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Newsletter Nº 56 / Agosto 2013
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

EDITORIAL
por Mafalda Ferro


António Ferro nasceu em Agosto de 1895 e, por isso, pelo Homem que foi, pelo seu legado a Portugal, lhe prestamos homenagem, dedicando-lhe a presente newsletter.

Lembro Urbano Tavares Rodrigues como um dos amigos que António Quadros, meu pai, muito estimava e admirava. Um Homem bom que nos deixa o exemplo da sua vida e de uma personalidade íntegra, coerente e humana, assim como uma incontornável obra literária publicada em quase cem títulos.
Em 1964, António Quadros dedicou-lhe, assim como a David Mourão-Ferreira e a Luiz Francisco Rebello, o seu livro Crítica e Verdade: introdução à actual literatura portuguesa. Nesta obra, a propósito de “A Novelística de Urbano Tavares Rodrigues”, António Quadros escreveu: “Urbano Tavares Rodrigues é um escritor que precisa de se dar inteiramente aos seus temas, para que a sua prosa reflicta toda a exuberância e a força que lhe são virtuais” (pág. 45).
Relendo a correspondência enviada por Urbano a António Quadros e preservada na Fundação, encontrei um cartão escrito em Junho de 1966, do qual me parece apropriado transcrever aqui um excerto:

Meu querido António
Mil vezes obrigado pelas tuas palavras! Ter amigos como tu é um privilégio raro que sei apreciar. Eu adorava a minha mãe e vou continuar a adorá-la. Não acredito no Além mas posso compreender que a saudade dos homens invente o mito da Eternidade.
Tenho tido lapsos de memória, até a guiar, já desmaiei duas vezes, mas quero viver com o mesmo amor pela vida que a minha mãe estimava em mim.

Urbano Tavares Rodrigues conservou o mesmo amor pela vida que, não só a sua mãe mas todos nós, estimávamos nele.
Apresentamos à sua família e amigos as nossas sentidas condolências.

Por fim, em tempo de férias, recomendo vivamente a visita às três exposições referidas na nossa AGENDA CULTURAL.

Boa leitura.

Dedicatória manuscrita de Urbano Tavares Rodrigues, 1970.
 

INAUGURAÇÃO DAS NOVAS INSTALAÇÕES DA FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS
por Mafalda Ferro


No sábado, dia 13 de Julho, véspera do dia em que António Quadros faria 90 anos, a Fundação, até então instalada em Lisboa, reabriu as suas portas no novo espaço cedido pela Câmara Municipal de Rio Maior (CMRM). Na cerimónia de inauguração, tomaram da palavra Isaura Morais, presidente da CMRM; Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura e membro do Conselho Consultivo da Fundação António Quadros; Mafalda Ferro, presidente da Fundação; e Mafalda Samwell Diniz, autora da imagem gráfica da Fundação. Nesse dia, foi inaugurada a exposição “António Quadros-vida e obra” que estará patente no átrio da Biblioteca Municipal de Rio Maior/Fundação António Quadros até 16 de Agosto. Estiveram presentes amigos, voluntários, colaboradores e órgãos sociais da Fundação, a família de António Quadros, Fernanda de Castro e António Ferro e, também, os munícipes de Rio Maior.
Agradecemos a todos quantos trabalharam em prol desta iniciativa.






 

O ALFABETO DAS TRÊS VIDAS
por Mafalda Samwell Diniz



 

ANTÓNIO FERRO | BREVES REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS
por Cândida Cadavez


Nasceu a 17 de Agosto de 1895 e morreu no dia 11 de Novembro de 1956 este filho de comerciantes alentejanos republicanos que cedo terá despertado para a oratória por influência dos discursos que ia ouvindo a António José d’Almeida e que agenciou um sem número de iniciativas relacionadas com as artes e as representações de Portugal, cujos ecos ainda hoje encontramos replicados, nomeadamente nas retóricas turísticas nacionais.

A biografia de António Ferro disponível no sítio electrónico da Fundação António Quadros refere mais de cinquenta títulos que incluem obra publicada e textos inéditos, produzidos a partir de 1912. Das vinte e uma edições datadas até ao ano de 1932, i.e. o ano em que entrevistou Salazar e que antecedeu a sua nomeação como director do Secretariado de Propaganda Nacional, destacamos três títulos. O primeiro é uma edição de autor de 1918 intitulada O Ritmo da Paisagem, na qual encontramos já bem evidentes exemplos da estética ruralista e popular que veremos ser inúmeras vezes repetida por Ferro, por exemplo, em contextos de oratória turística. Viagem à Volta das Ditaduras, uma publicação do ano de 1927, com prefácio de Filomeno da Câmara, reúne uma série de entrevistas e reportagens feitas em Itália, Espanha e Turquia a figuras como Garibaldi, Mussolini, ou Primo de Rivera, e poderá ter servido de motivação a Salazar para a realização das “conversas” de 1932. Por último, gostaríamos de recordar as três edições de Leviana (1921, 1923 e 1929), um texto que provocou escândalo à época, devido à ousadia dos temas abordados, mas que, também por isso, projectou a figura de António Ferro para o domínio público.
Os dezoito títulos datados do período em que dirigiu o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e o Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI), i.e. entre 1933 e 1949, incluem fundamentalmente a publicação, pela Empresa Nacional de Publicidade, das “entrevistas” a Salazar e as suas inúmeras traduções e reedições, assim como obras mais específicas, muitas delas incluídas na colecção “Política do Espírito” lançada pelo SPN e pelo SNI, sobre a Política do Espírito, as artes contemporâneas, o Museu de Arte Popular e, ainda, a emblemática colectânea Turismo, Fonte de Riqueza e de Poesia, composta por inúmeros discursos pronunciados por Ferro em diversas ocasiões-chave da evolução do sector turístico português nos anos Trinta e Quarenta.

Como veremos de seguida, a vida de António Ferro foi um percurso multifacetado e interventivo, no qual a cultura e a política terão sido motivações sempre constantes. Aos vinte e dois anos António Ferro era já o editor da revista Orpheu, e foi nesse mesmo ano de 1917 que partiu para Angola como oficial miliciano, interrompendo um curso de Direito que não viria a concluir. No ano seguinte, foi nomeado Secretário-geral do Governo português em Angola e, em 1919, regressou a Lisboa, tendo-se tornado analista político de O Jornal. No início da década de Vinte, iniciou carreira como repórter internacional ao serviço de O Seculo, tendo decorrido nesse âmbito os encontros com o poeta Gabriel D’Annunzio. A sua actividade jornalística intensificou-se por essa altura e, ainda em 1920, começou a assinar como crítico teatral e literário do jornal Diario de Lisbôa.

No ano seguinte, Ferro foi nomeado director da revista Ilustração Portuguesa, onde evidenciou alguns dos traços que viriam mais tarde a caracterizar a gestão que fez do SPN e do SNI, nomeadamente pelo protagonismo que atribuía a questões relacionadas com a cultura popular portuguesa. No cumprimento desta tarefa acompanharam-no alguns intelectuais modernistas, como Almada Negreiros, Cottinelli Telmo, Stuart de Carvalhais, Eduardo Viana, Francisco Franco e Henrique Franco. Conviveu também com Sá-Carneiro, Fernando Pessoa e Alfredo Guizado, tendo por essa ocasião retomado as actividades literárias e culturais, em detrimento das tarefas jornalísticas que lhe haviam ocupado os últimos tempos. Assim, em 1925, fundou o Teatro Novo com a colaboração de Leitão de Barros e de José Pacheco, antigo responsável gráfico da revista Orpheu e director da revista Contemporânea.

No mesmo ano em que publicou Viagem à Volta das Ditaduras, em 1927, visitou os Estados Unidos, num périplo que jamais afastaria das suas memórias. Em 1931, fundou o Sindicato Nacional da Crítica e organizou, em Lisboa, o IV Congresso da Crítica Dramática e Musical, que contou com a presença de Pirandello, Robert Kemp, Fabre Lebret e Gerard Bauer, entre outros. Os congressistas foram acolhidos como verdadeiros turistas, tendo-lhes sido proporcionados uma noite de fados em Alfama e um passeio ao Estoril, em comboio fretado para o efeito.

1932 foi inquestionavelmente um ano decisivo no percurso público e político de António Ferro; ficará marcado como o ano das “entrevistas” que terão servido para apresentar Salazar a Portugal. A título de agradecimento pela eficácia da difusão feita, ou como resultado de adivinhar neste homem um potencial braço direito que se adequaria ao tipo de divulgação que pretendia para a "Nação", Salazar nomeou António Ferro director do órgão oficial da propaganda do Estado Novo por decreto de Setembro de 1933. Independentemente da real motivação, certo é que as já referidas “entrevistas” terão servido para que Ferro se tornasse num dos homens de confiança do Presidente do Conselho, o qual o terá usado como principal arquitecto das representações autorizadas dos primeiros anos do novo regime político.

Em 1935, já em plena chefia do dispositivo propagandístico que terá convencido Salazar a criar, a fim de fomentar a aproximação do chefe político ao povo, António Ferro convidou um grupo de intelectuais estrangeiros para visitar Portugal, acompanhando-os numa digressão pelo país. Maurice Maeterlink, Pirandello, Gabriela Mistral e Miguel de Unamuno, entre outros, aceitaram o desafio. Depois de terem sido recebidos por Fernanda de Castro, na Estação de Santa Apolónia, visitaram os bairros antigos de Lisboa, a Estufa Fria, Sintra, Curia e Viana do Castelo, sempre na companhia de António Ferro que lhes servia de guia. O programa incluiu igualmente a reconstituição de um grandioso torneio medieval no Mosteiro dos Jerónimos, visitas a museus e a monumentos, e a participação nas Festas de Lisboa ou em outros momentos etnográficos e folclóricos. Esta terá sido uma das iniciativas mais simbólicas dos primeiros anos do Secretariado e tinha claramente a função de apresentar a “Nação” a reconhecidos vultos culturais internacionais numa acção que, à partida, parecia ser fundamentalmente turística.

O ano de 1935 foi também palco de outro tipo de iniciativas que viria a ser repetido, e que conjugava de forma indestrinçável lições de turismo e de cultura portuguesa e, ainda, lições sobre a nova nação. Assim, foi apresentada em Genebra, numa assembleia da Sociedade das Nações, a primeira mostra internacional de arte popular portuguesa. Segundo os relatos da imprensa da época, a exibição de bonecas envergando trajos regionais foi admirada por milhares de visitantes e terá constituído um êxito estrondoso. O comentário que António Ferro preparou para a edição de Quelques Images de l’Art Populaire Portugaise reiterou a convicção de que esta era a “verdadeira propaganda nacional, a propaganda duma força viva da Nação”. A mesma mostra viria a ser apresentada aos portugueses um ano mais tarde, entre 4 de Junho e 1 de Outubro, nas instalações do SPN em S. Pedro de Alcântara, tendo como propósito explícito apresentar “em cenário de arraial bem português, a representação da arte popular com todos os caracteres indígenas de cada região”, conforme explicava o jornal A Voz de 5 de Maio de 1936. Cerca de uma semana antes do início da exibição, O Seculo e A Voz referiam-na como um acontecimento de verdadeiro significado nacional e na véspera da inauguração, a 3 de Junho, o Jornal de Notícias recordou a intenção de aliar a Política do Espírito, uma ideia tão cara a António Ferro, ao interesse pelas manifestações etnográficas. À semelhança daquilo que sucedera em Genebra, pretendia-se que os estrangeiros ficassem a entender melhor o povo português após a visita à exposição de Lisboa, pelo que o catálogo da mesma referia que as “manifestações de arte popular de um determinado paíz, são as que melhor representam as características étnicas que o enobrecem, estando para êle, como o estilo individual está para a personalidade”.

A exposição de Genebra e a mostra de Lisboa terão eventualmente constituído um ensaio para o que viria a observar-se no Centro Regional da Exposição do Mundo Português, em 1940, da responsabilidade do SPN, pois, como explicou Ferro:

[A] valorização da arte do povo, dessa arte que pode considerar-se a linguagem espontânea,
harmoniosa, das suas mãos, tem sido uma das grandes preocupações do Secretariado de
Propaganda Nacional desde a sua fundação. (…) É o agradecimento ao povo pela sua 
colaboração na obra empreendida, simples homenagem ao seu esforço anónimo, á
claridade dos seus olhos, á pureza do seu coração.

Diário de Notícias, 7 de Junho de 1936: 72


A criação do Teatro do Povo, um teatro ambulante dirigido por Francisco Lage e Francisco Ribeiro, e que percorreu o país durante alguns anos, antes de se ter tornado o Teatro Nacional Popular, conferiu a António Ferro mais uma ocasião para louvar este mesmo espírito popular. No discurso inaugural da companhia, a 15 de Junho de 1936, Ferro advogou que o teatro fora obra do povo que, por seu intermédio, exprimia a sua alegria e a sua tristeza. No contexto de renovação do Estado Novo, e tal como se via ser associado à motivação para a criação da FNAT ou das Casas Económicas, por exemplo, o Teatro do Povo era, nas palavras de Ferro, a “própria respiração do regime, porque são os gestos e pensamentos indispensáveis à vida”. Neste discurso, o director do SPN pronunciou-se ainda acerca das intenções de espalhar ensinamento, alegria e poesia pelas aldeias e lugarejos, e do modo como esta iniciativa representava uma clara evidência de que os governantes pensavam no povo, “depois do «pão nosso de cada dia» - o sonho vosso de cada noite!”.

A actividade multidireccionada de António Ferro continuou quando, em 1937, usando o pseudónimo de Jorge Afonso, redigiu o argumento do filme A Revolução de Maio, em colaboração com António Lopes Ribeiro. A película foi estreada no cinema Tivoli em Lisboa e visualizada pelos visitantes da Exposição Internacional de Paris, de que Ferro foi comissário-geral também nesse ano. Foi ainda em 1937 que o SPN criou os circuitos de cinema ambulante que haveriam de visitar algumas terreolas e lugarejos portugueses. 1938 ficou identificado como um tempo de grande celebração da cultura popular através do concurso “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, enquanto 1939 trouxe a Ferro mais dois cargos de comissário-geral de exposições, desta feita em Nova Iorque e em São Francisco.

Os festejos da “Nação” prosseguiram em 1940 com as Comemorações do Duplo Centenário e António Ferro no papel de secretário-geral da Comissão Executiva. No ano seguinte, o SPN lançou a icónica Panorama, Revista de Arte e Turismo sob a direcção literária do poeta Carlos Queirós e a coordenação artística do pintor Bernardo Soares. Além disso, Ferro associou às suas anteriores funções o cargo de presidente da Emissora Nacional, o que veio a revelar-se favorável à divulgação da política folclorista promovida e incentivada pelo Secretariado. 1941 foi ainda o ano dos “Concursos das Estações Floridas”, da fundação do Círculo Eça de Queiroz e da estreia do grupo Verde Gaio no Teatro de S. Carlos, em Lisboa, com o bailado D. Sebastião, inspirado na história e no folclore nacionais, de cujo argumento António Ferro era autor. Num texto apresentado aos microfones da Emissora Nacional, a 8 de Novembro de 1940, intitulado Apresentação dos Bailados Populares, Ferro defendeu que a dança concentrava em si “tudo quanto de elevado existe em cada povo”, servindo, por isso, para educar e afinar o gosto e a sensibilidade. O concurso “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, recordou na mesma ocasião, demonstrara a riqueza nacional existente em termos de bailado e, nesse âmbito, também o grupo Verde Gaio assumia a criação da tradição em Portugal. Por oposição à tragédia europeia que empurrava para o desaparecimento algumas nações, por cá mostrava-se ao mundo que a “Nação” tinha “a sua côr e o seu desenho próprio, côr e desenho eterno (…) mais uma bandeira portuguesa a flutuar, altiva e serena, sôbre as ruinas do velho mundo…”.

A acção de António Ferro em prol do turismo teve um momento marcante quando, em 1942, foi inaugurada a primeira pousada, em Elvas, tendo essa ocasião coincidido com a apresentação do plano das Pousadas de Turismo. Em 1944, Ferro assumiu a direcção do SNI (a nova denominação do anterior SPN) e, quatro anos depois, inaugurou o Museu de Arte Popular no dia 15 de Julho de 1948. Intervieram na implementação deste museu os arquitectos Veloso Reis e Jorge Segurado, os artistas Thomaz de Mello (Tom), Estrela Faria, Carlos Botelho, Manuel Lapa, Paulo Ferreira e Eduardo Anahory, e o etnógrafo Francisco Lage. Na sessão de abertura, Ferro declarou que o espaço representava um “exemplo de soberania espiritual, da nossa profunda diferenciação, retrato da alma de um povo que não quer renunciar nem à sua graça nem ao seu caracter”, tendo ainda admitido que a ideia da criação de um museu como este tomara novo fôlego com a concretização do Centro Regional na Exposição do Mundo Português. O Museu de Arte Popular surgia como evidência da campanha em defesa de uma arte moderna profundamente nacional, e como prova de que o povo era sempre o artista mais novo, mais espontâneo, e mais actual de todas as épocas. A cultura popular, tal como promovida pelo Estado Novo, era fundamentalmente oriunda do mundo rural e, por consequência, algo de espontaneamente ausente das cidades. Nesse âmbito, podemos entender o novo espaço museológico como um caminho possível para que se pudesse vislumbrar esse mesmo tesouro distante, aqui representado em estereótipos ideológicos, culturais e turísticos que ainda hoje se reproduzem e parecem ser placidamente aceites.

Curiosamente, um ano depois da abertura de um espaço tão simbólico para a propagação da cultura popular tal como esta era preconizada pelo regime, António Ferro foi nomeado Ministro de Portugal em Berna, vendo-se, desta forma, afastado das lides da propaganda e do turismo. Uma curta carreira diplomática levou-o a desempenhar a sua derradeira tarefa ao serviço de Portugal em Roma, na altura em que a legação portuguesa foi elevada ao estatuto de embaixada.

António Ferro morreu em Lisboa no ano de 1956, no seguimento de uma cirurgia menor, mas da qual Salazar tentara aparentemente dissuadi-lo.

(adaptado de “António Ferro: o turismo ao serviço da Nação”, em A Bem da Nação. As Representações Turísticas no Estado Novo entre 1933 e 1940, tese para a obtenção do grau de doutor em Estudos de Literatura e de Cultura apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em Abril de 2013)


 

ANTÓNIO FERRO
por Fernanda de Castro


“Tu, como Unamuno, que tão bem conheceste, dizias como ele: «eu sou eu e mais ninguém», embora fosses a mais generosa das pessoas. E dizia-lo com uma certa petulância, um certo «convencimento». Lembras-te do dia em que nos vimos pela primeira vez? Foi na Liga Naval, naquela tarde em que fizeste uma conferência sobre a Colette. Gostei, gostei até muito da conferência, mas gostei menos da maneira um pouco arrogante como me perguntaste, quando nos apresentaram:
- «Então? Gostou?»
Irritou-me essa pergunta que era mais uma afirmação do que uma pergunta e respondi então, com uma falsa, mas bem imitada indiferença:
- «Da conferência? Não desgostei. Adoro a Colette.»
Tu ficaste verdadeiramente interdito e sempre pensei que foi nesse preciso instante que empreendeste a minha «conquista». Quando, finalmente, algumas semanas mais tarde, eu te disse «que sim», à velha e bem comportada maneira desse tempo, confessaste-me teres jurado a ti mesmo que terias a tua desforra e que seria com as tuas próprias armas, a tal petulância, a arrogância e esse «convencimento», que acabarias por conseguir a vitória. Mas aqui, meu Amigo, enganaste-te redondamente: - o que me convenceu, não foi nada disso, foi, entre muitas outras, uma carta tão liricamente lírica, que tinha por força que ser piegas. Mas o estranho é que não era, palavra que não era. Sonharas comigo e viras-me envolta numa nuvem de borboletas brancas que, ao pousarem sobre mim – se transformaram em pétalas de flores de amendoeira, arrastadas pelo vento. E concluías: - «Era tudo tão branco, tão perfumado, era tão gracioso o vôo das borboletas que o sonho me pareceu de bom agoiro.»”

Fernanda de Castro (s/d) “Carta ao meu marido, António Ferro” em Cartas para Além do Tempo. Odivelas: Europress. Pág. 162

 

"POR QUE ESTÁ VIVO AINDA ANTÓNIO FERRO?"
por António Quadros


Na colectânea António Ferro, editada no ano de 1963, António Quadros recorda a personalidade multifacetada do pai ao evocar muitas das actividades que desenvolveu no âmbito da literatura, das artes, do jornalismo, e dos inúmeros contactos com políticos e intelectuais, respondendo, com as seguintes palavras, a uma questão que ainda hoje poderá interrogar alguns:

Por que está vivo ainda António Ferro? Se conseguirmos resolver os aparentes paradoxos do seu
pensamento e da sua acção, se lograrmos atingir a harmonia das múltiplas manifestações
da sua riquíssima personalidade, depressa compreenderemos que nele e por ele se realizou uma
rara alquimia: foi um homem que assumiu inteiramente, até ao absoluto, a representação do seu
tempo ou da sua época; foi um homem que, simultâneamente, assumiu a representação do seu
espaço ou da sua pátria.


António Quadros (1963) em António Ferro, Lisboa: Edições Panorama. SNI. Palácio Foz. Pág. viii

 

MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO, UMA VIDA INVULGAR, DE MARIA JOÃO DA CÂMARA
por Cândida Cadavez



Por ocasião do segundo aniversário da morte de Maria José Nogueira Pinto, a Oficina do Livro editou Maria José Nogueira Pinto, Uma Vida Invulgar, da autoria de Maria João da Câmara, e que se apresenta como uma biografia e um retrato de alguém que, nas palavras da autora, marcou todos os que com ela privaram por ser uma “mulher inteira, forte e corajosa (...) que perdia o seu tempo com as pessoas. Grandes e pequenas.”
O choque resultante da notícia do falecimento de alguém que, dias antes, tínhamos visto desempenhar, com uma dignidade e uma coragem já quase desconhecidas, as suas funções de deputada foi acompanhado do fascínio causado por “Nada me faltará”, um texto assinado por Maria José Nogueira Pinto e que o Diário de Notícias publicou a 7 de Julho de 2011, um dia depois de terminada a luta com o “inimigo subtil” que ela própria nomeia. Esse poderoso e pungente documento constitui uma resumidíssima biografia escrita na primeira pessoa e terá conseguido atrair e cativar até aqueles que mais afastados de si estiveram, ao longo da sua vida política, pelo despojamento e pela frontalidade com que mostrou negociar com um estádio desagradavelmente novo da sua existência:

“Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida.
Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro.
Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos,
para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas
confiando no melhor.”

A Fundação António Quadros orgulha-se de ter podido contar com a participação de Maria José Nogueira Pinto, enquanto membro do seu Conselho Consultivo, e congratula-se com o lançamento desta obra de Maria João da Câmara, imprescindível para o conhecimento de uma personalidade incomparável no contexto da realidade nacional.

 

AGENDA CULTURAL

  • A ÚLTIMA FRONTEIRA – LISBOA EM TEMPO DE GUERRA
Comissariada por Margarida Magalhães Ramalho e António Mega Ferreira, a exposição A Última Fronteira – Lisboa em Tempo de Guerra pode ser visitada no Torreão Poente da Praça do Comércio até 15 de Dezembro. A mostra evoca através de fotografias, documentos e de diversos elementos museológicos o dia-a-dia de Lisboa que os refugiados da 2.ª Guerra Mundial encontram durante a sua passagem por esta cidade. Mais informações em http://www.agendalx.pt/evento/ultima-fronteira-lisboa-em-tempos-de-guerra#.UfayGcxdbmI.


  • DE PROPÓSITO: MARIA KEIL, OBRA ARTÍSTICA
A exposição De Propósito: Maria Keil, Obra Artística poderá ser visitada no Palácio da Cidadela de Cascais. Resultado de uma parceria entre o Museu da Presidência da República e a Câmara Municipal de Cascais, a exibição dos trabalhos de Maria Keil, magnificamente apresentada e organizada, estará disponível ao público até ao próximo dia 27 de Outubro.
Mais informações em http://www.museu.presidencia.pt/expo_temporarias_detail.php?ID=2884.

  • ANTÓNIO QUADROS-VIDA E OBRA
A exposição literária, fotográfica, documental e artística de elementos associados à vida e obra de António Quadros está patente no átrio da Fundação António Quadros/Biblioteca Laureano Santos em Rio Maior até ao dia 16 de Agosto. A mostra, realizada pela Fundação António Quadros com o importante apoio da Câmara Municipal de Rio Maior, foi organizada em diversos núcleos cujas temáticas incluem a sua vida pessoal, o Império do Espírito Santo, Fernando Pessoa, a Filosofia, o IADE e a Fundação Calouste Gulbenkian.
 
 
     
 
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