Poemas

POEMA «RUA DO OIRO»

António Ferro, 7 de Abril de 1921, «Diário de Lisboa»

 

Rua do oiro, rua dos metais!

Mazantini de luz, o sol, ao alto…

Bailes russos deslizam no asfalto…

Cantam em coro os vidros e os cristais!

 

Os teus passeios, como eu sei cantá-los,

São largos tabuleiros de xadrez,

Onde os pés das mulheres, muita vez

São reis, rainhas, torres e cavalos…

 

Nas montras dos livreiros, os poetas,

Com seus lábios, nos livros, entreabertos,

Dizem sonetos graves, muito certos,

Na sua voz sinistra de profetas…

Horrendas, pela tarde, como espumas…

 

Os chapéus, nas vitrines, são cabeças,

Degoladas… O' frívolas condessas,

Vós não tendes miolos, tendes plumas…

 

Parques nas sedas!... Há jardins nas chitas…

Enforcam-se nas hastes de metal

As éticas gravatas … Em caudal,

O sangue corre aos metros, pelas fitas…

 

A' entrada daquela luvaria

Há certa mão que me parece morta…

O' mão morta a bater àquela porta,

Em poentes de chuva e ventania…

 

Nesta perna de vidro tão humana,

Há tanta carne em suas meias ternas,

Que eu grito ao ver passar certa mundana:

São taças de cristal as tuas pernas!...

 

Sorriem pó de arroz os perfumistas…

Numa loja, acolá, vejo em tropel,

Rolos de telas, blocos de papel:

Roupa branca da alma dos artistas…

 

Nos ignóbeis balcões dos camiseiros

Há bacanais de meias e espartilhos …

As bonecas de cera, nos barbeiros,

Dão à luz cabeleiras, como filhos…

 

Nos alfaiates jazem manequins,

Ossadas, afinal, dos nossos fatos…

Pelas confeitarias, os pudins,

Desfalecem, anémicos, nos pratos…

 

Nas tabuletas brancas – cemitérios

As letras negras, altas, muito esguias,

São cipreste, são sombras, são mistérios,

Almas dum outro mundo em noites frias…

 

Órgãos de Barbaria desarmónicos,

Estes carros eléctricos tão belos…

Ruidosos, barulhentos, filarmónicos,

Passam na Tarde em risos amarelos…

 

Rua do Oiro – palco da cidade,

Há bastidores em todas as esquinas…

Bebés, balões, senhoras e varinas,

Militares, cocotes, alvalade…

 

Os meus olhos – as hastes da tesoura

Recortando as imagens d’Epinal,

Pelos passeios desta rua fora…

Rua do Oiro – humano Carnaval…