CULTURA POPULAR
Vai com toda a probabilidade passar despercebido sob a torrente de bestsellers que entopem o circuito livreiro. Razão acrescida para falar do livro que o historiador Daniel Melo (n. 1970), investigador do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, acaba de publicar: A Cultura Popular no Estado Novo. Inserido na Biblioteca Mínima da editora Angelus Novus, o livro aborda «a política cultural do Estado Novo para o povo.» Trata-se de uma síntese breve — é esse o perfil da colecção dirigida por Rui Bebiano — sobre itens tão diversos como, entre outros, o nacional-ruralismo de Salazar; folclore e corporativismo nos campos; a “fábrica do espírito” de António Ferro; a FNAT; a literatura popular; Casas do Povo; a estetização do regime, do SPN ao SNI; animação cultural, do fado ao cinema; o Plano de Educação Popular; a Acção Católica Portuguesa; as bibliotecas da Gulbenkian; bem como as propostas alternativas dos sectores da sociedade que resistiram ao “cerco oficial”.
Brevíssimo excerto: «O circuito de reprodução ideológica incluía não só os folcloristas amadores como os agentes corporativos (Coelho do Vale, Manuel Couto Viana, etc.), os especialistas de disciplinas diversas, como a história (António G. Mattoso), a geografia (Amorim Girão), a arquitectura (Raul Lino), a linguística (Manuel de Paiva Boléo), entre outras. Ademais, as origens socioprofissionais eram diversas, abarcando padres, militares, aristocratas, políticos, etc. A maioria dos seus colaboradores tinha uma formação superior, destacando-se os professores, sobretudo os universitários. Uma elite intelectual preocupada com a dimensão da cultura popular devia instruir a elite local, isto é, os dirigentes corporativos das casas do povo, na perspectiva etnográfica oficial, de modo a que esta, por sua vez, estivesse em condições de realizar conscienciosamente a sua obra nacionalista no mundo rural.» (pp. 58-9)
Eduardo Pitta in "Da Literatura"
|