Subscrever Newsletter
 
Fundação António Quadros
Bibliografia Passiva Imprimir e-mail

 Autores 
Bibliografia Passiva
Alexandra Prado Coelho
Alexandre Oliveira
António Maria Zorro
António Quadros
Cândida Cavadez
Eduardo Mayone Dias
Eduardo Pitta
Fundação António Quadros
João Bigotte Chorão
João Gonçalves
Jorge Ramos do Ó
José Almeida
José Blanco
Luis M. Gaspar e Sara A. Ferreira
Luís Raposo Pereira
Maria Estela Guedes
Maria João Castro
Miguel Bruno Duarte
Teresa Rita Lopes
Vera Marques Alves
A influência dos Ballets Russes na criação do Verde Gaio
Ao longo da primeira década do século XX e num clima recheado de vanguardas artísticas, Paris exibia triunfalmente os seus Ballets Russes, trazendo a dança para o século XX e constituindo-a numa arte autónoma maior.
Em Portugal os Ballets Russes foram recebidos 8 anos depois da sua estreia parisiense e em ambiente adverso:
• I Guerra Mundial e
• O advento de Sidónio Pais, reduziram-lhe seguramente o impacto.
Portugal, que assistira quase indiferente à estadia dos Ballets Russes em Lisboa de 2 de Dezembro de 1917 a 28 de Março de 1918, apenas teve nos modernistas portugueses os seus maiores defensores e entusiastas.
A situação política inesperada provocada pelo golpe sidonista, veio alterar os planos previstos e a apresentação dos Ballets Russes, em Lisboa, em muito foi prejudicada pela circunstância de ter ocorrido em plena revolução.
 
Um alargado conjunto de circunstâncias históricas fez com que a companhia permanecesse uma larga temporada em Lisboa; três meses de quase inactividade, com Diaghilev ausente tentando arranjar espectáculos em Espanha, dentro de uma Europa em plena guerra.
A companhia encontrou na sua primeira e única visita, um amplo acolhimento e entusiasmo da intelectualidade moderna nacional e uma contida recepção do público e da crítica que não souberam ver nem reconhecer a sua proposta de modernidade.
Antecedentes
Quatro antecedentes tornaram possível a criação da primeira companhia de bailado nacional sob uma inspiração dos Ballets Russes:
• Manuel Sousa Pinto,
• Modernistas,
• António Ferro,
• Teatro Revista.
 
a) Manuel Sousa Pinto, talvez o único crítico esclarecido da época, parece ter entendido a importância dos Ballets Russes, escrevendo fluentemente sobre a companhia, sendo o primeiro a gizar uma certa ideia de inspiração nos russos para a criação de uma companhia nacional. Ele publica na revista Atlântida de 15 de Dezembro de 1917 (dois dias após a estreia dos Ballets Russes no Coliseu de Lisboa), a sua apreciação a três ballets (continuando o artigo em Janeiro e Fevereiro 1918), artigo esse ilustrado com desenhos de Almada Negreiros.
Depois, Manuel de Sousa Pinto defende os modelos folclóricos numa espécie de manifesto pela dança portuguesa nas suas Danças e Bailados , livro publicado em 1924, e passo a citar: “A dança portuguesa, bailados portugueses? Porque não? O difícil é lançar a semente. Depois as flores nascem (…) há principalmente uma maneira bem portuguesa de dançar, que muito conviria aprofundar, estilizar, desenvolver” .
b) Pouco depois da partida dos Ballets Russes de Lisboa, já os futuristas portugueses propunham ballets, nomeadamente Almada, o grande animador que se desdobrava entre poeta, pintor, coreógrafo e bailarino. A 11 de Abril de 1918 (15 dias depois da partida dos Ballets Russes de Lisboa) estreia no S. Carlos um espectáculo de ballet que alguns artistas portuguesas conceberam sob o patrocínio de Helena de Castelo Melhor e denominados: Bailado do Encantamento e A Princesa dos Sapatos de Ferro. Ficou a tradição de que durante a estadia forçada dos Ballets Russes em Lisboa, “alguns colaboradores de Diaghilev teriam dado uma ajuda falando-se de que até o próprio Massine (...) teria dado a Almada alguns conselhos sobre as suas coreografias” .
Apesar ainda de mais algumas incursões de Almada Negreiros pela dança, os modernistas portugueses tiveram que esperar vinte anos para que se realizasse todo um cenário propício à criação de uma companhia de bailado.
c) António Ferro, que vira provavelmente os Ballets Russes em Lisboa em 1917 e depois em Paris na década de 20, e que pertencera à primeira geração de modernistas, incluído no grupo de Almada, é o homem de charneira de todo um projecto que se vai efectivar em 1940, chamado Verde Gaio. Este seu projecto foi sendo esboçado ao longo dos anos 20 e 30, nos vários escritos que deixou.
Logo no início dos anos 20, quando Ferro se torna director da revista Ilustração Portuguesa, não esquece a temática e afirma, passo a citar, “A Ilustração Portuguesa procurará mostrar Portugal aos Portugueses, procurará, com o auxílio de todos, estilizar a raça. A linha do bailado português, por exemplo, está por descobrir. Encontrada essa linha, Portugal pode ter a sua companhia de bailados, como os russos, bailados modernos, nas nossas danças populares, nos nossos trajes regionais, nos nossos costumes, temos matéria-prima para estilizações admiráveis, temos tinta de sobra para um grande cartaz a pôr na Europa, a pôr no mundo... Portugal, meu amigo, eu já o disse algures, ou será um “baile russo” – ou não será ”.
d) Ao longo ainda destes anos 20 e 30, o teatro de revista pontuou as suas peças com pequenas marcações de dança e à sombra da imagem deixada pelos Ballets Russes em Lisboa, a hegemonia do teatro musical fez sobressair os primeiros bailarinos nacionais. A dança animou os vários quadros de revistas e daí saíram os primeiros “bailarinos” nacionais. Luísa Santanella, Lubelia Stichini, Francis Graça entre outros, formaram um primeiro grupo que ajudou a delinear uma certa aptidão, ainda que tímida, pela arte de Terpsícore.
É dentro deste contexto, e tendo em conta estes 4 antecedentes (MSP, Modernistas, António Ferro e o Teatro de Revista), que se vai delineando todo um projecto, que se vão criando as condições necessárias para que em 1940, por altura da grande Exposição do Mundo Português, surja a companhia de bailados portugueses Verde Gaio.
 
O Verde Gaio
Assim, com o patrocínio da Comissão dos Centenários e do Secretariado de Propaganda Nacional, António Ferro funda em 1940 o Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, inspirados nos Ballets Russes e inseridos no espírito do Teatro Novo, em torno do qual a ideia da fusão das artes, à maneira da obra de arte total wagneriana (Gesamtkunstwerk), é proposta. Para que tal acontecesse, António Ferro aglomerou à sua volta um conjunto de artistas que ajudaram a “colorir” os seus “Ballets Russes à portuguesa”: cenógrafos, compositores, figurinistas, escritores e bailarinos, formaram um grupo heterogéneo unido por um ideal comum: criar uma companhia de dança vinculadamente portuguesa.
Na apresentação do Verde Gaio a 8 de Novembro no teatro Trindade, o director do SPN validou o projecto como mais uma concretização da sua “Política do Espírito”. Sob a égide de um compromisso, Ferro, com o aval do Estado Novo, desenhou uma política de proteccionismo cultural investida de uma face dinâmica que se queria moderna. Assim, o Verde Gaio constituía a exaltação de motivos nacionais ainda que - apresentando-se sob uma orientação de cariz folclórico – aspirando anos depois a ballet clássico. Aos Ballets Russes, António Ferro não foi só buscar a ideia de uma companhia nacional que veiculasse um ideal, mas acrescentou-lhe um cunho acentuadamente português que espelhasse o carácter nítido de folclore estilizado, tão caro ao Estado Novo.
No espírito de António Ferro, o Verde Gaio apareceu como a síntese de todo um conjunto de referências (estéticas, ideológicas, culturais e artísticas) que se desejava efectivar e não é de estranhar que o grupo tenha recorrido ao elemento do folclore como modelo coreográfico: o Verde Gaio, foi criado e adaptado ao condicionalismo nacional que preconizava uma estética que fosse entendida por todos, baseando-se assim em temas populares ou de índole histórica.
Dentro desta linha, o director do SPN nas palavras de apresentação ao Verde Gaio em 1940 ressalvava que, e passo a citar,” essa maravilhosa companhia de Diaghilev (…) guardou e enviou para fora da pátria, as imagens, os ritmos, as melodias da Rússia de todos os tempos, da Rússia eterna (…) sobrevivendo e escapando à revolução. Se hoje, na verdade, ainda a podemos evocar (…) é através dessa pátria ambulante dos Bailados Russos” .
Fernanda de Castro (mulher de António Ferro), nas suas memórias relembra esses tempos e a forma como tudo se efectivou: “o António tinha o Verde Gaio. Quantos anos teria andado este sonho bailar na sua cabeça? Talvez, tenho quase a certeza, desde aquele tempo em que vimos pela primeira vez, em Paris, os bailados russos de Diaghilev... É claro que ele sabia perfeitamente que não tínhamos à mão um Nijinski ou uma Pavlova para levar a cabo um empreendimento dessa natureza, mas sabia também que tínhamos um folclore riquíssimo, um dos mais puros da Europa, usos e costumes com raízes profundas, lendas que vinham do fundo dos séculos, e, além disso, todo o material humano necessário: compositores, artistas plásticos, etnógrafos. Não tínhamos, é certo, uma tradição balética, nem escolas de bailado, nem bailarinos, mas também a ideia de António não era pôr de pé uma companhia de bailados clássicos mas de bailados portugueses” .
A falta de comparação, ou seja, de companhias concorrentes, fizeram vida fácil ao Verde Gaio durante os primeiros anos e a política cultural de mera aparência que subsistiu depois da saída de António Ferro, relegou o Verde Gaio para uma actividade ornamental da ópera, numa instrumentalização cultural que havia de se encaminhar noutras direcções e preocupações que não a dança.
No fundo, o Verde Gaio constituiu uma representação simbólica de um Portugal idealizado pelo Estado Novo e gizado por António Ferro mas que mal sobreviveu ao afastamento do seu mentor. A sua reanimação ao longo das décadas seguintes, foi mal sucedida e culminou já nos anos 90 numa iniciativa do Ministério da Cultura quando este o pretendeu reinventar .
Verde Gaio, os “Bailados russos portugueses” induz na ideia de que a companhia de Diaghilev foi criada a partir de uma raiz folclórica o que não é de todo verdade. Apesar dos Ballets Russes incorporarem no seu repertório temáticas folclóricas, o fundamento da companhia encontra-se na escola clássica dos teatros imperiais, que ao longo de séculos tinha vindo a aperfeiçoar a arte balética. Ora em Portugal não existia esta escola clássica: inventou-se então uma, baseada no folclore estilizado que depois, como já referi, aspirou a criações clássicas.
O Verde Gaio ao elevar a dança a uma arte maior constituiu em si um gesto moderno mas raras vezes ultrapassou a sua temática histórico-folclórica; como objecto de propaganda, a companhia educou o espírito (segundo os valores instituídos) e serviu de veículo de prestígio no estrangeiro, projectando a imagem da nação que pretendia valorizar. Por detrás destes dois aspectos está sem dúvida uma certa ascendência e uma notória influência da companhia de Diaghilev; mas por não se saber, não se querer ou não se poder, o Verde Gaio não se efectivou na arte nacional e internacional da maneira que Ferro desejara, e ainda não foi com esta experiência que se estabeleceria uma efectiva companhia nacional.
Maria João Castro
19 de Maio de 2009