Subscrever Newsletter
 
Fundação António Quadros
Biografia Imprimir e-mail

 Autores 
Biografia
1895 - 1916
1917 - 1923
1924 - 1931
1932 - 1938
1939 - 1944
1945 - 1949
1950 - 1956
1957 - 1998

1895-1916  
António Ferro nasce a 17 de Agosto de 1895, de uma família simples e pacata da pequena burguesia, num terceiro andar do nº 237 da Rua da Madalena, em Lisboa. Especifica-se, porque a casa é célebre: foi uma das mais altas fogueira de Lisboa, ardendo inteira no famoso «fogo da Madalena».

António Ferro, salvo por um bombeiro aos 11 anos de idade - assim como a mãe, o pai, os irmãos Umbelina e Pedro, uma velha tia  e ainda uma avó  imobilizada que o irmão trouxera em peso, do quarto de cama até à varanda -, lembra-o com pavor, vinte anos depois, no nº 180 de O Notícias Ilustrado: …Milagre! Obrigado, meu Deus! A escada chegou, finalmente, no corrimão da nossa varanda, e um bombeiro saltou… Estaríamos salvos? Não havia tempo a perder… Era preciso abordar a grande escada, a escada que faria a reputação de um acrobata e que nos parecia, naquele momento, tão fácil de descer…

E acrescenta: Ainda hoje não posso ver uma bomba nem uma sineta de alarme sem correr para casa no primeiro táxi com a suspeita, suspeita infantil, por vezes, de que o incêndio anunciado que ilumina a cidade é no prédio em que habito…

É o mais novo dos irmãos e cresce sem outros sobressaltos graves no seio de uma família numerosa.  

O pai, António Joaquim Ferro, alentejano de Baleizão, era comerciante; a mãe, Maria Helena Tavares Afonso Ferro, provinha de uma família algarvia. Um tio do lado materno, Pedro Tavares, oficial do exército, publicara alguns livros da sua lavra: Estudos Histórico-Militares (1892), e também romances, como Margarida (1900) ou Regenerada (1905).

Segundo deixou escrito, viveu a infância na primeira idade do cinema, na idade das fitas vertiginosas, atarantadas, impossíveis de conceber ao ‘ralenti’. Nada, pois,  lhe dava mais satisfação do que ir com o pai ao Music-Hall da Avenida, «onde é hoje o Éden», e ao Salão Chiado no edifício dos Grandes Armazéns - os dois primeiros grandes cinemas de Lisboa, dignos desse nome.  

O gosto pela leitura começou com Júlio Verne e o da escrita numa idade em que ainda vestia bibe: Fazia romances em papel almaço, romances distribuídos a fascículos pela família, com ilustrações de lápis de cores…

Depois do incêndio, a família é obrigada a mudar-se para uma nova casa na rua dos Anjos.

António Ferro é uma criança indolente e reservada, bem integrada nos grupos e sem problemas escolares. Em pequeno, acompanha o pai aos comícios republicanos, pelo que se pensa que virá desta época o seu fascínio pelas hostes políticas e pela oratória. E não só: defronte de sua casa havia um barbeiro que, segundo ele, era um verdadeiro centro político republicano: Passava aí a maior parte dos meus dias, não perdendo uma palavra do que ouvia - entre republicanos exaltados, apóstolos sinceros, verdadeiros fanáticos, homens que falavam da República, como se a República tivesse forma humana..». Conheceu nessa barbearia o grupo que, ironizando, chamou a colecção de bilhetes postais da propaganda: João de Meneses, Alexandre Braga, Fernandes Costa, Heliodoro Salgado, Afonso Costa e ainda o grande António José de Almeida, com quem manteve, na infância, uma singular relação: Gostava de conversar comigo e gostava de me ouvir. Achava graça àquele rapazinho que papagueava os seus discursos, o ‘menino prodígio» que repetia, conscienciosamente, para quem o queria ouvir, os seus argumentos e as suas frases…. A admiração que nutria pelo médico-tribuno era tão grande que um dia, caindo à cama com uma angina de certa gravidade, convenceu o pai a chamá-lo para o tratar pessoalmente. E é ainda na histórica barbearia que persuade o grande orador a escrever um depoimento para o seu jornalinho escolar, pomposamente intitulado «República». Foi, segundo deixou escrito, um dos dias mais felizes da sua vida: E com o meu lápis de colegial, numa folha de papel que eu lhe estendi, timidamente, António José de Almeida, futuro director da «República», futuro presidente da «República», escreveu um artigo de fundo (um grande período chegava para encher uma coluna), para a minha Republicazinha, para a minha Andorra…  

Ingénua ou promissora, é a primeira «grande entrevista» de António Ferro.

A partir de 1910, ainda estudante na Escola Francesa, e mais tarde, como aluno do Liceu Camões, colabora em comissões de festas liceais com Augusto Cunha, onde diz, ou se dizem, versos seus, e onde também, esporadicamente, representa peças teatrais.

Em 1911, aluno do Liceu Camões, é, embora cinco anos mais novo, colega e amigo de Mário de Sá-Carneiro. O poeta confia-lhe dois dos seus primeiros poemas, Quadras para a Desconhecida e A Um Suicida, ambos dedicados a Tomás Cabreira Júnior, com quem escrevera a peça Amizade e que se suicidara com um tiro, nas escadas do liceu, aos 16 anos de idade.

Em 1912, em colaboração com Augusto Cunha, seu futuro cunhado, publica Missal de Trovas, livro constituído por quadras ao gosto popular dedicadas a Augusto Gil e a Fausto Guedes Teixeira, que, numa edição de 1914, seriam acompanhadas de apreciações afectuosas de Fernando Pessoa, João de Barros, Mário de Sá-Carneiro, Afonso Lopes Vieira e Augusto Gil, entre outros.  

De 1913 a 1918, frequenta o curso de Direito na Universidade de Lisboa. Nesta idade, António Ferro, de aparência sossegada, pesada e pachorrenta, já demonstra o fôlego e a energia que o acompanharão toda a vida. Mobilizador de vontades e aglutinador de grupos, é voz activa e estimulante em tudo o que implique acção e organização.  

É também a época de convívio intenso com Sá-Carneiro, Pessoa, Alfredo Guizado e Almada Negreiros, entre outros - uma rede de amigos que viria a revelar-se determinante para a sua projecção no campo literário. A seu convite, recebe-os frequentemente em casa dos pais para discutir livros e ideias até altas horas da noite - são os primeiros passos de conspiração para um modernismo de afronta aos velhos valores instituídos da tradição e do conformismo da vida literária portuguesa.  

É pelo testemunho de alguns escritores que se tem notícia da sua actividade literária desta época. Sabe-se que escreve textos para teatro e muita poesia, que lamentavelmente se perderam, talvez no incêndio de sua casa. Escreve Pessoa no seu diário, com data de 30.03.1913: «Das 2 e ¼ às 4 e ½ em casa de António Ferro a ouvir-lhe três peças. - Leu duas. - Depois, para a Baixa com ele.»  

Corresponde-se muito com Sá-Carneiro, então em Paris, numa ansiosa traficância de versos e apreciações. Numa dessas cartas, publicada no Diário Popular (24-1-1914), Sá-Carneiro considera um dos seus sonetos «lindo, lindo, impecável».  

Num poema que se publicará décadas mais tarde, no seu livro «Saudades de Mim», esboça um auto-retrato desta época:

Um rapaz com vinte anos,

olhos brilhantes,

magro,

com todos os sonhos ainda por viver

à flor da pele…

Sincero

na sua insinceridade,

no seu artifício,

dizendo frases,

para espantar os outros

e se espantar a si próprio,

como se a inteligência

fosse um brinquedo

que Deus lhe tivesse dado…

(…)

O seu próprio gesto inseguro,

aquela audácia tímida,

aquele desafio constante

à sua alma reservada…

Em Março de 1915, sai o primeiro número daquela que foi a efémera mas decisiva revista que implantou a bandeira do futurismo em Portugal: a Orpheu. No primeiro número, os directores são Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, e, no segundo, já figuram como directores Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro – correspondendo o nº 1 ao trimestre de Janeiro a Março e o nº 2 ao de Abril a Junho.  

Drástica, exuberante e provocadora por intenção, é o órgão mais visível do modernismo literário português. Nela figuram entre os seus fundadores, além dos já citados, Almada Negreiros, José Pacheco, Armando Côrtes-Rodrigues (Violante de Cisneiros), Raul Leal (Henoch), Alfredo Guizado e Eduardo Guimarães.   

António Ferro é o mais novo do grupo. Em ambos os números (os únicos publicados) o editor é ele já que, segundo Alfredo Guisado, era o único menor de 21 anos e, «se surgisse qualquer complicação, a sua responsabilidade não teria consequências». (In Autores, Novembro de 1960.)

António Quadros, num artigo para o Diário de Notícias (14.11.1957), ilumina esta fase já longínqua de seu pai: «Em pleno centro de Lisboa, no Rossio, surgiu há pouco tempo remodelado o velho restaurante «Irmãos Unidos», onde o grupo costumava reunir-se, pois o poeta Alfredo Guisado era filho do proprietário.»