais longamente. O interesse que ambos fortemente temos pela obra e pelo pensamento de António Ferro e a desvanecedora elegância moral da sua atitude justificam-no. […]

Em 1961, quando publicou Avenida de Roma. Contos enviou a António Quadros um exemplar com dedicatória manuscrita "Ao Meu querido amigo António Quadros, com a admiração e o reconhecimento do Artur Portela Filho", exemplar que está hoje preservado na Biblioteca da Fundação.

Deixo-lhe aqui a minha despedida e um abraço à família e amigos.

 
01 «AMÁLIA RODRIGUES E FERNANDA DE CASTRO – EVOCAÇÃO DE UMA AMIZADE»; LANÇAMENTO DO N.º 26 DA «NOVA ÁGUIA». MEMÓRIA.





Em homenagem a Amália e a Fernanda de Castro, foi possível manter a cerimónia prevista para 31 de Outubro passado. Presidida pelo Presidente da Câmara de Rio Maior e da Fundação António Quadros, a homenagem contou com duas importantes palestras: a primeira «A Ilha de Fernanda de Castro (evocação das duas vidas que viveu, antes e depois dos seus 60 anos) por Francisco de Almeida Dias (presencial) e a segunda «Amália: Tão longe e tão perto» de António Valdemar e lida por Paula Henriques. 
Renato Epifânio apresentou o mais recente número da «Nova Águia» salientando os artigos publicados, salientando em especial Fernanda de Castro, uma das duas grandes homenageadas do dia.

Para encomendar a «Nova Águia» contactar Renato Epifânio através do endereço novaaguia@gmail.com


 

02 AGENDA DE FERNANDA DE CASTRO, OUTUBRO DE 1970,
transcrição por Maria Antunes Ferreira

Continuando a evocar Fernanda de Castro, 120 anos depois do seu nascimento…

1 de Outubro de 1970, Quinta
Marvão.

2 de Outubro de 1970, Sexta
Marvão.

3 de Outubro de 1970, Sábado
Regresso de Marvão, com a Inês [Guerreiro] e a Heloísa [Cid].

4 de Outubro de 1970, Domingo
À tarde: Teatro Laura Alves (O Preço); À noite: Teatro Monumental (Pobre Milionária); Jantar no Galeto (tudo isto com a Inês [Guerreiro] e a irmã Manuela, Heloísa [Cid], Mané [Maria Manuela Lima Carvalho] e M.ª Luísa Garin).

5 de Outubro de 1970, Segunda
Implantação da República (feriado); Chegou o António [filho], que veio logo ver-me. Não saí.

6 de Outubro de 1970, Terça
2.30, estiveram cá a Pó [Paulina Roquette Ferro], a Rita e a Mafalda [Ferro]; 3h, fui ver, com a Inês [Guerreiro] e a Heloísa [Cid], o Palácio do Contador-Mor; jantaram a Inês [Guerreiro] e a Mané [Maria Manuela Lima Carvalho].

7 de Outubro de 1970, Quarta
Almoçaram: Manuela e Inês [Guerreiro]; 3h, S.N.I.

8 de Outubro de 1970, Quinta
Almoço na Caravela com Mané [Maria Manuela Lima Carvalho] e Amélia Cabral; Cinema Mundial «A Vida duma Mulher» (com as duas); jantar em casa com Inês [Guerreiro], Heloísa [Cid] e Mané [Lima Carvalho]; Esteve cá o António [filho], antes de jantar, e também o Antoninho [neto].

9 de Outubro de 1970, Sexta
De manhã, trabalhei; 3.30, Grundig; pick-up, transístor, etc.; 6h, conferência Pedro Homem de Melo, no teatro do SNI; Proclamados os prémios Literários 1969.

10 de Outubro de 1970, Sábado
Voltas; jantar com José Carlos [Ary dos Santos], Inês [Guerreiro] e José Francisco [Azevedo].

11 de Outubro de 1970, Domingo
4.30, casa Mafalda Almada Homem de Melo; conversa com Pedro Homem de Melo sobre Folclore (a Voz dos Poetas); Jantar em casa da M.ª Germana [Tânger] com M.ª Cristina [Lino Pimentel], Inês [Guerreiro], Heloísa [Cid] e eu.

12 de Outubro de 1970, Segunda
Almoçaram cá a Inês [Guerreiro], a Heloísa [Cid] e a Águeda [Sena]; a Pó veio tomar café; a seguir, fomos ver o Palácio do Contador-Mor; 8.30, jantar com a Mané [Lima Carvalho], em casa da Amélia Correia de Freitas.

13 de Outubro de 1970, Terça
Não saí; antes do almoço, esteve cá o António [filho].

14 de Outubro de 1970, Quarta
Banco Português do Atlântico; Reunião S.N.I.; Fundação Gulbenkian: Dr. Hernâni Cidade, Maria Elisa, António [filho], Dr. Branquinho da Fonseca, Orlando Vitorino, Dr. José Marinho; à noite, em casa: João, Maria Eugénia e Ninela [irmão, cunhada e sobrinha].

15 de Outubro de 1970, Quinta
Almoço em casa do António [filho]; 3h, viemos aqui para casa, a Leda Naud, a M.ª de Lurdes Ribeiro, eu e depois a Heloísa [Cid]; às 6 horas, «Quadrante», versos e canções, por Eleutério Sanches.

16 de Outubro de 1970, Sexta
3h, Banco Espírito Santo, Banco Português do Atlântico; compras; 5h, chá na Versailles, com Inês [Guerreiro], Heloísa [Cid], M.ª de Lurdes Ribeiro e eu.

17 de Outubro de 1970, Sábado
Almoço em casa da minha irmã Maria Luísa com a Heloísa [Cid]; Matinée Império (Cromwell) com esta, a Inês [Guerreiro] e a Mané [Lima Carvalho]; jantar com todas no Restaurante «Quinta».

18 de Outubro de 1970, Domingo
3h, passeio a Cascais, com a Inês [Guerreiro], a Mãe e a irmã Manuela, e a Heloísa [Cid]; (Solar D. Carlos, soubemos que está à venda); 5h, Tia M.ª José [Telles de Castro] até as 7.30; 8 horas, Missa no Loreto.

19 de Outubro de 1970, Segunda
12h, dentista.

20 de Outubro de 1970, Terça
1h, almoçaram cá a Inês [Guerreiro], a Águeda [Sena] e a Heloísa [Cid]; por volta das 3.30, fomos levar a Águeda a Cascais; fui comprar bilhetes para o «Circo Moscovo» (Coliseu).

21 de Outubro de 1970, Quarta
5h, cabeleireiro; compras; 8h, jantar n'A Quinta com José Carlos e José Francisco.

22 de Outubro de 1970, Quinta
Não saí, preparativos para a festa de Anos da Tia M.ª José; jantaram a Inês [Guerreiro] e a Maria Luísa Garin que à tarde esteve cá a ajudar.

23 de Outubro de 1970, Sexta
Anos da Tia M.ª José; estiveram Tia M.ª José, José Fernando [seu filho], Tia Castelo [Telles de Castro], António, Pó, 3 pequenos [António, Mafalda e Rita], Chico e filho João, Manuela e Vasco, João, M.ª Eugénia e Ninela, João Filipe, Cecília e 2 filhos [sobrinho, mulher e filhos], M.ª Luísa, José António e filho [irmã, cunhada e filho], Umbelina, Pedro e dois filhos [cunhada Ferro, com filho e netos], Josezinha, 2 Senhoras Koll, Sr. Prior, Narcisa [de Menezes], Inês [Guerreiro], Heloísa [Cid], Mané [Lima Carvalho].

24 de Outubro de 1970, Sábado
Trabalhei de manhã; às 3.30, Cascais com Heloísa [Cid] e Inês [Guerreiro]; A Inês [Guerreiro] foi trabalhar para o Teatro Experimental e a Heloísa [Cid] e eu fomos ao cinema de Cascais (Estranho Contracto); jantámos em Lisboa «O Gigante».

25 de Outubro de 1970, Domingo
3.15, Politeama c/ Heloísa [Cid] (Safari Africano); 9.30, Circo de Moscovo com Inês [Guerreiro], Heloísa [Cid] e Mané [Lima Carvalho].

26 de Outubro de 1970, Segunda
Estive em casa toda a manhã, a trabalhar; à tarde fui a Cascais com a Inês [Guerreiro] e a Heloísa [Cid]; falei com o Avilez [Carlos].

27 de Outubro de 1970, Terça
Trabalhei em casa todo o dia, com a Inês [Guerreiro] e a Heloísa [Cid] (Parques Infantis); jantar em casa do António [filho] em honra de Lygia Fagundes Teles.

28 de Outubro de 1970, Quarta
5.30, festa distribuição de Prémios no SNI; 7h, Grémio Literário (Lygia Fagundes Telles, Colóquio).

29 de Outubro de 1970, Quinta
6.30, conferência de Aznar na Fundação sobre Ortega y Gasset (o António fez a sua apresentação ao público); 8h, recepção na Embaixada de Espanha.

30 de Outubro de 1970, Sexta
11 horas, rectrospectiva Raul Lino, na Fundação Gulbenkian; almoço com Estrela Faria no Lacerda; 2.30, visita Parque [Infantil] do Campo Grande com duas Visitadoras da Misericórdia; à noite, palestra Lygia Fagundes Teles no IADE.

31 de Outubro de 1970, Sábado
4.30, Queluz, fui tomar chá com a Maria Germana [Tânger]; 7.30, fui com a Mané [Lima Carvalho] e com a Mariazinha Barros jantar ao Galeto; à noite fomos ao S. Jorge ver «Um homem de quem eu gosto» ‒ Notável o trabalho de Anne Girardot.

 
03 – A MORTE DE ANTÓNIO FERRO, POR FERNANDA DE CASTROE UMA CARTA PARA SEU FILHO. Memória

Sobre o dia 11 de Novembro de 1956, Fernanda de Castro escreveu  nas suas Memórias:

Os anos, porém, foram passando, e da Suíça fomos para Itália, onde a saúde do António se alterou de tal modo que dois anos depois teve de vir à pressa para Lisboa.

Começou então a andar de consultório em consultório. O seu médico em Lisboa era o nosso amigo António de Menezes, mas este chamou imediatamente um colega da sua confiança, e os dias iam passando sem que a situação mudasse. Até que uma noite, às três ou quatro horas da madrugada, o António acordou muito aflito, com grandes dores, que pareciam ser no fígado, e um febrão assustador. Peguei no telefone, falei com o Menezes e fui para junto do António, que se torcia com dores.

Duas horas depois, houve uma espécie de conferência médica em que foi decidido ser indispensável uma operação de urgência. Quando ouviu falar da operação, o António, relativamente calmo, escolheu o operador e, embora ninguém concordasse com a escolha, ele insistiu e lá foi de ambulância para o Hospital de S. José, onde esse cirurgião operava. O António tinha uma colecistite aguda e era de facto necessário que o operassem com a maior urgência. A operação durou quatro intermináveis horas que passei no corredor, na capela, a andar de trás para diante, a apelar para todas as forças positivas que apesar de tudo nos cercam. Mais uma vez me veio à memória o tempo de Bergson: aquelas quatro horas foram oito, foram doze, foram vinte e quatro. Quando finalmente o levaram para o quarto, ainda adormecido, achei-o lívido, com olheiras fundas, o que me não pareceu nada de extraordinário. O operador parecia satisfeito. Eu é que estava ainda muito inquieta:

– Mas a operação, senhor Dr., levou mais tempo do que o que estava previsto.
– Um pequeno problema cardíaco mas, esteja descansada, nada de grave.


No dia seguinte ainda tinha dores como era natural mas, passados três dias, como se sentia bem e sem febre, teve licença para receber as primeiras visitas. Não sei como correu a notícia tão depressa, mas o certo é que apareciam pessoas às dezenas. Nesse ponto porém, eu fui implacável:

– Só entram os amigos íntimos, um de cada vez e nunca mais de um quarto de hora.


Os outros, os conhecidos, os companheiros de trabalho, os jornalistas, etc., eram recebidos pela família, que nunca arredou pé. Eu chegava à noite extenuada mas satisfeita porque as melhoras eram visíveis e até já recuperara a sua cor natural, perdendo aquele tom escuro que nunca fora a verdadeira cor da sua pele. Quando o conheci, ele era moreno, sim, mas um moreno claro e rosado. Eu dormia sempre no quarto do hospital, numa caminha a seu lado, e, antes de adormecermos, conversávamos muito e ele fazia projectos, projectos, o que definitivamente me tranquilizou. Às vezes eu acordava de noite porque estranhava a cama incómoda, a atmosfera diferente, os ruídos dos corredores, etc.


Desgraçadamente, nove dias depois de operado, morreu às duas da madrugada do dia em que, horas antes, o operador me dissera: «Hoje, sim, já podemos deitar foguetes!».


Tantos anos decorridos, ainda não consigo compreender a razão profunda desta morte, da paragem brusca desta vida que tanta falta fez a Portugal – não hesito em dizê-lo em palavras simples mas profundamente comovidas. Penso, penso, e só me ocorre esta interrogação: «Teria sido uma recompensa?» e, não fossem os meus filhos, não fosse a família, não fossem os amigos, eu acrescentaria: «Que pena eu não a ter merecido também!»

Meses antes, em Maio de 1956, António Ferro escrevera uma carta
para ser entregue ao meu filho António depois da minha morte:

Querido António

Enquanto tenho ainda forças para pegar numa pena […]

Não tenho conselhos a dar-te pois tens indiscutíveis qualidades e só me tens dado motivos de satisfação e orgulho. Apenas procura sempre reflectir antes de qualquer acto público ao qual possas ficar para sempre agarrado. […].

Uma última recomendação: sê bom, sê bom através de tudo até quando tenhas de responder à maldade dos outros. A glória humilde, a glória íntima do coração é a mais bela de todas. Não poder continuar a fazer bem aos outros, a ser, ao menos, gentil para com eles, é agora o meu maior sofrimento.

Um grande beijo do teu pai, para além da morte, outro para a Pó que estimei sempre, e beijos também para os teus filhos cuja graça já não pude saborear como tanto sonhei e desejei. E peço-te que não chores… A morte é o único repouso possível para quem está vivendo como estou vivendo,

António

 
04 – ANTÓNIO FERRO: APONTAMENTO BIOGRÁFICO,
por Mafalda Ferro.

António Ferro nasceu em Lisboa, a 17 de Agosto de 1895 na rua da Madalena em Lisboa. Aí, residiu até Abril de 1907, tendo-se então mudado para a Rua dos Anjos onde viria a viver até 1923: era uma rua familiar, uma dessas velhas ruas de Lisboa, que lembram na sua intimidade um calmo serão de aldeia, uma dessas ruas onde se falava de janela para janela, com a sala de visitas na tabacaria, o centro politico no barbeiro, a mercearia ali muito perto e, à porta da carvoaria, a velhota das castanhas assadas, as saborosas castanhas. O pedaço de rua onde estava a minha casa foi o pátio de recreio da minha infância. [em A minha rua, por AF].

A relação de António Ferro com o pai foi mais marcante do que a que mantinha com a mãe que considerava naturalmente severa embora carinhosa e a principal responsável pelo ambiente na casa, fosse ele bom, ou mau.

O meu pai tinha a religião do trabalho que ele cumpria religiosamente das 8 às 7 da tarde, sem um desfalecimento, sem uma hesitação. De vez em quando, sentia-se na obrigação de falar alto com os filhos mas estes sabiam que essas palavras não lhe vinham do coração. Não sei se gostava mais da minha mãe. A verdade, porém, é que sempre me senti mais parecido com o meu pai […]. Amigo e orgulhoso dos filhos, tinha, porém, acima de tudo, o sentimento colectivo de família e da casa onde gostaria que todos vivessem sem se aperceber, sequer, da sua tristeza e falta de conforto. Dentro deste sentimento total da família, cabia a própria loja, o seu activo e o seu passivo. […] A sua vida era um todo. E era através desse todo que a sua bondade se manifestava, que o seu coração batia … [em A minha família, por AF]


Com o pai, ia frequentemente ao cinema, a comícios republicanos e, também, a uma barbearia situada em frente de casa que, segundo palavras suas, era um verdadeiro centro político republicano. Aí, ainda criança, conheceu e conviveu com figuras que viriam a revelar-se importantíssimas no seio da primeira República: João de Meneses, Alexandre Braga, Francisco Fernandes Costa, Heliodoro Salgado, Afonso Costa e, entre outros, António José de Almeida, futuro Presidente da República. Ouvindo-os, ainda mesmo antes de os entender, António Ferro começou a ter a percepção da força da palavra, da palavra falada mas, também da palavra escrita e da palavra publicada; um dia, ainda criança, pediu a António José de Almeida um depoimento para publicação no República, jornal da sua escola; foi essa a primeira importante entrevista de António Ferro e, talvez, o primeiro jornal em que colaborou. A essa colaboração em periódicos, muitos mais se seguiram: até 1932, e só para falar desses anos, António Ferro cooperou de diversas formas em mais de quatro dezenas de jornais e revistas dos quais se destaca a sua participação entre 1912 e 1920 em revistas como A Águia, Athena, Centauro, Contemporânea, Eh Real!, Exilio, Folhas de Arte, Ilustração Portuguesa, Orpheu, Portugal Futurista, Renascença, República, Klaxon, Ressurreição, TeatroJornal d´Arte, Teatro, The Athenaeum, Terra Nova, Presença.


Depois de ter frequentado a Escola Francesa, António Ferro continuou os estudos no Liceu Camões onde conheceu e conviveu durante um curto período de tempo com Mário de Sá-Carneiro, tendo-lhe o poeta oferecido o seu poema A Um Suicida, dedicado a Tomás Cabreira Júnior, seu amigo e colega que se havia suicidado com um tiro, na escadaria do Liceu com 16 anos e, também, as suas Quadras para a Desconhecida, dedicadas ao mesmo. 


Mas, o seu maior e mais constante amigo desde esse período e até ao fim da vida é Augusto Cunha, seu vizinho, companheiro de tertúlias, advogado, futuro cunhado e co-autor da sua primeira obra Missal de Trovas, com apreciações de Fernando Pessoa, João de Barros, Mário de Sá-Carneiro, Afonso Lopes Vieira, Augusto Gil, entre outros.


Inscrito (1913) com Azeredo Perdigão e Augusto Cunha na então chamada Faculdade de Estudos Sociais e de Direito, Ferro continua a frequentar o curso de Direito até ao 5.º ano (1918), quando  a sua paixão pelo jornalismo fala mais alto e o leva a abandonar a Faculdade.


Durante os primeiros anos da sua vida de adulto, Ferro convive e corresponde-se com Sá-Carneiro, Augusto Cunha, Azeredo Perdigão, Fernando Pessoa, Alfredo Guisado, Almada Negreiros, Augusto de Castro, Augusto de Santa-Rita, João de Barros e muitos outros que recebe frequentemente em casa para discutir livros e ideias até altas horas da noite como referido por Pessoa numa entrada do seu diário de 30 de Março de 1913: Das 2 e ¼ às 4 e ½ em casa de António Ferro a ouvir-lhe três peças. - Leu duas. Depois, para a Baixa com ele


Em 1915, Pessoa comunica a Ferro, à laia de convite, que o seu papel na publicação da revista Orpheu será o de editor. Além das relações de amizade, cumplicidade e partilha literária e artística que o ligavam ao grupo de colaboradores da revista, ele era o único que não tinha ainda atingido a maioridade e, segundo Alfredo Guisado, se surgisse qualquer complicação, a sua responsabilidade não teria consequências. O custo da publicação dos dois números da Orpheu foi suportado pelo pai de Sá-Carneiro que parte para Lourenço Marques deixando a revista sem patrocinador e o filho em Paris sem meios de subsistência ao estilo de vida a que estava habituado. No dia 13 de Setembro, Sá-Carneiro escreve a Pessoa anunciando o fim da Orpheu. O número 3 não viria a ser publicado e no ano seguinte, Sá-Carneiro põe termo à vida.


Em Novembro de 1918, quando António Ferro fazia a recruta em Penafiel, parte para Luanda como oficial miliciano. Depressa, porém, ascende a ajudante do Governador-geral, Comandante Filomeno da Câmara, colaborador e amigo de Sidónio Pais. Ainda nesse ano, é nomeado para o cargo de Secretário-geral do Governo de Angola. Filomeno da Câmara viria a escrever que poucos meses durou a aventura, os bastantes, ainda assim, para cimentarem a nossa amizade e para exercerem uma influência decisiva na carreira literária do moço poeta que, até ali, não encontrava saída do labirinto das mesas do café Martinho onde bebia, com um café detestável, uma inspiração ainda mais detestável.


No dia 6 de Novembro de 1920, António Ferro profere uma conferência sobre Colette na Société Amicale Franco-Portugaise, em Lisboa, e conhece uma rapariga que, apesar de não lhe ter dado a menor confiança, o encanta e com quem viria a casar por procuração, quando estava no Brasil. Corajosamente, a jovem poetisa Fernanda de Castro parte sozinha ao encontro do marido. O casal Ferro regressa a Portugal no início de 1923 e instala-se, depois de uma breve estadia na Rua dos Anjos, no n.º 6 da Calçada dos Caetanos em Lisboa. Em Julho nasce o seu primeiro filho e quatro anos mais tarde o segundo.


António Ferro inicia, então, a sua carreira de repórter internacional, como enviado especial do Diário de Notícias, actividade que desempenhou durante uma década, correndo mundo e entrevistando importantes personalidades  até que, em 1933, depois de ter entrevistado Salazar, aceita o cargo de director do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) e, a partir de 1944, do Secretariado Nacional de Informação Cultura Popular e Turismo (SNI). Embora a influência modernista estivesse sempre presente nas suas iniciativas fossem elas de cariz artístico, literário, museológico ou editorial, nesse período da sua vida, o constante convívio e a admiração que sente por Salazar corta-lhe as asas, tolhe-lhe alguns movimentos e afasta alguns amigos de juventude.


Apesar de lhe reconhecer o valor e dele usufruir, a Salazar e aos seus Ministros, não agrada o crescente protagonismo e a independência de António Ferro cujo nome se sobrepõe amiúde à identidade do Organismo que dirige.


Em 1950, António Ferro abandona Portugal e assume o cargo de Ministro de Portugal em Berna e, a partir de 1954, em Roma. Durante estes seis anos António Ferro e Fernanda de Castro partilham o seu tempo entre Portugal e Berna ou Roma, António Ferro vive mais tempo no estrangeiro do que sua mulher, Fernanda de Castro que, em Portugal, continuava a dar apoio à família e continuidade aos seus múltiplos projectos dos quais se destaca o dos «Parques Infantis» e a revista «Bem Viver».


António Ferro tem saudades de Portugal, dos amigos, da sua casa, de estar com a família e nunca se habitua à sua vida profissional em Berna e principalmente em Roma. Além disso, estando o casal Ferro habituado a viver em profunda união de espíritos, amizade e constante partilha e incentivo mútuo, apesar da força e da coragem que lhes é característica, a separação revela-se muito mais penosa do que o expectável.

Em 1956, por motivos de saúde, António Ferro regressa a Portugal e morre no Hospital de S. José em Lisboa. Salazar desloca-se ao velório mas não vai ao enterro.

 

05 – O SER E A LIBERDADE, 3.º CICLO DE CONFERÊNCIAS. PROGRAMA.
Divulgação

Participação condicionada à inscrição através do email:
geal@uf-aldoarfoznevogilde.pt após o que receberá um link para aceder ao evento através da plataforma Zoom.

                             
               Programa 

20 de Novembro, 18.30h
Abertura do Ciclo por Joaquim Pinto da Silva
Educação e Criação, Liberdade e Estado
Nuno Crato
Hélder de Carvalho

25 de Novembro, 18.30h

Comunicação e Verdade
Apresentação de Maria João Alvarez
Pedro Coelho
Nassalete Miranda

4 de Dezembro, 18.30h

Totalitarismo e Repressões
Apresentação de Ana Sucena
Rodrigo Sobral Cunha
Patrícia Pereira

Este ciclo foi preparado para Abril desse ano mas, pelas contingências da pandemia (Covid-19), só nesta altura é possível realizar. Esperamos retomar o próximo em Abril de 2021.

Organização: 

 
PROMOÇÃO DO MÊS,
em homenagem a António Ferro:

TÍTULO: Mar Alto. Peça em 3 actos.

AUTORIA e PREFÁCIO: António Ferro.

OBRA DEDICADA: a Lucília Simões, a onda mais alta.

OBSERVAÇÕES: A obra inclui, além da peça, todo o processo que envolveu a sua estreia, proibição bem como a lista dos que assinaram o Protesto dos intelectuais portugueses contra a proibição, uma carta do autor a Lucília Simões e, ainda, fragmentos de todas as críticas feitas à peça «Mar Alto» no Brasil e em Portugal.

EDIÇÃO - Lisboa: Livraria Portugália Editora, 1924.


PVP até 14 de Dezembro de 2020: 30.00€.

 
 
     
 
Apoios:
 
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