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Newsletter Nº 182 / 14 de Março de 2022
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE

01 –
António Quadros, Filósofo do Movimento, por Joaquim Domingues.

02 – A Poética de António Quadros, por António Cândido Franco.

03 – 8 de Março – Dia da Mulher: Fernanda de Castro, a minha avó, por Mafalda Ferro.

04 – Retrato d'A Leviana – Mulher do início do Século XX  por António Ferro.

05 – Exposição «Corpos Modernos do Palco – Fotografia de Silva Nogueira 1920-1930»,

por Paulo Ribeiro Baptista.

06 – Mostra «Viagem a um país desconhecido – Emílio Biel, “A arte e a natureza em Portugal”», por Paulo Ribeiro Baptista.

07 – Livraria António Quadros. Promoção do mês: Revista «Espiral» n.º 2.


IMPORTANTE:
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EDITORIAL,

por Mafalda Ferro

Lembramos com muita saudade António Quadros no mês em que, no dia 21, há 29 anos, nos deixou, através das palavras de António Cândido Franco e de Joaquim Domingues. Em sua Memória, revelamos uma actividade que a Fundação António Quadros em parceria com a «Nova Águia» irá realizar em Rio Maior no mês do seu nascimento: Mesa Redonda «António Quadros, "Portugal, Razão e Mistério" e a Filosofia Portuguesa».
A sessão será moderada por Renato Epifânio e contará com a participação de António Braz Teixeira, António Cândido Franco, Joaquim Domingues, Joaquim Pinto da Silva, José Almeida, Paulo Samuel, e Pedro Martins. Esta acção será continuada no próximo ano, o do seu centenário de nascimento.

 

Celebrando o Dia da Mulher, a Fundação presta homenagem a Fernanda de Castro como exemplo de Mulher.

A Confraria Cultural Brasil-Portugal em Divinópolis, Minas Gerais, Brasil realizou no passado dia 8 o Sarau e Palestra “Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 – Legítima Rainha do Movimento Poetisa Portuguesa Fernanda de Castro”. A Confraria presidida por Fátima Quadros tem como padrinhos Fernanda de Castro e Machado de Assis.


Da recém-editada obra de António Ferro, “Ficção”, recolhemos algumas frases e pensamentos do livro A Leviana que retrata a Mulher do início do século XX idealizada pelo autor.

 

Informamos que, em resposta a diversos pedidos, a exposição «Ruy Belo: História Pequena de um Grande Poeta”, 89 anos depois do seu nascimento, se prolonga até dia 21 de Março do corrente ano. Autoria: Mafalda Ferro. Promoção Fundação António Quadros; Câmara Municipal de Rio Maior.


Foi com grande alegria que, entre os inúmeros visitantes, recebemos já dois dos filhos de Ruy Belo, a Catarina e o Duarte.

 
Divulgamos e celebramos hoje a Associação Cultural do Concelho de Rio Maior (ACCRM) constituída a 14 de Março de 1980, há precisamente 42 anos.


Pólo de Rio Maior

Morada: Casa da Música | Praça do Comércio, 1A - Ed. Loja do Cidadão, 2.º 2040-251 Rio Maior. Tel.: 912 066 160. E-mail: accriomaior@hotmail.com.

Pólo do Arco da Memória

Morada: Sede da Associação Cultural, Recreativa de Desportiva de Arco da Memória. Tel.: 917 824 206 | 912 886 579 | 911 015 837. E-mail: arcodamemoria@gmail.com

Pólo de Ribeira de São João

Morada: Antiga Escola Primária da Ribeira de São João. Tel.: 243 945 009 (Ribeira de São João) | 243 949 131 (São João da Ribeira). E-mail: secretaria@sjr-rsj.pt

PRÉMIO JORNALISMO CULTURAL 2022
Entregue pela SPA a Nuno Lopes da Agência Lusa. 
Muitos parabéns!

 

01 – António Quadros, Filósofo do Movimento,
por Joaquim Domingues.

 

I.
Como português, sinto uma profunda gratidão para com António Quadros, de quem, desde a juventude, me habituei a ler a calorosa, mas lúcida e compreensiva defesa dos valores pátrios, então em grave crise; como se uma espécie de acídia colectiva, entorpecendo as almas e esfriando os corações, paralisasse a acção. Conforme o feliz título do livro publicado em 1978, a sua incansável actividade, num tom afável, mas firme, que atiçava o fogo do espírito lusíada em muitos jovens, era um exercício d’A Arte de Continuar Português. Num ambiente que, recorrendo à linguagem das gestas medievais, ele por mais de uma vez caracterizou como o de uma terra gasta; tal como o poeta da Mensagem consignara no ‘Quinto’ e derradeiro de ‘Os Tempos’ simbólicos: Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer. Na minha inópia, mal posso testemunhar quão desmesurada me pareceu a inesperada atenção com que, muitos anos depois, correspondeu ao sumaríssimo e paupérrimo texto onde exarara o apreço com que lera Uma Frescura de Asas, o romance onde dramatizava a vida de Sampaio Bruno. Impressionara-me ele vivamente por ter logrado realizar um dos mágicos segredos da arte poética, dando vida nova ao que caíra no limbo do esquecimento, com isso prestando um precioso serviço à filosofia, encarnada numa existência reerguida a partir da letra morta dos livros. Feito tão notável que, confessando um dia a Afonso Botelho a minha estranheza pelos passos onde o romance ficciona episódios amorosos de que não conhecia relato algum, ele me replicou ser esse precisamente o seu maior mérito, visando a solução de um problema que, por timidez ou quaisquer outros motivos, tinha ficado pendente. As circunstâncias não foram propícias a que falasse de viva voz com o escritor, que apenas uma vez vi, ao longe, na sede da Guimarães Editores. Ainda assim tive a feliz sorte de receber algumas cartas suas e até livros com dedicatória, onde, sem qualquer afectação, como se fôssemos amigos de longa data, tratava o desconhecido, que de facto era para ele, com uma cordialidade e generosidade que não posso esquecer. A serenidade e a bonomia iam de par, na sua personalidade, com os raros dons de comunicador, demonstrados numa entrega ao bem comum, cuja intensidade o esgotou mais cedo do que seria de esperar, frustrando um encontro pessoal. Estou por isso muito grato aos familiares, assim como aos amigos e admiradores de António Quadros, por manterem vivo o seu legado através da Fundação que lhe ostenta o nome, mas também por iniciativas como a que conduziu a este colóquio. Sendo certo que ao associar-lhe os nomes e as obras de António Ferro e de Fernanda de Castro se cumpre um desiderato que, correspondendo a um alto valor social, está na linha do seu procedimento. Devo confessar a minha admiração pela lucidez e coragem de quem enfrentou a hostilidade de muitos, pronunciando-se, com isenção, mas não sem afecto, acerca da personalidade e da obra do seu pai, designadamente no prefácio ao volume póstumo Saudades de Mim, de 1957, e na antologia que organizou, em 1963, para as Edições Panorama.

 

II.
Falta-me, para bem apreciar tudo isto, como disse, a relação pessoal, mas também a afinidade geracional ou do meio social, pelo que receio não saber interpretar adequadamente alguns aspectos da obra de quem tanto valorizava o carácter situado da acção humana, mesmo nos seus planos mais elevados. Escasseiam-me ademais os recursos para caracterizar e apreciar um estilo tão distante do rigor académico ou escolástico como da gíria jornalística; sendo no entanto assaz rico, até em neologismos, mas ágil e dúctil, conduzindo o leitor, em sucessivas aproximações, para novas perspectivas, por vezes bem afastadas dos lugares comuns. Enfim, embora conheça alguns textos autobiográficos significativos, pouco sei do percurso íntimo do homem que, estreando-se muito novo nas lides públicas, foi durante meio século uma das mais ativas presenças na vida mental portuguesa, com projecção noutros meios, em especial no brasileiro. Ainda assim, arrisco-me a afirmar que a noção central do pensamento do autor de O Espírito da Cultura Portuguesa é muito afim à de quem retratou em Uma Frescura de Asas, assim como à do autor de A Razão Animada, na linha de uma tradição que se tem vindo a revelar e a ampliar em sucessivos passos. Com efeito, já em Bruno avulta a evidência de que a realidade da pátria se configura através dos laços que unem as gerações, num devir cujas divergentes formas radicam num tronco comum, por vezes quase invisível ou inconsciente. Espírito que, encarnando em múltiplos seres, acontecimentos, instituições, tempos e lugares, se anima no movimento da passagem da potência ao acto; mas se indefine, desfalece e se apaga quando o movimento é sustido e cai no passado, como perfeito, ou, por artifício, é mecanizado. Esse cuidado pelo bem comum aparece expresso, com a autenticidade que é legítimo supor ao registo lírico, na composição de abertura de um dos primeiros títulos publicados, a que deu o simbólico título de Viagem Desconhecida: Um itinerário poético: 1950-52:

 

Uma lenta e insegura prece

Levo aos ombros o fardo imenso dos séculos

Clamando nas minhas veias, infiltrando-se nas minhas palavras […]

Moldando a seiva dos pensamentos mais secretos […]

Deixa-me, vida, transfigurar o mundo,

Colorir as sombras, recriar a criação! […]

Com um pouco de terra, sol, brisa, cor, esperança e carne,

Eu talvez pudesse ajudar-te a ressuscitar tudo quanto está morto

No coração ingénuo dos meus irmãos.

Ajuda-me, pois! […]

Quero ser um princípio, não um fim. Que depois de mim,

As tempestades sejam outras, as lágrimas mais leves,

E a natureza mais próxima dos corações humanos.

 

Julgo ser essa atitude de activo empenhamento na regeneração de uma realidade social cujo transe se prolongava de há muito, com oscilações de superfície ainda hoje visíveis, essa dedicação ao bem comum, concreto, situado, desde a família e os amigos até à humanidade e à natureza, que sempre regeu o seu procedimento. Tendo um passo decisivo ocorrido quando descobriu que, entre os extremos do individualismo egolátrico e do universalismo abstracto, a Pátria constitui a mediação decisiva. No pressuposto, porém, de que ela se não confunde nem esgota em qualquer uma das formas concretas da constituição política, social e cultural; ainda que passe por aí a sua realização e, com ela, a de quantos participam desse princípio espiritual.

 

III.
No trecho autobiográfico de 1959, «A cultura portuguesa perante o existencialismo», publicado como prefácio à tradução do ensaio de Ismael Quiles, Sartre e o Existencialismo vistos por um filósofo católico, o autor da Introdução a uma Estética Existencial explica como acabara por encontrar, após a frustrante experiência da passagem pela Faculdade de Letras de Lisboa, uma via graças à qual, «A partir de ser eu, com todas as implicações fenomenológicas e existenciais da subjectividade, a filosofia não era já algo exterior, […] a verdade era atingível, mas a partir da minha específica experiência vital». Ora, ou fosse porque tanto o existencialismo como a filosofia portuguesa «eram objecto de uma feroz oposição catedrática», ou por esta última advogar a radicação na realidade própria, o certo é que na mente do jovem António Quadros as duas perspectivas se associaram de modo que, confessa, «tal parentesco, suposto ou verdadeiro, iria determinar pouco a pouco a própria estrutura do meu pensamento». O existencialismo que, mais do que uma corrente filosófica, constituía a atmosfera que todos os pensadores de então respiravam, apontava para «o reconhecimento da existência primordial do englobante pátrio»; por isso, a partir dele é que se haveria de alcançar «uma reintegração final», sob a condição de «cada complexo pátrio se assumir inteiramente em suas possibilidades espirituais». Essa radicação na realidade, tal qual se nos apresenta e nos solicita — contra as ficções de um filosofar e um imaginar que pretendem abolir o tempo, o espaço e as circunstâncias efectivas em que o homem vive mergulhado —, sublinha-a ele com veemência: «A redenção concebe-se na assunção do vário, do múltiplo e do corrupto. Em síntese: só há movimento na necessidade.» Tal era o seu compromisso de assumir a participação responsável no movimento redentorista, a partir de realidade concreta, por corrompida e complexa que fosse, como de facto era e continua a ser… Integrando-se numa tradição espiritual, cujos representantes invoca sob a designação, forçada, mas expressiva, de “Filósofos portugueses da existência”, com destaque para Bruno, Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro, avessos a ucronias e utopias, por amor do povo em que se reconheciam. António Quadros afastou-se, por opção, mas também por índole, do modelo escolar que o humilhara e vexara enquanto aluno, e se lhe afigurava menos adequado à nossa cultura e circunstâncias históricas. Mais do que um sistema, bem articulado e argumentado, conforme aos esquemas da racionalidade didática, o filosofar era para ele um exercício assumido como experiência vital e vertido nas diferentes manifestações da criatividade com que participava no viver colectivo. Razão pela qual os seus livros, onde aliás recolheu muitos textos escritos para os jornais, as revistas e a rádio, ou lidos em conferências e colóquios, não dão a justa medida da projecção do seu pensamento e do diálogo mantido, aquém e além-fronteiras.

 

IV.
O Movimento do Homem: Drama, movimento, evolução, publicado aos quarenta anos, em 1963, constitui um momento alto do seu percurso, no qual não encontro ruturas, mas uma evolução contínua, em que o amadurecimento pessoal se articula com as leituras e releituras, com a intervenção pública e o convívio dos amigos, mormente nas tertúlias. O seu propósito fica enunciado desde o início: «Eis uma primeira aproximação, existencial, simbólica, histórica e ideológica da teoria do movimento. O livro dá testemunho de uma etapa, mas sobretudo abre um itinerário.». Reflectindo sobre as expressões superiores da actividade humana, em particular da nossa, portuguesa, como a generalidade dos seus estudos, o volume é um dos que mais se demora na teorização do que, implícita ou explicitamente, constituiu uma das suas preocupações mais constantes. Como se compreende, o verbo mover, com os substantivos e adjectivos da mesma raiz, bem como o demais vocabulário e temário desse núcleo semântico têm capital importância para quem entende que «o movimento é a primeira e a última essência do homem». O qual, porém, se não há de reduzir ao plano mecânico e natural, mas valorizar acima de tudo na perspectiva aristotélica da transformação, ou seja, da mudança de forma: Transformação seria, neste sentido, como que o próprio verbo em seu aparecer existencial, como que o movimento, perenemente alterando as formas, mas a partir do seu criacionismo interior e da sua evolução, comprimindo-se a virtualidade no acto, que é por sua vez virtualidade de acto, e assim sucessivamente, na busca da máxima perfeição, com o impulso do Motor Imóvel, do Deus causal e final, o terceiro termo sempre presente no caminho da matéria à forma, no ser que, inserido embora no estar do locus e do situs — localizado e situado —, encarnado e corporizado ainda, aparece no entanto misteriosamente afecto da graça ou do privilégio da perfectibilidade. Tanto por formação, onde avultava a cultura estética do ambiente familiar, como por vocação, de mediador ou comunicador apostado em estabelecer pontes, valorizar afinidades e favorecer convergências, a enunciação do seu pensamento busca a empatia com o leitor, mais do que um rigor formal com curso apenas no restrito meio dos especialistas. Daí o recurso aos exemplos colhidos na actualidade cultural, conforme, neste caso, o célebre texto A Metamorfose, de Kafka, ilustrativo da diferença entre as duas dinâmicas. Assim, enquanto no movimento próprio do homem, evoluindo para formas superiores, as mudanças espelham os impulsos interiores, já quando ele é imposto pela mecânica social, as alterações da forma dissociam-se dos movimentos interiores, que tendem a reprimir, de acordo com a fábula do judeu austríaco posto em face de certa civilização germânica. O pensamento de António Quadros, onde se reconhece, na senda de Junqueiro, Bruno e Leonardo, a pessoal assimilação dos ensinamentos de Álvaro Ribeiro, formula a noção em termos adequados, tanto ao domínio antropológico, como ao cosmológico e ao teológico; pois «a matéria, na concepção aristotélica, não é em si formal, mas formável, graças a uma dinâmica teleológica que lhe confere acção e movimento»; pelo que «para Aristóteles a própria essência do mundo é transformação, processo de aperfeiçoamento do homem e das instituições». Em suma: A transformação é condição da natureza naturata e é, por assim dizer, a face visível do curso misterioso da Providência. É o princípio transiente e transcendente das formas, múltiplas e no entanto, não unas, mas universais, isto é, caminhando versus uno, pela mediação da natureza ou do múltiplo. Pode inferir-se, assim, que a aproximação à nossa tradição, iniciada por intermédio das filosofias da existência, prosseguiu em patamares sucessivamente mais elevados, como se no filósofo fossem despertando virtualidades adormecidas ou obscurecidas pela opacidade do ambiente mental. Designadamente no modo como o movimento se lhe revela, brotando do interior, sim, mas em virtude da atração providencial, teleológica ou escatológica que, sem a confinar metafisicamente, António Quadros discretamente filia no aristotelismo cristão ou, melhor, numa filosofia cristã de feição aristotélica. Teria sido, pois, com deliberada intenção que O Movimento do Homem foi datado, na última página, do «Natal de 1962» — simbolizando o nascer ou renascer para uma luz nova ou renovada, por virtude da qual o filósofo retomou e actualizou, com novo impulso, uma concepção do homem, do mundo e do que os ultrapassa, cujo desígnio universal é indissociável da realidade lusíada.

 

V.
Existencialmente, O Movimento do Homem era o daquele homem, António Gabriel de Quadros Ferro, numa fase determinada da sua vida e da sociedade onde se integrava, como testemunho das transformações pessoais e epocais relevantes experimentadas. Com efeito, para além dos violentos acontecimentos que, desde o ano anterior, dilaceravam o corpo da Pátria, preparando o desmembramento do decénio seguinte, marcante também teria sido essa fase a nível pessoal. Limitar-me-ei, a propósito, a recordar o breve artigo que subscreveu, em 29 de Janeiro de 1964, no jornal lisboeta Novidades, por ocasião da festa de São Francisco de Sales, padroeiro da imprensa católica: «O seu atributo é um coração inflamado, ou um coração trespassado rodeado duma coroa de espinhos. Outro atributo é um globo de fogo», leio no Dicionário de Santos, de Jorge Campos Tavares. Redigido em estilo confessional, remete para uma experiência religiosa ocorrida nos primeiros meses de 1963, da qual resultara a sua plena assunção como escritor cristão, ou seja, católico. Nesse contexto afirma a certeza de que «a humanidade caminha para Deus e que, ainda quando parece tomar ínvios atalhos, realiza contudo o plano superior da Providência». Cumprindo ao intelectual católico, «em sua estética e em sua ética», aprofundar o humano, sem o que «dificilmente se realizarão os valores divinos de liberdade e justiça», nem diminuirá «a distância a que as pátrias, as sociedades, as comunidades se encontram dos ideais revelados pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo». Só quem viveu aquela fase da vida nacional e internacional pode avaliar o significado de uma tomada de posição que, na sua simplicidade e coerência, punha no entanto em causa o estereótipo do intelectual. Julgo, no entanto, que, se do ponto de vista religioso a data foi tão importante para António Quadros, do ponto de vista mental a sua evolução foi mais matizada, favorecida pela aproximação à filosofia portuguesa que, iniciada nos tempos de estudante, o conduziria em 1957 ao lançamento do Movimento da Cultura Portuguesa e do jornal 57. É curioso constatar que os valores sublinhados no artigo de 1964 sejam exatamente os mesmos que destaca na dedicatória de O Movimento do Homem: «Ao Francisco Sottomayor, Ao António Braz Teixeira, pensadores da justiça, da liberdade e do movimento». Aliás, o facto de centrar a minha atenção nas fases iniciais da obra resulta da convicção de que talvez seja então mais nítida uma evolução que nas derradeiras se tornou mais subtil, embora não menos importante, conforme seria de esperar de um filósofo do movimento. Sendo certo, no entanto, que a principal preocupação do pensador comprometido com o seu tempo e o seu povo consistia em compreender o modo como podia e devia ser assegurado e orientado o movimento colectivo, nas circunstâncias efectivas que se lhe deparavam. A relação entre o pensamento e a acção, a teoria e a prática, ao contrário do que alguns existencialistas entendiam, não podia ser equacionada em termos individualistas, à margem das instituições e das constituições que estruturam a vida social. O filho de António Ferro cedo terá compreendido, porém, que as dificuldades eram de monta e o caminho estreito, já que, após decénios de instabilidade, dominavam na sociedade portuguesa as tendências conservadoras. Apesar disso, acreditava haver uma instância a partir da qual poderia e deveria intervir, esperando que a Providência favorecesse a evolução que os homens travavam:

 

A História descreve essencialmente, quanto a nós, a luta entre a razão estática e a razão dinâmica. É quando a razão dinâmica deixa de acompanhar o surto religioso, que este cai em formas anquilosadas, pontuadas pela razão estática dos teólogos conservadores. A energia original do cristianismo, porém, não se perde totalmente, já que é recolhida e manifestada pelo espírito reformador e revolucionário dos laicos ou dos clérigos em polémica com a hierarquia.

 

Tal como no artigo do Novidades, António Quadros transferia para o Corpo Místico as esperanças que a Igreja e o Estado se mostravam incapazes de realizar. Poucos anos depois, afirmava ele:

 

Na verdade, se o Espírito no tempo-espaço, no cosmos, é movimento, o Estado tende a representar o estático (daí a reacção do anarquismo), e só por abuso idealista pode identificar-se com o movimento. Em condições óptimas, assegura decerto as instituições através das quais a cultura se abre ao influxo do Espírito. Mas a experiência prova-nos que tais condições só são realizadas, quando o Estado é capaz de representar e assumir a mais livre expressão da cultura criadora que do Povo promana.

 

Tenho para mim que o diagnóstico da realidade portuguesa feito por António Quadros há cinquenta anos permanece válido nas suas grandes linhas, ou seja, que as instituições das quais depende o dinamismo, a criatividade, o movimento colectivo, deixaram há muito, quero dizer, há séculos, de assegurar ao povo português — na ampla acepção que abrange o clero, a nobreza e o povo, em acepção restrita — as condições indispensáveis a realizar as virtualidades que o distinguem. De acordo com o aristotelismo que professava, creio também que essas potencialidades, adormecidas, reprimidas ou inconscientes, são susceptíveis de activação e de algum modo aguardam o motivo que as desperte, mesmo quando se iludem e frustram. Como a Providência não dorme, esse povo que assevera que Deus escreve direito por linhas tortas não desespera da hora que a seu tempo há de chegar. Foi o que, por outras palavras, quis significar o autor de O Movimento do Homem, ao afirmar: «É perpétuo o movimento da humanidade, até à consumação dos tempos.». Não de forma abstracta, genérica ou mimética; mas segundo identidades diferenciadas, já que «a pátria histórica, social e linguística é a matriz que, fecundada pelas sementes universalizantes de um culto que visa à realização final do reino de Deus e do Amor sobre a terra, produz a personalidade espiritual de uma cultura qualificada». Erguer ou reerguer a personalidade espiritual da cultura qualificada que é a cultura lusíada, eis a tarefa para que nos convoca a memória viva do português que celebramos.

Em António Quadros: Obra, Pensamento, Contextos. Actas. 
Edição da Universidade Católica Editora, 2016. 
Coordenação: Manuel Cândido Pimentel; Sofia Alexandra Carvalho.

 

02 – A Poética de António Quadros,
por António Cândido Franco.

 

A minha janela da cozinha abre para sudeste, donde chega o vento quente de verão e se levantam os dois luminares do céu limpo. Nas noites frias de Janeiro, quando as nuvens debandam ou se desfazem, põem-se a brilhar as grandes e diamantinas estrelas austrais. Eu chego lume ao pavio duma vela e leio ao acaso uma página dum livro esquecido. Foi por certo aí que li esta frase de Afonso Cautela: A convite de António Quadros e um pouco por culpa da solidão intelectual em que vivia no Alentejo (com desconhecimento das políticas e dos maquiavelismos lisboetas) caiu [Afonso Cautela] na armadilha de colaborar no jornal 57, deslize que lhe valeria o epíteto de “fascista” vindo dos amigos de esquerda, enquanto a publicação dos cadernos lhe valia o epíteto de comunista, por parte dos que não só lhes apreendiam a publicação como lhe moviam outros tipos de perseguição, não muito impiedosa mas chata, para quem gostava tão pouco de políticos e de política como ele.

 

A frase tem o seu quê de surpresa para quem só conheceu António Quadros na década de 80 do século XX e viu nele um homem cheio de entusiasmo pela tradição portuguesa mas aberto, liberal, pronto a recolher os mais variados contributos e incapaz duma palavra má. De resto essa imagem dum cosmopolita, apto a interessar-se por tudo o que fizesse parte da nata universal, está logo patente em alguns dos seus primeiros estudos, depois recolhidos em Modernos de Ontem e de Hoje. A frase de Afonso Cautela não está publicada em livro e corre apenas naquelas folhas datilografadas em que este homem é pródigo. Só ela merecia um excurso cuidado e demorado, em que por agora não me posso empenhar. Na verdade estou aqui para falar da poética de António Quadros e não para destrinçar a situação cultural e política duma revista marcante, o 57, na segunda metade do Século XX português.

 

É pois a poética de António Quadros que aqui me traz. E a poética dum escritor, digo comigo, nunca é aquilo que se pensa. Também a de António Quadros não é o que de imediato se pode esperar. Poesia e verso nem sempre coincidem naquele ponto onde se apura uma teoria da criação. Enganar-se-ia quem fosse procurar aos versos dum poeta tão prodigioso como Teixeira de Pascoaes a sua poética. Se assim fizesse, colheria só uma pequena parte do exercício criativo deste poeta. É afinal na sua prosa, em especial na prosa narrativa de livros como Duplo Passeio (1942), que se encontra a parcela mais grada e representativa da sua imaginação. Do mesmo modo em António Quadros a letra mais propícia para avançar por dentro da sua poética não me parece que seja a dos versos, por exaltante que seja, mas a da prosa narrativa dos livros de contos, Anjo Branco, Anjo Negro, com duas edições (1960; 1973), e Histórias do Tempo de Deus, também com duas edições (1965; 1979). O conto neste escritor é poesia narrativa em prosa, de largo alcance, que permite recolher uma visão criativa em estado puro e sumamente representativa do propósito geral da sua arte.

 

Nas edições finais destes livros temos um conjunto de dezoito contos, onze para o primeiro livro e sete para o segundo. É impossível fazer aqui uma abordagem dum tal volume de texto. Seleciono por isso um relato particular de cada livro, capaz de restituir em cada caso a comum atmosfera narrativa. Para o primeiro livro, escolho «Rosa Mística» e para o segundo «Império». Vale o trabalho fazer um pequeno apontamento da intriga de cada uma destas narrativas.

 

Em «Rosa Mística», cujo título vale só por si um poema, ou um vitral pré-rafaelita, vemos um homem que escreve, no seu escritório, com uma pistola ao lado. Dá as costas a um retrato seu, antigo, doutro tempo, já revoluto, realista e concreto, pintado por Vicente Atalaia, em que se faz representar em fato de montar e tourear. Em tempos prezou muito o quadro e o que ele representa; não havia por isso momento em que se sentasse no escritório em que não desse a cara ao retrato. Agora não. Desgostou-se dele e do que lá se evoca. Prefere dar as costas, apanhando pela frente uma outra imagem, mais recente, da autoria dum pintor surrealista, adquirida num alfarrabista de Paris. Trata-se duma gravura muito menos centrada, ao menos na aparência, na pessoa do narrador. A uma primeira impressão a gravura é um cromo romântico, com árvores, picos de montanha, céu com nuvens, adornos humanos, aqui ou ali. Quando o olhar se fixa, as imagens mudam. As árvores por exemplo metamorfoseiam-se em fisionomias humanas ou animais e os picos e as nuvens ganham a forma de máscaras vivas e exóticas. É um conjunto alucinante, que rodopia a uma velocidade imparável, acabando por formar uma rosa estável e fixa.

 

Esta gravura, o «trompe l’oeil», tão do agrado no presente do narrador, recorda-lhe uma mulher, a quem só viu uma vez, há trinta anos, e de quem não sabe sequer o nome. Chama-lhe a «Rosa Mística». Esta mulher, entre tantas outras que possuiu, é a única que ele amou com verdade, e logo a única recordação que lhe interessa ter presente. O amor que hoje tem a essa mulher é de tal modo grave e sincero que está disposto a matar-se. Com a morte acredita poder revelar uma outra vida, onde acederá à Rosa Mística, cuja vida autêntica não é compatível com este mundo, representado pelo quadro de Vicente de Atalaia.

 

Em «Império» — nome que é uma encruzilhada — um homem, Duarte, chega a uma grande empresa jornalística e pede para entrar. Agostinho Teles e Ricardo Teles, o chefe daquele empório e seu filho, não o podem receber, pois estão em reunião. Pede então para chamar o redator principal do jornal, Mário Santana. Este chega ao fim dalgum tempo, abraçando efusivamente o desconhecido, a quem reconhece.

 

Entretanto no interior da empresa tem lugar a reunião. Agostinho Teles passa a chefia da empresa ao filho Ricardo, que faz o seu primeiro discurso ao pessoal do jornal. É um discurso prático, economicista, em que se defende o trabalho, a aplicação, a modernização, a racionalização dos meios, a disciplina, o dever, a produtividade e a rentabilidade. Anuncia então a instituição de prémios de produção para os melhores trabalhadores, a quem promete ascensão rápida dentro da empresa.

 

No exterior, Duarte conta a sua história a Mário Santana. Abandonou pai e irmão há muitos anos, desgostoso dos valores familiares, escorados no trabalho e na aparência, para ir ter aquilo que o dinheiro não lhe podia dar, a liberdade. Tem hoje a certeza, depois do que viveu, de que aquilo que importa na vida é procurar a alma. E está de regresso a casa para dizer ao pai e ao irmão que o império é o do espírito e não o do dinheiro.

 

A pergunta que me faço é a seguinte: como ler estas duas narrativas — de resto muito próximas de todas as outras? Digo que o ponto de partida para responder pode ser este: estes relatos preocupam-se em mostrar, por meio de estratégias narrativas cuidadosamente escolhidas e apropriadas, o que está além das aparências ou do real visível. Assim em “Rosa Mística” há por um lado o traço de Vicente Atalaia, sinal dum Eu social, perdulário e arrogante, que ocupa o espaço imediato da vida, e por outro lado um Eu profundo, transcendente, que se revelou em segredo, na intimidade, e vive magnetizado na procura dum amor verdadeiro, identificado à mulher sem nome, a Rosa Mística. Em “Império” temos dois irmãos, Ricardo e Duarte, sendo o primeiro o real imediato, o Eu social, autoritário e ganancioso, e o segundo o real transcendente, o Eu interior e espiritual, desligado deste mundo e dos interesses materiais.

 

Se corrermos as restantes narrativas de António Quadros percebemos que a dinâmica da sua intriga se alicerça sempre em idêntico movimento dual, que põem em contrastivo confronto o mundo social e o mundo dos desejos mais íntimos e autênticos, em geral desconhecidos à camada da consciência mais exposta. Dou mais um exemplo, que é modelar e sumamente significativo, além de curioso e pouco esperado. Trata-se do relato que abre o livro Histórias do Tempo de Deus, «A Palavra». A intriga narra-se em poucas palavras. Em delicada situação hospitalar um homem doido é analisado por dois médicos, que procuram sem resultado o sentido duma palavra misteriosa, repetida à exaustão e em êxtase efusivo, por este homem abstracto e sem razão. Aquilo que aqui se joga é ainda o Eu social e analítico, o Eu deste mundo, representado pelos analistas, em contraste com o Eu selvagem e livre, o Eu duma realidade desconhecida e transcendente, que nos é dado pelo doido.

 

Os títulos dos livros, jogando no primeiro caso com o contraste de duas cores opostas e extremas, o branco e o negro, e no segundo com um tempo de Deus e um tempo do homem, também eles inconciliáveis e sem pontos de encontro, contribuem para a dinâmica contrastiva que estrutura a ossatura das narrativas de António Quadros. Que isto não é apenas uma impressão de leitura ou um facto inexorável da análise textual, di-lo a nota introdutória que o autor achou por bem juntar à segunda edição de Anjo Branco, Anjo Negro. Encontro aí o seguinte:

 

[...] os oito primeiros contos, incluídos na 1.ª edição (publicada em 1960) e agora revistos, procuraram sondar, nas situações limite do amor e da morte, da consciência e da loucura, da vigília e do sonho, da contemplação e da acção, algo de uma estrutura original dos homens, para além do seu recorte no quotidiano, algo que mergulha raízes no insondável de antigos mitos ou de uma memória arcaica, distante e todavia presente no seu comportamento actual — e nas brechas que por vezes neste se abrem, revelando insuspeitadas paisagens interiores.

 

Foi pois propósito do autor escrever histórias que lhe permitissem recuperar partes esquecidas ou invisíveis da realidade, fazendo-as viver à luz do dia, de forma consciente, no contraste do real quotidiano ou do real sensível. Esse outro plano do real, que se manifesta nas situações limite do dia-a-dia, como o amor da Rosa Mística, a loucura do paciente analisado ou o sonho aventureiro de Ricardo, corresponde àquilo que o autor designa como a estrutura original dos homens e que chamei de Eu interior e livre. Esta realidade pessoal de segundo nível, que podemos fazer equivaler à segunda consciência freudiana, o escondido cofre psíquico onde se fecham a sete chaves os recalcamentos e os desejos mais pessoais e arcaicos, foi obstruída por um aluvião de novidades exteriores, como o poder, a posse, o dinheiro, o sucesso, o prestígio, a racionalidade, que se impuseram e logo se fizeram os imperativos estruturantes do Eu humano, que assim passou de livre a condicionado, de interior a social.

 

Estamos agora em condições, eu e o leitor, de percebermos a poética de António Quadros. Dito doutro modo, temos os elementos necessários para saber o que o António Quadros pediu à literatura, porque é disso que se trata, quando se fala de poética. A função do conto ou da literatura em geral para António Quadros é revelar, sob a superfície baça do quotidiano, sob a camada cristalizada do gelo exterior, um Eu humano profundo, sem condicionantes de tipo social. Trata-se de despir o Eu das roupagens convencionais, de libertar ou de dinamitar os interditos, de modo a exumar do olvido e do abandono o corpo essencial do Eu, que assim regressa, mesmo que nas situações anormais da loucura, da morte ou do amor, que só duram fugazes instantes, ao convívio do real sensível. Esse Eu essencial equivale a pôr à mostra uma alma secreta do mundo, onde tudo está intacto desde e para sempre. A literatura funciona pois para Quadros como uma forma de revelação ou de iniciação à memória do que está esquecido ou mesmo como uma forma extrema de busca daquilo que se perdeu e é tão valioso como uma esmeralda rara. Nenhum título de livro seu revela assim tanto o propósito da sua escrita como o derradeiro que deu, Memórias das Origens, Saudades do Futuro (1992), verdadeiro testamento de ideias e de intenções.

 

Vou até à janela da cozinha, que o leitor já conhece. É noite cerrada. A transpiração urbana, mesclada aos vapores quentes do vento sul, suja a atmosfera. Nem uma estrela nesse quadrante do céu se côa. Um céu de fuligem, sem espessura, uma pincelada seca de óleo, ondula diante de mim. Se fosse possível afastar esta cortina de cinza, veria Antares, em fogo, palpitar com a sua cor de sangue. Não é uma esmeralda mas é todavia um rubi, uma pedra preciosa, um coração a palpitar no infinito. Também eu devo ser um caçador de jóias, um insatisfeito com as aparências do mundo. Quero o fogo analógico, o corpo desnudo e essencial, o mito arcaico e anterior ao Tempo, que um véu baço e social nos roubou para sempre. Faço parte da mesma confraria de António Quadros. Digo comigo que esta irmandade é bem mais larga do que se pensa, até no tempo que foi o dele, a segunda metade do século XX português.

 

Talvez por aí se possa comentar com proveito a frase de Afonso Cautela que aqui li, uma noite, com surpresa, à luz cerosa duma vela, percebendo, ainda com mais surpresa, que do ponto de vista do absoluto em que Quadros se moveu a sua hoste não é apenas o pequeno pelotão da Filosofia Portuguesa mas todos os outros, conhecidos ou anónimos, que nunca perderam de vista o regresso ao Paraíso e fizeram da poesia uma via de acesso ao sublime. Este homem faz parte duma tribo de aventureiros do espírito, que nunca morre. Isto é que de verdade interessa e o junta a tantos outros, que desde Jasão e Seth não desistem de partir em busca do Paraíso. O resto, o que se conta à boca pequena, as pequenas histórias, quase miseráveis, sem verdade, que todos, à esquerda e à direita, arrastamos neste mundo que um dia perdeu a sua glória primeva, são o lastro, o pesado lodo de que o amor, a aventura, o sonho, a morte ou a loucura, para alívio nosso, nos haverão de libertar

 

Em António Quadros: Obra, Pensamento, Contextos. Actas.
Edição da Universidade Católica Editora, 2016.
Coordenação: Manuel Cândido Pimentel; Sofia Alexandra Carvalho.

 
03 – 8 de Março – Dia da Mulher: Fernanda de Castro, a minha avó,
por Mafalda Ferro.


Celebrando o Dia da Mulher ocorrido no passado dia 8, escolho como exemplo de Mulher a minha avó Fernanda de Castro.

Mulher de Família e de trabalho, a minha avó era generosa, corajosa, lutadora, solidária, independente, um pouco autoritária, uma líder que, sem preconceitos de qualquer espécie, agregava à sua volta amigos, colaboradores e família realizando projectos, tertúlias literárias e artísticas, reuniões de família.


Foi Escritora, Poetisa, Dramaturga, Jornalista, Editora, Conferencista, Viajante, Declamadora, Decoradora, Proprietária e gerente de estabelecimentos de restauração e hotelaria, Coleccionadora de conchas, Mestre na arte da culinária, concebia e cozinhava receitas inovadoras e, ainda, uma das primeiras mulheres a tirar a carta de condução em Portugal.

Fundou e dirigiu uma revista, uma companhia de bailado, uma companhia de teatro, um Círculo de Cultura Infantil, a obra social «Parques Infantis».

Assinou letras para música e filmes.

Organizou feiras e exposições.

Fez quadros de flores secas, registos de santo e bordava.

Plantou e tratou de plantas, era sua amiga.

Além de tudo isto fazer sem que se entendesse como conseguia organizar o tempo, nunca deixou de ser esposa para ser mãe, nem de ser mãe para ser independente.

Entregou-se aos seus projectos e aos do marido, aos filhos, aos amigos, às crianças e a todos os outros... sem se perder de si própria, sem se desviar do seu caminho nem daquilo em que acreditava.
De todos gostava, de ninguém dizia mal, não tinha inimigos mas tinha irritações.

Matriarca da família Quadros Ferro, nunca deixou que nos desencontrássemos uns dos outros. Era o elo que nos unia.

Do marido, foi amiga, companheira, parceira, amante.

Para os filhos, netos e bisnetos, foi mestre, foi inspiração, foi alegria, foi exemplo.

Para mim, foi tudo isso mas muito mais.

URGENTE

Urgente é construir serenamente | seja o que for, choupana ou catedral,

é trabalhar a pedra, o barro, a cal, | é regressar às fontes, à nascente.

É não deixar perder-se uma semente, | é arrancar as urtigas do quintal,

é fazer duma rosa o roseiral, | sem perder tempo. Agora. Já. É urgente.

Urgente é respeitar o Amigo, o Irmão, | é perdoar, se alguém pede perdão,

é repartir o trigo do celeiro.

Urgente é respirar com alegria, | ouvir cantar a rola, a cotovia,

e plantar no pinhal mais um pinheiro.

                                                                                    Fernanda de Castro

 
04 – Retrato d'A Leviana - Mulher do início do Século XX, 
por António Ferro.

Lá estive na tua conferência. Adormeci, a certa altura. Não te zangues, amor… Sonhei contigo.

Rasguei hoje o teu retrato. Senti que se continuasse a olhar para ele deixaria de gostar de ti: estás tão parecido!


Deves ter muito que me dizer: estás tão calado…


Tu, é que tens culpa de eu não gostar de ti: gostas tanto de mim…


Podes crer. Eu mudo de alma como quem muda de camisa...


Que grande dor de cabeça… Dir-se-ia que vou pensar...


Que queres tu que eu faça das rosas que me mandaste? Posso esconder uma nos seios. As outras, porém, deito-as fora. Não tenho mais solitários...


Estreei hoje um vestido. Se o quiseres ver, estará amanhã exposto, toda a tarde, na matinée do Olímpia.


Gosto de olhar para todos, e que todos me vejam… Os meus sorrisos são prospectos que distribuo.


Obra reeditada em António Ferro: Ficção. E-Primatur, 2022.

 
05 – Exposição «Corpos Modernos do Palco – Fotografia de Silva Nogueira 1920-1930»,
por Paulo Ribeiro Baptista.

Local: Centro Português de Fotografia (Porto).

Curadoria: Paulo Ribeiro Baptista.

Duração: 9 de Abril / 30 de Junho de 2022.

O modernismo em Portugal teve contornos singulares e o teatro foi um dos domínios em que se afirmou, sobretudo em termos visuais.

Afinal o teatro, como disse Almada Negreiros, é o “escaparate de todas as artes”. Por isso, também uma fotografia moderna convergiu no teatro e surgiu sobretudo pela mão de Silva Nogueira.

A afirmação dos valores modernistas na fotografia é um dos traços que distinguem a obra de Silva Nogueira dos anos 1920 e 1930, como nos provam os retratos desta exposição.

Através desse conjunto de imagens podemos explorar as dimensões de uma quadrupla modernidade. Elas testemunham a profunda mudança estética do retrato, incorporando novidades do cinema, como o grande plano ou os efeitos de luz; também nos deixam perceber a transformação operada no teatro nacional, quer no teatro de repertório quer na Revista à Portuguesa, com uma marcada influência cosmopolita, sobretudo na dimensão visual; por outro lado, assistimos à ampla disseminação dessas imagens nos novos magazines ilustrados, conseguindo fazer chegar o novo gosto a amplas franjas do público; finalmente, estas imagens são reveladoras de uma emancipação e de um empoderamento da mulher com um inusitado protagonismo nos palcos, assumindo o próprio corpo como uma estética moderna, com uma dimensão performática. Este conjunto de vinte e seis retratos é revelador de uma surpreendente modernidade, mesmo sob o olhar do nosso tempo.

Nota: A exposição reúne retratos de Luísa Satanela, Brunilde Júdice, Francis Graça, Beatriz Costa, Corina Freire, Mafalda Evanduns, Mariamélia, entre muitos outros, por Silva Nogueira.

Legendas:
1 - Cartaz da Exposição;
2 - Francis Graça retratado por Silva Nogueira;
3 - O autor da exposição, Paulo Ribeiro Baptista, com Mafalda Ferro no primeiro local da exposição, Museu Nacional do Teatro e da Dança, Lisboa.

 
06 – Mostra «Viagem a um país desconhecido – Emílio Biel, “A arte e a natureza em Portugal”».
por Paulo Ribeiro Baptista.

 

Local: Biblioteca Nacional de Portugal |  Sala de Exposições - Piso 2. 

Morada:
Campo Grande, 83 1749-081 Lisboa

Curadoria:
Paulo Ribeiro Baptista.

Horário:
Horário da Biblioteca.

Duração:
8 Março / 3 Maio 1922. Entrada Livre.

 

Em meados de Novecentos Portugal era um país em grande medida desconhecido. O principal meio de transporte entre a Lisboa e o Porto era o barco e uma das mais importantes obras literárias do romantismo nacional, Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, descreve um percurso de Lisboa a Santarém… de vapor. Os pintores românticos, que introduziram a paisagem como género, seguiram um programa estético em grande medida idealizado

A “viagem a um país desconhecido” que consideramos representar a publicação de A Arte e a Natureza em Portugal foi possível porque, nas décadas seguintes, o fontismo lançou um ambicioso programa de obras públicas com linhas de caminho de ferro. A Casa Biel fotografou a construção de parte dessas linhas e essas imagens foram publicadas em álbuns de fotogravuras e em gravuras de madeira na mais importante publicação ilustrada portuguesa, O Occidente. Nessa publicação, ao mesmo tempo, podemos seguir um levantamento fotográfico sistemático de paisagens e de monumentos de todo o país, feito pela Casa Biel, o que lançou as bases para a publicação de A Arte e a Natureza em Portugal.

A geração de artistas do último quartel de Oitocentos, os naturalistas, inspirados pela observação directa da paisagem, foram contemporâneos das primeiras publicações em O Occidente de gravuras de paisagens e de monumentos feitas a partir de fotografias de Biel. Uma parte das paisagens da exposição sugere um gosto que não se encontra distante do da pintura de naturalistas como Marques de Oliveira ou Silva Porto, o que levanta a hipótese de terem recorrido ao auxílio de fotografias, como sucedeu com os naturalistas, realistas e impressionistas franceses seus contemporâneos.

Desde 1880 que a Casa Biel começou a publicar obras com fotogravuras pelo processo da fototipia e logo surgiu a proposta de publicar um grande álbum fotográfico de paisagens e monumentos portugueses. Contudo, as primeiras tentativas foram precocemente goradas. Face à falta de apoios, a publicação de A Arte e a Natureza em Portugal acabou por só se concretizar a partir de 1902. Provavelmente, o longo tempo de amadurecimento do projecto conferiu-lhe maior solidez e permitiu angariar as contribuições de uma plêiade de intelectuais portugueses, de que se destacaram Joaquim e Carolina Michaelis de Vasconcelos.

A colaboração de Joaquim de Vasconcelos conferiu às iniciativas de Biel a robustez científica assegurada pelo primeiro historiador de arte português.

Esta exposição pretende retratar a viagem a um país desconhecido através da fotografia de Emílio Biel e da sua obra Arte e a natureza em Portugal.

 
07 – LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS
Promoção do mês.

 

Título: Revista Espiral, n.º 02.

Direcção, edição e propriedade: António Quadros.

Autoria  de ensaios e artigos: José Marinho, Avelino Abrantes, António Quadros, Bernardo Santareno e Luís Forjaz Trigueiros, Júlio M. de la Rosa, José Sesinando, Monteiro-Grillo, David Mourão Ferreira, Manuel Breda Simões, António Braz Teixeira, Francisco Sottomayor, Luís do Espírito Santo,

Edição – Lisboa: Tipografia Peres, Verão de 1964.

PVP (promoção até 14 de Abril): 10,00.

 
 
     
 
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