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Newsletter Nº 34 / 21 Março de 2012
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ANTÓNIO QUADROS. 19 ANOS DEPOIS...

por Mafalda Ferro

Adivinhando a proximidade da morte, António Ferro escreveu ao seu filho mais velho, António Quadros, uma carta que, na família, é considerada como o seu único testamento e que termina da seguinte forma: "Uma última recomendação: sê bom, sê bom através de tudo, até quando tenhas de responder à maldade dos outros. A glória humilde, a glória íntima do coração é a maior e a mais bela de todas. Não poder continuar a fazer bem aos outros, a ser, ao menos, gentil para com eles, é agora o meu maior sofrimento".
Era assim António Ferro e, assim foi António Quadros que deixou à família os seus bens mais preciosos: sólidos princípios, valores e um forte espirito de família. Nós, seus filhos, netos e bisnetos, assistindo diariamente à dissipação de tudo o que é material, gostaríamos de conseguir, também nós, conservar e deixar esse mesmo legado aos nossos filhos.
A Fundação preserva a Biblioteca e os documentos que António Quadros produziu e reuniu durante toda a sua vida e, a título de curiosidade, transcrevo aqui alguns excertos de apontamentos, que encontrei num velho bloco de notas, escritos por António Quadros, quando tinha apenas 23 anos.
Agradeço a todos os que, homenageando António Quadros, têm colaborado com o trabalho da Fundação.

 

"NEM MUITO À ESQUERDA, NEM TANTO À DIREITA"

por António Quadros Ferro


Consideravam-no complexo, ilegível, às vezes aluado, mas interessou-se pelo simples, pelo particular humano e nunca, na sua aparente distância, desconsiderou os outros, fossem ou não como ele, estivessem ou não consigo, quisessem ou não compreendê-lo.
Era filho de António Ferro e isso também era motivo de estranheza, afinal, era preciso acabar com as direitas e, se possível, expatriá-las rapidamente - ao meu avô, parece, queriam-no longe dos pais.
Era preciso tornar António Quadros mais isento, mais artista, mais francês, salvar-lhe a imagem pública de intelectual promissor e mudar-lhe talvez o nome para protegê-lo de eventuais confusões políticas quando publicasse a sua obra. Nem muito à esquerda, nem tanto à direita.
António Quadros, não escreva sobre o Sebastianismo, olhe que o confundem. António Quadros, não escreva poesia, é demasiado patriótica. António Quadros, não traduza Camus, nem Cocteau, muito menos Miller, olhe que isso gera confusões entre os seus amigos e a direita vai considerá-lo promíscuo. AntónIo Quadros, apague o Existencialismo nas referências à sua obra. Filosofia Portuguesa Sr. Dr.? Literatura Infantil? Modernismo? Sá-Carneiro? Fernando Pessoa? Evite ir ao Brasil falar sobre tudo isso, mas também não fique aqui, olhe o Eduardo Lourenço Sr. Professor…E o Sena, não vê que deixou de vir às tertúlias?
Apesar dos empurrões, António Quadros completou a sua obra e viveu a sua vida como quis, escreveu poesia, ensaio, filosofia e cinema, não mudou de nome, nem de país e fez conferências sobre o seu pai imediatamente depois da sua morte, esteve ao lado da sua mãe, antes, durante e depois da revolução e umas vezes era de esquerda, outras vezes de direita, embora nunca dissesse em quem votava. Dezanove anos depois da sua morte o país não mudou assim tanto. Não é patriótico e às vezes não é democrático. Valham-nos os livros. Neste caso, os livros de António Quadros. Mas sobretudo a sua vida, o exemplo da sua liberdade, em tempos tão ou mais difíceis do que os nossos.

 

Excertos de um Diário inédito de António Quadros

1946 (aos 23 anos)

3 de Setembro
Levantei-me tarde. Almocei no Círculo Eça de Queiroz com o Chico Fernandes. Comprei, na Bertrand, cinco livros. A revista Fontaine, l’ Existencialisme est un Humanisme, de J. P. Sartre, Le Zero et l’ Infini, de A. Koestler, Journal, de André Gide e L’Eternité Retrouvée, de Aldous Huxley. Telefonei à Pó. Vou ter com ela, às 6 e 1/4. Vim ao Cinearte, onde estou a escrever, no intervalo.
Uma fita de cowboys, onde não faltam socos, correrias e cowboys. Em seguida, um filme inglês – A estrada de Waterloo. Bastante bom. Cada vez me convenço mais da superioridade dos cinemas francês e inglês sobre o americano.

17 de Setembro
Tenho estado a reler antigos ensaios meus. É curioso como os leio, e me parecem não ter sido escritos por mim. O consciente lê uma obra realizada pelo subconsciente e eis a causa da ilusão.
 

O MEU PAI

por António Roquette Ferro
(em Retrato de uma Família, 1999)



"É muito difícil, senão impossível, definir em poucas linhas, uma figura tão multifacetada como a do meu pai.
Ao lembrar, emocionado, a minha relação intima com ele, ocorreu-me o nome de um dos seus mais famosos ensaios: “Fernando Pessoa: Vida, Personalidade e Génio”, cujo subtítulo pode, afinal, resumir a recordação que dele guardo.
Foi o meu pai que moldou e determinou a minha vida, convocando o melhor de mim e transformando-me, com o passar dos anos, num ser cada vez mais grato.
Nos valores que me transmitiu, conseguiu que esse legado fosse extensível também aos meus filhos, com que manteve uma interacção tão terna e sábia. Um deles, numa evocação que lhe dedica: O avô dos aprendizes, os netos da Experiência…”
O meu pai. O nosso pai, deixou sobretudo uma Filosofia de Vida. Uma maneira diferente e tolerante de olhar os outros; de conviver com os outros; de trabalhar com os outros.“Não me interessa apenas formar bons profissionais. Interessa-me sobretudo formar pessoas boas”, disse-me tantas vezes.

António Quadros, como escreveu David Morão-Ferreira, era um farol na noite escura e a noite tornou-se mais noite, desde que a morte o levou.

É o que sinto, também."
 

"APRENDI A AMAR A LIBERDADE"

por António Quadros

"Aprendi a amar a liberdade nos meus dias de vagabundo. A liberdade é a abertura da carta de prego que cada um leva consigo. (...) É preciso que os homens descubram a razão que trazem escondida, na sua alma de peregrinos. É preciso que descubram a verdadeira razão de viver, de sofrer e de morrer. É preciso que se sintam irmãos, precisamente porque são diferentes. É preciso que se sintam homens, precisamente porque não são autómatos e não foram fabricados em série por um Deus relojoeiro."

do conto «Império»,
em 'Histórias do Tempo de Deus' (1979)
 

"É PRECISO QUE NINGUÉM MAIS SOFRA"

por António Quadros

"É preciso que ninguém mais sofra, é preciso que os homens sejam irmãos, é preciso que a luta contra o sofrimento não seja uma outra forma de sofrimento, é preciso inventar a alegria, (...) é preciso levar a esperança aos corações desesperados que avançam para a morte, é preciso que a esperança não seja só um aceno e uma ilusão, é preciso que o cortejo infindável passe por sobre o abismo. (...)"

do conto «Ao longo da nave»,
em 'Histórias do Tempo de Deus' (1979)
 

"DIGA-ME DR. MENDONÇA"

por António Quadros

‎"Diga-me, Dr. Mendonça, quando é que tem tempo para pensar... para se recolher... para descobrir o que realmente é... Quando, se a vida não nos dá tempo... intimidade... liberdade? Andamos sempre rodeados de pessoas... os outros que não nos largam... querem que sejamos assim... ou assim... (...) e aconteceu-me fugir... tentar fugir... largava tudo, fosse o trabalho ou a casa... e andava pelas ruas... ao acaso... andava, andava, e esquecia-me onde estava... quem era. (...) As pessoas sentem-se inseguras diante dos loucos, mesmo que sejam inofensivos, quase normais, e sabe, eu penso que esta insegurança é boa. Devemos estar inseguros. Devemos pensar o que não foi pensado. Devemos suspeitar, porque a vida é infinitamente complexa e nunca ninguém lhe deu a volta.
(...)
- Você pensa talvez que já estou a ficar parecido com eles? Que sou um velho maníaco, a pedir reforma? É capaz de ter razão, é capaz de ter razão..."

do conto «A Palavra»,
em 'Histórias do Tempo de Deus' (1979)
 

"COMPREENDEM AGORA PORQUE COMEÇO A SENTIR-ME LIVRE?"

por António Quadros

"(...) Compreendem, agora porque começo enfim a sentir-me livre? Porque antes os meus passos me afastavam, em vez de me aproximar, porque antes as minhas acções regressavam sempre a mim, ao meu 'eu', à minha pessoa, anquilosando-me num círculo que tomara a própria estrutura do real, porque me compreendo enfim como um movimento menor, como uma fuga dentro da grande fuga, como uma partícula, dentro do grande verbo. Estamos todos comprometidos na mesma aventura, caminhamos todos para o mesmo fim, vamos todos irmanado na mesma condição, mas nada poderemos fazer uns pelos outros ou até por nós próprios, se não conhecermos a verdadeira natureza dessa aventura, desse fim, dessa condição. Subtilizando a nossa inteligência, sim, furtando o peso aos nossos hábitos, insuflando às nossas ideias a saudade ou simplesmente o desejo de levitação que nos toca nos momentos mais inefáveis, mas que é semente a cultivar nas nossas almas, descobrimos, vamos descobrindo, descobriremos o verbo para lá do humano, o verbo na raiz da contemplação, no centro da acção, no núcleo mais irredutível do movimento, no perceptível, no audível, para lá do audível, no genético, no criador, no misterioso vital, no divino que habita a natureza, que espiritualiza a alma, que encarna no ser, que ama, que nos ama, que nos ama no amor, que promete o transcender das cisões, das diferenças, das oposições, dos antagonismo, dos egoísmos, dos círculos fechados, quando tomarmos a sagrada disposição de sermos também amor, e de levar os nossos pensamento, os nossos sentimentos, os nossos actos, à suprema relatividade que é também, o supremo dinamismo e o supremo conhecimento...
(...)

Ficaram todos calados durante alguns minutos. (...)

Paulo saiu, fechou a porta, desceu as escadas. Amanhã? Cristina deixou-se ficar encostada à porta, dizendo em voz baixa, descontroladamente:
- Não, não, não. (...)"
do conto "No tempo, revelando o tempo",
em 'Histórias do Tempo de Deus' (1979)
 

PRÉMIO ANTÓNIO QUADROS 2012 - POESIA

O Prémio António Quadros (PAQ) foi criado com o objectivo de celebrar a vida e a obra de António Quadros, assim como de distinguir, encorajar e divulgar o Pensamento Português nas suas múltiplas expressões e géneros, tarefa a que o pensador dedicou grande parte da sua actividade intelectual.

Em 2011, na 1.ª edição do PAQ, foi premiada uma obra de Filosofia: «Natureza, Razão e Mistério – Para uma leitura comparada de Sampaio (Bruno)», do teólogo Afonso Rocha. Em 2012, depois de consideradas diversas temáticas, deliberou-se que a 2ª edição do Prémio António Quadros iria distinguir uma obra de Poesia. O Prémio António Quadros será entregue no Hotel Palácio (Estoril) no dia 14 de Julho, às 15h.
Visualize o regulamento do Prémio António Quadros aqui.
 
 
     
 
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