SUBSÍDIO PARA UMA BIOGRAFIA DE ANTÓNIO FERRO 1955-1956
por Mafalda Ferro
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António Ferro com o filho e o neto, ambos com o seu nome (António Ferro)
numa das muitas despedidas em Lisboa, a caminho de Roma.
1955
No âmbito das suas funções enquanto “Ministro de Portugal em Roma”, António Ferro continua, no decorrer de 1955, a .jpg) desenvolver uma “Acção Representativa da Delegação de Portugal em Roma”, como lhe chama nos seus registos.
Esta “Acção” passa pela organização e participação em visitas, pequenas viagens, cerimónias, homenagens, recepções, almoços e jantares dos quais se cita aqui apenas um pequeno número.
No dia 20 de Fevereiro, organiza um jantar de despedida do diplomata João de Lucena, da sua mulher, a pianista Florinda Santos, e de Leonor, a filha do casal. O jantar conta ainda com a presença de, entre muitos outros convivas, Andressen e de sua mulher, do embaixador Francisco Calheiros de Menezes, de Afonso Rodrigues Pereira, Conselheiro da Embaixada no Vaticano, e de sua mulher, de Amândio Pinto, Regina Quintanilha e de Rui Medina que ocupava, então, o cargo de segundo-secretário da Legação em Roma.
.jpg) Durante o mês de Fevereiro, António Ferro apoia com ternura e palavras de esperança o seu filho António e a nora que, tendo já perdido dois filhos recém-nascidos, vivem momentos de grande ansiedade associados à proximidade do nascimento de um bebé. Para sua grande felicidade, no dia 26 de Fevereiro, nasce a sua neta Rita.
António Ferro mantém durante o período passado em Roma uma constante relação epistolar com o seu filho António, aconselhando-o, analisando e criticando os seus livros e trocando ideias sobre literatura, filosofia, arte, teatro e, também, assuntos de família.
Lisboa, 5 de Maio [1955]
Meu querido pai
[…]
Dê muitas saudades à mãe e diga-lhe que em breve lhe escrevo. A Pó manda também muitas saudades aos dois.
[…]
Mando-lhe dois retratos dos pequenos e peço-lhe que repare como a Mafalda se parece consigo. Tenho esperança de que o pai venha equilibrar a balança pois a mãe só tem olhos para o Antoninho. As pequenas nem têm existência, para ela. Mas a Ritinha está um amor e a Mafaldinha, sempre bem disposta e sorridente, tem uma personalidade engraçadíssima.
Muitas saudades e um grande abraço do seu filho muito amigo António
António Quadros, em carta para seu pai
PT/FAQ/AFC/01/001/0535/00019
No dia 3 de Junho, organiza um almoço de homenagem ao Patriarca Dom José da Costa Nunes, bispo católico e, também, professor, músico e escritor. Além do homenageado e do seu irmão, estiveram presentes Andersen, Afonso .jpg) Rodrigues Pereira e sua mulher Teresa Eugénia Bettencourt mais conhecida por Bebé. No dia 6 de Junho, janta com o escritor francês Jacques de Lacretelle e sua mulher Yolande.
No dia 8 de Junho, organiza um almoço de homenagem ao escritor brasileiro José Lins do Rego.
No dia 10 de Junho, organiza um jantar com cerca de 30 pessoas, todo o palácio … e todo o corpo diplomático, colónia portuguesa e alguns escritores.
No dia 5 de Julho,organiza um jantar de homenagem ao compositor português Rui Coelho ao qual compareceram também a pianista e compositora Berta Alves de Sousa, Regina de Vasconcelos, Afonso Rodrigues Pereira e outros.
No dia 9 de Julho, concede uma conferência de Imprensa a cerca de 40 jornalistas italianos, estrangeiros, correspondentes de agências telegráficas, etc…
Fernanda de Castro alterna o seu tempo entre Lisboa e Roma, passando com o marido largas temporadas, embora não tão longas como ambos desejariam mas, nunca consegue sentir-se confortável no papel de mulher de diplomata.
Os laços de amor, cumplicidade e partilha que a unem ao marido são indestrutíveis e, juntos, sempre juntos, ultrapassam todas as dificuldades.
Em Roma não fomos viver, como em Berna, numa bonita casa moderna, no meio de um pequeno jardim, mas num velho palácio, o Palácio del Grillo, na praça do mesmo nome, a dois passos do Fórum e do Coliseu, paredes meias com as ruínas do Fórum de Trajano. [...] As salas estavam mobiladas com móveis magníficos, todos antigos, embora nem todos da mesma época. Os tectos eram pintados e tão belos que faziam parte do património nacional.
Fernanda de Castro, em Ao Fim da Memória II, 1989.
Em sessão de 30 de Junho, António Ferro é eleito pela Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, Académico Correspondente Nacional.
António Ferro participa, a título particular, nos X Encontros Internacionais de Genebra, que, em 1955, têm por tema A Cultura Estará em Perigo?
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António Ferro e Conde de Aurora, em Setembro de 1955
Termina de escrever e organizar um conjunto de poemas que intitula “Poemas Italianos” iniciado em 1954 e que inclui poemas como: «Museu»; «O poeta Miguel Ângelo»; «Praça de Santo Inácio»; «Praça de Espanha»; «Pietá»; «O Anjo de Leonardo»; «As Madonas de Geovanni Bellini», entre muitos outros.
No dia 20 de Setembro, António Quadros inicia com Pó, sua mulher, uma viagem a que chama “A Itália em 30 dias”, queinclui, claro está, paragem e estadia em Roma.
António Ferro recebe com muita alegria o filho e a nora de quem gosta muito e a quem, de imediato, inclui na sua vida social que é, também, a sua vida profissional.
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António Ferro no terraço e no jardim da sua casa
com o filho, a nora e o sobrinho Pedro Cunha, filho de sua irmã e de Augusto Cunha.
O Tenente-Coronel Salvação Barreto, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, desloca-se a Roma para, no dia 28 de Setembro, participar no XII Congresso das Cidades e dos Poderes Locais e, no dia 30 de Setembro, Salvação Barreto, António Ferro e Francisco Calheiros de Menezes presidem e inauguram a exposição Lisboa de Hoje, iniciativa dos serviços culturais da CML sob a direcção artística de José Espinho e de Manuel Rodrigues, à qual compareceu a melhor sociedade romana, de acordo com a imprensa da época, reproduzida na Revista do Município de Lisboa.
António Ferro na inauguração da exposição Lisboa de Hoje
conversando com José Espinho. Pode ver-se, mais atrás, o filho e a nora.
No dia [ 2 de Outubro] António Ferro almoça no Restaurante “Tre Scalini” com a nora e com o filho que regista num impresso do restaurante: Almocei aqui com o pai e com os artistas que colaboraram na Exposição de Lisboa, José Espinho, Manuel Rodrigues, Sebastião Rodrigues, Carlos Rafael […].
No dia 12 de Outubro, António Ferro e Fernanda de Castro são convidados para a recepção oferecida pela Rainha Soraya da Pérsia no Hotel Excelsior em Roma.
No dia 16 de Dezembro, António Ferro recebe para jantar os seus amigos holandeses Karin e Ernst Leyden, António Batalha Reis, Rui Medina e outros.
António Ferro passa o Natal em Roma.
1956
No dia 1 de Janeiro, Ferro oferece um almoço de Ano Bom a todo os colaboradores da Legação e do futuro Centro de .jpg) Informação no qual estiveram presentes António Batalha Reis, Paulo Ferreira e sua mulher, Claudia Campini e o noivo, Ana, nova funcionária, Armando Baptista e outros.
No dia 29 de Janeiro, Ferro janta com Reynaldo dos Santos, Francisco Calheiros de Menezes, com a crítica e historiadora de arte italiana Palma Bucarelli, Marquesa de Loroya, Eugénio Montes, António Batalha Reis, Rui Medina e outros.
De regresso a Roma, recomeçou a vida habitual, ao mesmo tempo cheia e vazia. Tanto o António como eu tínhamos esta mesma sensação, de modo que nas horas livres, que eram muito poucas, recomeçámos a trabalhar; ele, nos seus poemas romanos, e eu em Asa no Espaço, poemas que depois seriam publicados em volume na Colecção Poesia, da Ática.
Outra coisa estranha foi nunca termos entrado numa casa romana, a não ser naquelas que davam, uma vez por ano, uma recepção em honra do corpo diplomático.
Fernanda de Castro, em Ao Fim da Memória II, 1989.
.jpg) No dia 30 de Maio, cerca de seis meses antes da sua morte, António Ferro escreve uma carta que encerra num envelope onde redige Para ser entregue ao meu filho António depois da minha morte.
Querido António,
Enquanto tenho ainda forças para pegar numa pena e enquanto ainda consigo interessar-me (já palidamente…) pelo que pode acontecer ao meu nome, depois da minha morte, desejo dar-te algumas instruções rápidas sobre o que se pode salvar do que escrevi nos últimos anos e que podes entregar, depois de cuidadosamente revisto, a algum editor que se interesse pelas minhas cinzas, o que duvido.
[…]
Não tenho conselhos a dar-te pois tens indiscritíveis qualidades e só me tens dado motivos de satisfação e de orgulho. Apenas, procura sempre reflectir antes de qualquer acto público ao qual possas ficar para sempre agarrado.
(…]
Uma última recomendação: sê bom, sê bom através de tudo, até quando tenhas de responder à maldade dos outros.
A glória humilde, a glória íntima do coração é a maior e a mais bela de todas, Não poder continuar a fazer bem aos outros, a ser, ao menos, gentil para com eles, é agora o meu maior sofrimento.
Um grande beijo do teu pai, para além da morte, outro para a Pó que estimei sempre, e beijos também para os teus filhos cuja graça já não pude saborear como tanto sonhei e desejei.
E peço-te que não chores… A morte é o único repouso possível para quem está minado como estou minado.
António
António Ferro, em carta para seu filho António, 30 de Maio de 1956.
PT/FAQ/AFC/01/001/0548/00016
António Ferro recebe a 10 de Agosto uma proposta de Azeredo Perdição, seu velho amigo de juventude, para um projecto editorial da Fundação Gulbenkian. A proposta chega-lhe através de uma carta de António Eça de Queiroz, "seu colaborador principal durante dezoito anos", assim se intitula o remetente que acha que deve “ser ajudado por qualquer forma" devido aos serviços prestados ao Estado Novo e a António Ferro.
Lisboa, 10 de Agosto de 1956
[…]
Agora, meu caro Ferro, aqui entramos na parte onde você pode ser para mim a mais sólida das alavancas, e olhe que lhe escrevo a conselho do próprio Azeredo Perdição. Este disse-me da grande afeição e amizade que lhe tinha e aconselhou-me em que não perdesse tempo e não deixasse de escrever imediatamente.
Em vista disto, eu devo supor que V. está em plena comunicação com o Azeredo Perdigão. Portanto, vou dizer-lhe o que é que ele amabilíssimo, acaba de dizer-me.
Que a Fundação tenciona publicar uma grande revista da mais alta qualidade […] o Azeredo Perdigão parece tr grande esperança que você aceite a direcção desta importante publicação […]
O Azeredo Perdigão disse-me – mais ou menos – que se eu viesse pelo seu braço para o secundar – como o secundei no Secretariado – que ele me aceitaria com o maior gosto, pois compreende perfeitamente que um homem com o meu nome e com a minha qualidade literária estaria perfeitamente indicado para ser o “braço direito” daquele a quem seria confiada a direcção do empreendimento.
Em carta de António Eça de Queiroz a António Ferro, 10 de Agosto de 1956.
PT/FAQ/AFC/01/001/0537/00004
António Ferro, por aconselhamento médico, retira-se para uma estância termal de tratamento e repouso de onde regressa em finais de Setembro já depois de a Legação ser elevada à categoria de Embaixada mas, ainda, sem ter recebido as credenciais que nunca virá a receber.
No início de Novembro, António Ferro desloca-se a Lisboa para se submeter a uma intervenção cirúrgica executada pelo Dr. Augusto Toledano Ezaguy.
Instalado num quarto particular do Hospital de S. José recebe, antes da operação, um telefonema de Salazar que, com um estranho pressentimento, lhe pede: Por favor, não se deixe operar.
A cirurgia decorre sem problemas mas, uma semana depois da intervenção, na madrugada do dia 11 de Novembro, António Ferro morre inesperadamente tendo, no período pós-operatório, desenvolvido uma pneumonia que lhe causa uma crise cardíaca.
Tudo acontece tão depressa que Fernanda de Castro não consegue, antes de a notícia ser publicada na imprensa, falar com o seu filho Fernando, então em Inglaterra e, naquele dia, em parte incerta.
Acabo de ter notícia pelos jornais. 10 horas manhã. segunda feira. Tarde demais para tomar avião. Tentei telefonar sem resultado. Estou angustiado sem notícias. Choque inesperado. Tragédia deixou-me absolutamente impossibilitado tomar qualquer decisão. Por amor de Deus telefone-me. O seu filho de sempre Fernando.
Telegrama de Fernando de Castro Ferro para sua mãe, 12 de Novembro de 1956.
PT/FAQ/AFC/01/001/0430/00011
Às 10.30h do dia 12 de Novembro, o Padre Lobo, Prior da Igreja de S. João de Deus, celebra uma missa à qual participam várias centenas de pessoas.
Salazar retira-se depois da missa.
A urna foi transportada no primeiro turno aos ombros dos artistas Thomaz de Mello, Carlos Botelho, António Duarte, Bernardo Marques e Jorge Segurado.
.jpg) O corpo de António Ferro é colocado no cemitério do Alto de S. João, no mesmo jazigo de família onde jazem seus pais, Helena e António, e onde se lhe viria a juntar, em 1993, o corpo de seu filho mais velho, António Quadros.
A família recebe, de Portugal e do estrangeiro, centenas de manifestações de pesar, ramos de flores e coroas de amigos e colaboradores como, por exemplo, de Bernardo Marques, Carlos Botelho, Emmérico Nunes, Fred Kradolfer, José Rocha, Thomaz de Melo (Tom); do Governo Suíço; do Governo Italiano; da Embaixada de Portugal em Roma; do Rei Humberto, de Itália; do Círculo Eça de Queiroz; dos funcionários do SNI; da Emissora Nacional, etc…
A imprensa mundial noticia a sua morte em jornais como Times; Figaro; Jornal de Genéve; Le Monde; Sunday Dispatch; Manchester Guardian; France-Press; entre muitos outros.
.jpg) No dia 12 de Novembro, o France-Soir refere que Avec António Ferro la France perd son meilleur ami portugais.
No dia 16 de Novembro, o Times escreve O seu país deve deplorar profundamente a morte prematura de quem tanto fez por ele.
No dia 22 de Novembro, o Diário de Notícias dedica-lhe uma página que inclui: António Ferro, por Augusto de Castro; Inéditos de António Ferro; Depoimento de Ramada Curto; A Arte Moderna, por Diogo de Macedo; Política do Espírito, por Álvaro Ribeiro; Depoimento de Luís Forjaz Trigueiros; Quadrante, por Artur Maciel; Cronista internacional, por Júlio Dantas; Um grande português, por Reynaldo dos Santos; Balança, por N.F.; Uma definição, por Pedro de Moura e Sá; Para além da morte, por Jaime de Carvalho; O Escritor, por José Osório de Oliveira; Sempre na Vanguarda, por Moreira das Neves; A morte de António Ferro, por Maria da Graça Freire; Um amigo, por Esther de Lemos; Meu pai, por António Quadros; Amigo queridíssimo, por Elisa Sousa Pedroso; A última viagem, por TOM; O Bailado, por Tomás Ribas; António Ferro: um exemplo muito difícil de seguir, por António Duarte; Personalidade, por Orlando Vitorino.
O Diário de Lisboa publica Presença Humana de António Ferro, por Augusto d’Esaguy; De vez em quando, por João Patrício; Para além da morte, por Jaime de Carvalho; António Ferro, de Guilherme Pereira de Carvalho.
Eduardo Brazão, então director do SNI, determinou que, como tributo de homenagem e gratidão ao criador do Secretariado, se erigisse um busto no jardim principal do Palácio Foz que perpetuasse a lembrança da obra gigantesca que, nesse local, havia sido realizada por António Ferro.
Infelizmente esse busto, criação do escultor Álvaro de Brée, desapareceu durante a revolução de 1974 depois de o seu “amigo” Carlos Botelho lhe ter pintado bigodes e encapuçado: o mesmo “amigo” que durante o período de exílio de António Ferro lhe endereçou dezenas de cartas, pedindo, e obtendo, o seu apoio para diversas iniciativas, o mesmo Carlos Botelho que lhe enviou uma coroa de flores no dia 11 de Novembro de 1956 e que transportou em ombros a sua urna.
Existem duas réplicas do busto: em bronze no Círculo Eça de Queiroz e, em gesso, na Fundação António Quadros.
CARTA ABERTA A ANTÓNIO FERRO
Ao rapazito que eu conheci no "Orfeu", a figurar como editor, precisamente por ser menor e lhe faltarem por isso as condições legais para tal responsabilidade ― e que depois foi esquecido por alguns companheiros da aventura literária, que lhe não perdoavam a audácia das convicções afirmadas nem os triunfos dos méritos de grande jornalista.
[...]
Os que colaboraram com V. discordantes políticos alguns, mas amigos como foi o Bernardo Marques; outros concordantes, como esse espantoso Cotinelli Telmo, que as ondas arrebataram um dia, o António Lopes Ribeiro, realizador de cinema, poeta, escritor, jornalista e conferencista, o moço Paulo Ferreira, que seria depois em Paris, ao lado de José Augusto, um embaixador de portuguesismo e bom gosto, o retorcido Carlos Botelho, cuja gratidão se definiu no gosto com que se apressou, depois do 25 de Abril, a pintar bigodes no busto de António Ferro na escadaria do Palácio da Foz, o Luís de Montalvor e o Ferreira Gomes, que foram uns grandes revolucionários das artes gráficas em Portugal e deram às publicações do S.N.I. a categoria de que os actuais detentores do Palácio Foz ainda beneficiam ― era de todos um amigo. [...]
Morreram muitos dos seus colaboradores ― o Pedro de Moura e Sá, o Carlos Queiroz, o Correia Marques, o Francisco Lage, o Ferreira Gomes, sei lá quantos mais! ―, outros sumiram-se pelos buracos da província, talvez a escrever as suas memórias. Mas a sua obra, António Ferro, a sua obra ficou. Quer queiram quer não.
Podem inutilizar, como inutilizaram o esforço feito em prol do turismo, que levará agora muitos anos a quem puder refazê-lo ― mas já se sabe como é. E assim em todos os campos em que V. deu o pontapé de saída.
Podem cortar as cabeças às estátuas ou pintar-lhes bigodes, retirar os nomes das ruas, mandar queimar os livros e esquecer os nomes dos que foram gente. Nada conseguirão. Quando a obra é válida, por mais que a denigram, mais ela avultará.
Contra os que tentaram esquecê-lo, amesquinhá-lo, combatê-lo, V., o homem sem ódio, continua a ser ― o vencedor.
Vasco Afonso, em “Carta aberta a António Ferro”, A Rua, n.º 49, pág. 20.
TERMINA-SE ESTE SUBSÍDIO
COM AS PALAVRAS DE SEU FILHO ANTÓNIO
Meu Pai
[…]
Deixa-me um imenso vazio, que nada poderá substituir. Creio que deixa um vazio, igualmente, na vida portuguesa. Homem público, funcionário, diplomata, o seu trabalho literário dos últimos anos não é conhecido. Espero que, conforme seu expresso desejo, sejam editados, pouco a pouco, a sua poesia, o seu teatro, o seu «Diário Íntimo», em que as páginas de memórias alternam com as impressões da vida quotidiana e com as observações literárias e artísticas. O público conhecerá ou reconhecerá então um António Ferro diferente, de delicada e profundíssima sensibilidade, e uma cultura vastíssima, actualizada, coada sempre pela emoção que toda a obra de arte provocava no homem e no esteta que ele era. Foi até ao fim um homem superior.
[…]
António Quadros, em Diário de Notícias, 22 de Novembro de 1956. |