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Newsletter Nº 181 / 14 de Fevereiro de 2022
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros
ÍNDICE 

01 – Maria Germana Tânger (1920/2018): A poeta de poetas, por Mafalda Ferro.

02 – Ruy Belo (1933/1978): Subsídio para uma biografia, por Mafalda Ferro.

03 – Elogio de Maria Teresa (excerto), por Ruy Belo.

04 – João Ameal (1902/1982): Apontamento biográfico, 120 anos depois do seu nascimento, por Mafalda Ferro.

05 – João Ameal, António Ferro e a Ilustração Portuguesa, por Mafalda Ferro.

06 – Livraria António Quadros. Promoção do mês: Revista «Espiral» n.º 1.


EDITORIAL,

por Mafalda Ferro

Prestamos hoje homenagem a três grandes figuras do século XX que de uma ou outra forma, estão ligadas à Fundação António Quadros e ao tempo em que vivemos.


MARIA GERMANA TÂNGER nasceu em Lisboa, no dia 16 de Janeiro de 1920, há 102 anos.

Lembramos 
com a ternura e a admiração de sempre uma das grandes diseuses do seu tempo

Visitei-a algumas vezes na sua última morada, no primeiro andar, letra C, do n.º 23 da Calçada do Ferrageal em Lisboa.

Visitei-a não só para lhe fazer companhia mas também porque as memórias que comigo partilhava nessas ocasiões me transportavam de volta à casa da minha avó Fernanda [de Castro], sua amiga e parceira de muitos projectos, de volta às tertúlias na Calçada dos Caetanos, de volta à Música, à Poesia e ao Teatro que aí se vivia, dizia, fazia.
Visitei-a pela amizade que sempre nos dedicou, a mim e à minha família.
Visitei-a porque era generosa, delicada, culta, talentosa e sorria, sorria sempre.

 

RUY BELO nasceu em S. João da Ribeira, no dia 27 de Fevereiro de 1933, há 89 anos.

Não conheci pessoalmente o "Poeta de Rio Maior", o "Poeta de S. João da Ribeira" (aldeia onde nasceu, frequentou a escola pela primeira vez e foi sepultado) mas conheci a sua mulher. Mulher extraordinária, fascinante. Era grande o amor e a admiração que sentia pelo Homem, pelo Marido, pelo Poeta. De palavra em palavra, com ternura, de sorriso em sorriso, ia-nos ensinando a olhá-lo, a entendê-lo, a admirá-lo, incentivando-nos a ler os seus livros. Esta homenagem é também para ela.




Está patente no espaço museológico da Biblioteca Municipal de Rio Maior a exposição «História Pequena de um Grande Poeta» promovida pela Fundação António Quadros e pela Câmara Municipal de Rio Maior.


Inserida no contexto da sua época, a exposição testemunha o tempo de Ruy Belo enquanto menino em S. João da Ribeira e a sua relação com a família e com os outros, as terras por onde andou que estão na origem da sua presença na toponímia e na estatuária nacional, bem como a sua obra literária...


O tempo de apresentação da exposição prolongar-se-á até ao dia 7 de Março, estando já agendada uma sessão com a participação das crianças do Centro Escolar Poeta Ruy Belo de S. João da Ribeira.

Créditos
Mafalda Ferro (autoria) / Dina Lopes (apoio) / Paulo Montez (grafismo)  / União das Freguesias de Azambujeira e Malaqueijo (cedência de peças museológicas).

Entrada livre.  
Visitas acompanhadas:
Em grupo ou individuais, sujeitas a marcação (965552247).


JOÃO AMEAL nasceu em Coimbra, no dia 23 de Fevereiro de 1902, há 120 anos.

Intelectual 
e Historiador de excelência, João Ameal merece a nossa especial atenção destacando-se a sua relação com a «Ilustração Portuguesa» no ano de 1922, há cem anos.

João Ameal é uma das cinco figuras da vida cultural portuguesa do século XX tratadas por Gonçalo Sampaio e Mello na sua excelente obra "Vultos & Perfis" em cuja Nota Prévia se pode ler: João Ameal afirmou-se como um dos mais talentosos escritores do seu tempo, autor de centenas de títulos dispersos por livros, revistas, jornais e suplementos literários. Filósofo de raiz tomista, conserva os seus éditos e inéditos à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal.


Conheça aqui uma história ainda por contar sobre João Ameal e a sua passagem pela «Ilustração Portuguesa».

INFORMAÇÕES GERAIS:

No passado dia 31 de Janeiro, realizou-se à distância a Assembleia-geral de 2021 da Fundação António Quadros, com enorme e produtiva participação dos presentes. É com grande orgulho que se comunica que, das quarenta e quatro personalidades convocadas, apenas sete não puderam participar. Pensou-se a Fundação através do diálogo, da troca de ideias, de sugestões e do levantamento de questões que conduziram a um evidente enriquecimento do Plano de Actividades para 2022. Além disso, como consequência, houve outras adesões ao grupo dos "Amigos da Fundação António Quadros".
Os documentos formais relativos ao ano de 2021 e ao Orçamento e Plano de Actividades para 2022 encontram-se disponíveis para consulta no Sítio da Fundação.
–  Está em Promoção do Mês na Livraria António Quadros o primeiro número da revista «Espiral».

 

01 – Maria Germana Tânger (1920/2018): A Poeta de Poetas
por Mafalda Ferro.


Maria Germana Tânger que
, segundo Mário Cesariny, era a POETA DE POETAS, costumava explicar que não declamava poesia, que dizia poesia, retirando assim ao dizer ou ao ler poemas o tom teatral utilizado na sua época. Mais tarde substituiu a expressão "Dizer Poesia" por "Interpretar Poesia" porque, no seu entender, era essa a única forma de sentir o que dizia, de sentir o poeta.


Estudou em Portugal e em Paris e, d
urante 25 anos, no Conservatório Nacional, ensinou a Arte de Dizer a centenas de alunos, actores, locutores, professores e políticos, dos quais se salienta José Carlos e Diogo Ary dos Santos, José Walenstein, Carlos Fogaça, João Lagarto, Manuel Silva Pereira, Maria Emília Arriaga, Maria Alberta Menéres, Maria Elisa Domingues, Maria Paula Figueiredo, João Grosso, Graça Lobo, Leonor Poeira, António Tânger Corrêa, Rita Blanco, São José Lapa, Isabel Medina, Sousa Costa, Teresa Corte Real, Maria Guinot, Alexandra Lencastre, Rui Vieira Nery.

Correu o mundo levando a Poesia portuguesa acompanhada por músicos conceituados a todos os cantos e recantos do continente e das Ilhas através dos seus recitais Pró-Arte. Correu continentes,
 Europa, Ásia, África e América, e a todos levou a poesia portuguesa. 

Em 1959, prestou homenagem a Fernando Pessoa, 24 anos depois da sua morte, interpretando pela primeira vez na íntegra e de cor os quase mil versos da «Ode Marítima» de Álvaro de Campos, no Teatro da Trindade em Lisboa, assistida pelo actor Francisco Ribeiro.


Foi tradutora. 
Assinou e apresentou mais de 100 programas de televisão em rúbricas como «Ronda Poética» e «Roteiro Poético (1964/1965), interpretando centenas de poetas. Concebeu e encenou os famosos espectáculos de Luz e Som em Queluz e Sintra.

Viveu em Queluz e em Lisboa (Largo de S. Carlos e Calçada do Ferrageal).
Teve casa em Sintra. 
Passou férias nas Azenhas do Mar.

Foi amiga de grandes personalidades associadas ao mundo do teatro, das artes plásticas e das letras das quais se destaca Miguel Torga, José Régio, Cecília Meireles, Fernanda de Castro, Eunice Muñoz, Almada Negreiros, António Quadros, Adriano Moreira, Natália Correia, Campos Figueiredo, Elvira de Freitas, Amélia Rey Colaço, Cristina e Isolda Lino, Virgínia Victorino, Inês Guerreiro, José Carlos Ary dos Santos.


Em 1999, despediu-se da vida profissional no Teatro da Trindade lendo com João Grosso a "Ode Marítima" de Álvaro de Campos que quarenta anos antes, dissera sozinha de cor.
Viveu durante 98 anos divulgando a poesia portuguesa em Portugal e no estrangeiro, através do seu talento Maior: a Arte de Dizer.

Fechou os olhos pela última vez acompanhada pelo grande amigo e discípulo, o actor João Grosso, que sobre esse momento escreveu: 
No último minuto, a sós, ainda nos rimos com a proposta de um champanhe para festejar o seu 98.º aniversário. E olhando-me com aquele "olhão", numa tranquilidade espantosa, disse-me: eu não estou nada bem.

Foi casada com o ensaísta, filólogo, adido cultural, autor, Manuel Tânger Corrêa, fundador do Teatro Moderno – Teatro Universitário na Faculdade de Letras.

Teve um filho, o Embaixador António Tânger Corrêa.

E netos, Manuel, Pedro e Maria d'Orey Tânger Corrêa.
No dia dos seus anos, o neto Pedro escreveu no FacebookMinha querida Avó. Que saudades que deixa. Quanto mais tempo passa, mais vejo que sou seu neto.

Agraciada com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República Jorge Sampaio, Germana Tânger recebeu a Medalha de Mérito da Câmara de Lisboa, a Medalha de Mérito de Sintra e ainda o «Prémio Maria Isabel Barreno - Mulheres Criadoras de Cultura», do Governo Português, entre outras distinções.

 
02 – Ruy Belo (1933/1978): Subsídio para uma biografia, 
por Mafalda Ferro


Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933 em São João da Ribeira, freguesia de Rio Maior, Santarém, Portugal, tendo recebido de seus pais o nome de Rui de Moura Ribeiro Belo.


Iniciou os estudos 
na escola da sua aldeia natal em que seus pais, ambos professores,  leccionavam tendo terminado com distinção o exame de 2.º grau do Ensino Primário Elementar em Julho de 1944. 


Entre 1946 e 1951, frequentou o Liceu Nacional de Santarém e, na hora da despedida (1951), escreveu um poema alusivo, talvez o primeiro que publicou, para o jornalinho escolar «O Mocho».


Com 18 anos, iniciou o curso de Direito na Universidade de Coimbra e, nessa cidade, integrou o Orfeon Académico e aderiu à Opus Dei. No entanto, f
oi em Lisboa (1954) na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que terminou o Curso.


Concluiu em dois anos (1956/1958) 
o doutoramento em Direito Canónico na Universidade de S. Tomás de Aquino, em Roma, com a tese "Ficção Literária e Censura Eclesiástica".

1961, foi talvez o ano mais marcante da sua vida já que, nesse ano, se 
candidatou e recebeu da Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa de estudo para frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, aí vindo a licenciar-se em Filologia Românica; saiu da Opus Dei; conheceu e se apaixonou por Maria Teresa Carriço Marques, sua colega, 11 anos mais nova e de quem foi o primeiro namorado; iniciou a sua carreira literária, publicando o livro de poemas "Aquele Grande Rio Eufrates" e a coletânea de ensaios "Poesia Nova – Tentativa de Caracterização da Poesia".

No ano seguinte, participou na greve académica de 62 e publicou dois livros: "O Problema da Habitação – Alguns aspectos" (1962) e "Alguns Versos" para a sua amada M. T.


No dia 21 de Maio de 1966, casou com Maria Teresa Carriço Marques na Igreja de Santa Clara em Vila do Conde, terra natal da noiva. 
Publicou "Boca Bilingue" (1966).

Durante os primeiros tempos de casados, 
o casal  instalou-se no Cacém.

Os pais de Maria Teresa viviam e trabalhavam em Vila do Conde, razão pela qual o casal aí passava grande parte do tempo de veraneio. Ruy Belo, amante da natureza, principalmente do mar, gostava muito especialmente da Praia da Consolação mas, como destino de férias, privilegiou também a Praia da Guia em Peniche e as praias de Cascais e do Estoril. Durante esse tempo, – lembram os filhos – Ruy Belo passava o dia na praia e a noite a escrever.


Entre 1967 e 1974, o casal Belo teve três filhos: o Diogo (1967), advogado; o Duarte (1968), arquitecto de formação e fotógrafo profissional em Viseu que gosta de trabalhar sozinho "para não atrapalhar ninguém"; a Catarina (1974) que herdou do pai o gosto pelos livros e pelas viagens, lecciona filosofia islâmica medieval na Universidade Americana do Cairo (desde 2006) e fala sete línguas.


Apesar de ter feito parte da Opus Dei durante cerca de dez anos, Ruy Belo vai-se afastando da Igreja, chegando mesmo a riscar dos seus anteriores manuscritos a palavra "Deus" substituindo-a por valores em que acreditava como "Liberdade" ou "Justiça". No entanto, todos os seus filhos foram baptizados embora não tenham recebido educação religiosa. A Catarina, por exemplo, foi baptizada em Setembro de 1975 em Vila do Conde e, já adulta, crismou-se no Cairo.

Em 1969, Ruy Belo candidatou-se a deputado pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática com Francisco de Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Teles, Jaime Gama, José Megre, Etelvina Lopes de Almeida, Francisco Salgado Zenha, entre outros.


No mesmo ano, publicou "Na Senda da Poesia" sendo que alguns dos ensaios originais foram cortados pelos serviços de censura.


Dando uso ao seu doutoramento em Direito Canónico, Ruy Belo trabalhava, por vezes, no escritório de Salgado Zenha, em processos relacionados com casamentos católicos.


Em 1970, a Ruy Belo comprou casa em Monte Abraão, Queluz, escolhendo uma localidade longe dos grandes centros urbanos que, por ser mais barata, lhe permitiu optar por uma capaz de albergar uma família, então, de quatro pessoas e, principalmente, a sua biblioteca. Publicou "Homem de Palavra(s)".


Em 1971, instalada a família em Monte Abraão, Ruy Belo rumou a Madrid para ocupar durante sete anos o cargo de Leitor de Português na Universidade dessa cidade. Durante esse período, correspondia-se com a família, amigos e diversos autores portugueses.

Entretanto, Maria Teresa trabalhava, criava os filhos e, apesar da distância, mantinha acesa a sua paixão pelo marido. Depois da sua morte, a sua amiga Alexandra Lucas Coelho (em Sapo24 | 23 de Fevereiro de 2018) explicaria que Para Teresa, manter-se em Lisboa era assegurar chão firme à família, e a liberdade total do poeta. Para que nenhum verso ficasse por escrever, como ela dizia.

Durante os anos em que Ruy leccionou na Universidade de Madrid, o tempo que dedicava à família limitava-se aos períodos de férias académicas.


Em 1973, publicou "Transporte no Tempo" e "País Possível" e, no ano seguinte (1974), "A Margem da Alegria".


Depois do nascimento da Catarina (1974), como resultado dos custos inerentes ao sustento de uma família maior, o dia-a-dia foi ficando cada vez mais complicado para Maria Teresa e teria sido pior não fora o constante apoio financeiro recebido dos seus pais.


Em 1976, Ruy Belo publicou "Toda a Terra".


Apesar de licenciado e doutorado, quando, em 1977, Ruy Belo regressou a Portugal, as suas relações com o "regime democrático" impediram-no de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa. Foi então obrigado a integrar o quadro docente nocturno da Escola Técnica Ferreira Dias, no Cacém.

Um ano antes de morrer publicou "Despeço-me da Terra da Alegria", obra considerada por muitos um hino à vida mas que, para  o poeta, foi o anúncio de uma morte há muito planeada.

Sabe-se que, a vários tempos, assumiu a direcção literária da Editorial Aster, a Chefia da Redação da revista «Rumo», dirigiu o Serviço de Escolha de Livros do Ministério da Educação Nacional e colaborou em «O Tempo e o Modo – Revista de Pensamento e Acção».


Ruy Belo morreu no dia 8 de Agosto de 1978 em Queluz, vítima de um edema pulmonar. Tinha apenas 45 anos.

Foi sepultado no cemitério de S. João da Ribeira em campa rasa.

Alexandra Lucas Coelho, em Sapo 24 | 23 de Fevereiro de 2018, escreveu: Teresa ficou com ele até ao fim, apesar da montanha-russa emocional que foi acompanhá-lo. 
Teresa foi a maior admiradora e promotora da sua obra literária, a sua maior amiga, o seu maior conforto. Foi graças a ela que o seu talento deu fruto.

Os filhos, então muito novos, lembram especialmente a casa de Queluz, os tempos de férias, as brincadeiras na praia, os doces conventuais da pastelaria dos avós maternos em Vila do Conde, o pai a escrever até altas horas da noite..
Quando Catarina vem a Portugal fica na casa de Queluz e vai tratando os livros da biblioteca do pai.


Em 1991, Ruy Belo foi condecorado a título póstumo com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant'iago da Espada.

Em 2005, "Na Senda da Poesia" foi reeditada com inclusão de ensaios publicados após a primeira edição do livro ainda em vida do poeta e das passagens que sofreram cortes da censura. Este livro, como vários outros do mesmo autor, integra hoje o Plano Nacional de Leitura recomendado para o Ensino Secundário.

Enquanto poeta e ensaísta português da segunda metade do século XX, a obra de Ruy Belo é objecto de estudo, de admiração e de inúmeras reedições assim como de
teses como "Ruy Belo, a ver os livros. Ensaios na trajectória de uma obra poética: tensões e fracturas de forma", Tese de Doutoramento de Hugo Manuel Milhanas Machado em 2015 ou, no mesmo ano, de "Ruy Belo, Era Uma Vez" documentário realizado por Nuno Costa Santos para a RTP 2 baseado em reproduções fotográficas e documentais bem como em depoimentos de quem o conheceu.

Em 2018, Maria Teresa Belo morreu de doença cancerígena e foi sepultada na mesma campa do marido em S. João da Ribeira. Nessa ocasião, Luís Miguel Cintra leu o poema de Ruy Belo “Elogio de Maria Teresa”, antes de o caixão ser colocado por cima do de Ruy Belo.

Nesse ano, a família ofereceu à Câmara Municipal de Óbidos uma parte da biblioteca que reunira para que fosse integrada numa futura «Residência Ruy Belo» para escritores.

Maria Teresa Belo, descrita por seu marido como "A musa mais discreta e silenciosa dos meus versos" foi uma mulher extraordinária, a companheira ideal, libertando-o de responsabilidades familiares e do quotidiano, facilitando e abrindo caminho para a sua criação literária.

Segundo palavras suas, Maria Teresa sabia as razões pelas quais o marido precisava de outras "musas" para se inspirar e, porque entendia e aceitava esse facto, prezava mais o talento e a poesia do marido do que a sua fidelidade.

A importância do papel da mulher na vida e na produção literária de Ruy Belo é consensual.
Duarte Belo, seu filho, acredita que sem Teresa, ele não teria escrito metade do que escreveu.

 
03 – Elogio de Maria Teresa (excerto),
por Ruy Belo

[...] 
São retratos diferentes de quem foste um breve instante | e nele floriste e apenas não murchaste | por haveres ficado um pouco mais em tais fotografias


Mas há em todos eles uma graça inesperada | a surpresa da corça ou restos dessa raça | que há em ti talvez um pouco mais que nas demais mulheres | expressão sempre surpreendente da surpresa | mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te conheço


Se nuns mais do que noutros sem excepção desponta | a madrugada que era e é esse teu riso claro | quem primeiro falou de riso claro | talvez houvesse ouvido a água quando corre sobre os seixos de um ribeiro | talvez a houvesse visto branca e fresca | mas teve de inventar pra conquistar essa metáfora | quando eu que te ouvi rir não fiz mais do que ouvir | e sei que o som da água imita o teu sorriso


Talvez dentro de séculos se não fale já de ti | coisa aliás sem maior importância | que a de não ter alguém deixado o teu retrato | em qualquer dos museus esparsos pelo mundo


Eu estarei morto e pouco poderei fazer | por ti simples mulher da minha vida


Mas isso não importa, importa esta manhã | este bar de Milão onde olho o teu retrato | enquanto espero o meu pequeno almoço | saboreio as cervejas em jejum tomadas | e começam de súbito a chegar aos meus ouvidos | inesperados os primeiros acordes do concerto imperador


Se um dia penso porventura te perder | mulher simples recôndita e surpreendente | sobre quem recaiu o peso do meu nome | só então saberei quanto valias verdadeiramente


Estás presente em mim como ninguém | e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres | além de ti além de minha mãe


Mas tu tens o meu nome Clara Rilke tu trocaste | a tua alegre vida irrequieta | no único infeliz dos teus negócios | por um poeta pobre velho e feio como eu


Contigo aprendi coisas tão simples como | a forma de convívio com o meu cabelo ralo | e a diversa cor que há nos olhos das pessoas


Só tu me acompanhaste súbitos momentos | quando tudo ruía ao meu redor | e me sentia só e no cabo do mundo


Contigo fui cruel no dia a dia | mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva


Não posso dar-te mais do que te dou | este molhado olhar de homem que morre | e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente

Bons dias Maria Teresa até depois | preciso de tomar o meu pequeno almoço | a cerveja era boa mas é bom comer | como come qualquer homem normal | e me poupa ao perigo de até pela idade | me converter subitamente num sentimental

 
04 – João Ameal (1902/1982): Apontamento biográfico, 120 anos depois do seu nascimento,
por Mafalda Ferro.


Jornalista, Escritor, Político, Historiador, Pensador, Monárquico, Católico, João Francisco de Barbosa Azevedo de Sande Aires de Campos nasce em Santa Cruz, Coimbra, a 23 de Fevereiro de 1902.
Licencia-se em Direito pela Universidade de Lisboa.


Tendo herdado de seu pai os títulos de Visconde do Ameal (2.º) e Conde do Ameal (3.º), é conhecido e assina os seus escritos como João Ameal.

Por volta dos 25 anos de idade, aparece já como escritor de relevo.
[...] Mais: Aparece como escritor feito, completo, sem brechas ou fissuras, conforme não deixam de assinalar colegas de mister a exemplo de Alfredo Pimenta, Hipólito Raposo, Vitorino Nemésio, Sousa Costa, António Ferro.

[...] É efectivamente a partir da década de 30 que João Ameal conquista projecção nacional e internacional.

Fá-lo dando à estampa páginas de relevo nos domínios da História, da Política, da Filosofia, e da Religião, mas sem abandonar as lides do jornalismo cultural, em que continua a ser presença de vulto. 

Gonçalo Sampaio e Mello, em "Vultos & Perfis", 2019.

 

Ameal mais que historiador foi, sem dúvida, um ideólogo, um ideólogo que fez História. A sua vida, a sua doutrina, a sua História são um todo homogéneo. Não se pode perceber o homem sem conhecer o pensador; não se pode compreender a sua História sem ter em conta os valores que orientaram a sua doutrinação e vida pública. Não se pode, no entanto, conhecer o pensador, o historiador, o homem público sem conhecer a época que o gerou.

Há, pois, coerência entre as ideias defendidas por Ameal e a sua forma de escrever História ou histórias sobre personagens e acontecimentos passados. 

Antonieta Pinto, em «Revista de História das Ideias» n.º 17, Imprensa da Universidade de Coimbra.


Além de ter colaborado em inúmeras publicações periódicas das quais se salienta: «Contemporânea»; «O Domingo Ilustrado»; «Ilustração Portuguesa»; «Mocidade Portuguesa Feminina: boletim mensal»; «Boletim do Sindicato Nacional dos Jornalistas», Ameal assinou obras no domínio da História, da Política, da Ficção e da Crítica, das quais se destaca:

  • A Revolução da Ordem (1932);
  • A Revolução Tomista (1952);
  • As Criminosas do Chiado. Romance assinado com Luiz d'Oliveira Guimarães (1925);
  • Breve Resumo da História de Portugal (1946);
  • Erratas à História de Portugal: De D. João V a D. Miguel (1939);
  • História da Europa, em cinco volumes (1982/1984);
  • História de Portugal das origens até 1940 (1941);
  • No Limiar da Idade-Nova – Ensaios Contemporâneos (1934);
  • Obreiros de quatro impérios (1958);
  • O que os meus olhos viram (1919);
  • Panorama do Nacionalismo Português (1932);
  • Perspectivas da História;
  • S. Tomás de Aquino. Iniciação ao Estudo da sua Figura e da sua Obra (1938);
  • Santos Portugueses;
  • Setúbal: Sete Séculos de História.

 

Recebe em 1943 o Prémio Alexandre Herculano, pela sua "História de Portugal" e, em 1934, o Prémio Ramalho Ortigão pela sua obra "No Limiar da Idade-Nova – Ensaios Contemporâneos".


Em 1965, é feito Grande-Oficial da Ordem Militar de Cristo e, e
m 1971, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.


Em 2003, celebrando o centenário do seu nascimento, a Biblioteca Nacional organizou a Mostra Documental «Espólio de João Ameal». O prefaciador do catálogo é Gonçalo Sampaio e Mello.


João Ameal morre em Lisboa a 23 de Setembro de 1982, há 40 anos.

A sua morte passa despercebida.

Para terminar, partilha-se a dedicatória manuscrita patente no exemplar de "No Limiar da Idade-Nova – Ensaios Contemporâneos" preservado na Biblioteca da Fundação António Quadros:

Para António Ferro, um dos constructores portugueses da idade Nova, com o afectuoso abraço do seu velho, constante e sincero admirador e amigo: João Ameal. Lisboa, Maio de 1934.

 
05 – João Ameal, António Ferro e a Ilustração Portuguesa,
por Mafalda Ferro.


Legenda: António Ferro e João Ameal no gabinete de António Ferro, 1922.

Quando, 
em Maio de 1922,  a convite de Lucília Simões, António Ferro partiu para o Brasil, "entregou" a direcção da «Ilustração Portuguesa» a João Ameal, então redactor da revista.

No entanto, a história não é assim tão simples. 

Quem consultar os números publicados até cerca de 1923, constata que a revista teve Carlos Malheiro Dias como primeiro director oficial, até 19 de Fevereiro de 1912, e que, desde então, o nome de José Joaquim da Silva Graça (director e proprietário d’«O Século») passa a constar como director da «Ilustração Portuguesa», mesmo quando já não o é.


O facto é que, desde Outubro de 1921, António Ferro é o real director da revista, tendo ocupado o cargo até Maio de 1922, mês em que, como já referido, parte para o Brasil.

Enquanto director, António Ferro delega a direcção a João Ameal e, depreende-se que tal só poderia ter acontecido com a concordância de Joaquim da Silva Graça.

Assim, João Ameal cujo nome, tal como o de Ferro, nunca constou na ficha da revista, dirige-a nos mesmos moldes desde fins de Maio até Agosto desse ano, mês em que, sem qualquer explicação, é substituído por António Maria de Freitas que virá a ocupar o cargo até ao fim dos seus dias em Setembro de 1923.

Homenageando e presenteando João Ameal no centenário do seu nascimento, resolvemos mergulhar no acervo da Fundação António Quadros (Fundação) para encontrar respostas que permitam a reposição do nome de João Ameal na história da «Ilustração Portuguesa».


A Fundação preserva 70 cartas de João Ameal (55 para António Ferro, 11 para Fernanda de Castro e 4 para António Quadros) e foi numa destas peças epistolares que descobrimos, se não uma explicação, pelo menos uma descrição pelo próprio Ameal de como tudo se passou.

Para que se entenda, partilhamos hoje, de João Ameal, o excerto de uma carta para Fernanda de Castro e uma carta para António Ferro:

 

[PT/FAQ/AFC/001/0013/00016]

Figueira da Foz

Dia 14 de Agosto de 1922

Minha querida amiga:

Tenho muito que lhe agradecer pela sua gentilíssima atenção antes da partida para o Rio. Não lhe escrevi logo, porque estou na Figueira da Foz há tempos e só hoje me trouxeram a sua carta de Coimbra.

[...]

Peço que não deixem de me escrever de lá – sempre para Coimbra, que é o mais seguro! Aí tem você uma carta que eu mando ao António e que lhe peço o favor de lhe entregar. Como não tenho a certeza se ele receberia as minhas cartas anteriores, conto mais uma vez o drama da Ilustração. Tenho a certeza que você, pessoalmente, dirá ao António toda a verdade, para que ele tenha a certeza da minha lealdade e do meu escrúpulo.

João Ameal

 

[PT/FAQ/AFC/001/0013/00015]

 Sua casa, Figueira da Foz,

Dia 13 de Agosto de 1922

Meu caro António Ferro:

Pelas minhas três cartas, já você conhece todos os episódios que se deram depois da sua partida. Entretanto, como essas cartas foram entregues ao acaso [as 3 cartas referidas não foram localizadas] e esta vai entregue à Maria Fernanda, faço aqui um resumo sintético, para remediar a hipótese de qualquer das minhas cartas se ter perdido.

Primeiro, como já lhe disse – tudo correu maravilhosamente. Com uma absoluta pontualidade, os números da Ilustração saíram – e, felizmente, até a tiragem aumentou algumas centenas d’exemplares. O Ruggeronni1 mostrava-se amável – embora aparecendo raramente e com as suas frases telegráficas. Um dia, declarou-me que queria ver as maquettes dos próximos números – um d’aqueles acessos que lhe surgem de vez em quando… Levei-lh’as no dia combinado e à hora justa. Não estava. No dia seguinte, até à hora de destinar a ordem das páginas, não estava ainda. Resultado – é claro, mandei o número para a máquina. No dia seguinte encontrei-o. Dois dias depois saiu o número; o Ruggeronni continuou impassível. Passa um domingo, uma segunda, normalíssimas. Terça de manhã, chego, como de costume, às onze e meia. Não encontro ninguém. Entro no gabinete. Daí a pouco chega o Oliveira Guimarães. Cinco minutos de conversa. De repente, entra o Bernardo Marques, que me vem dizer que andam a apresentar o Freitas nas oficinas como novo director da Ilustração. Espantado, mando chamar o Mattos. O Mattos confirma, com um ar desolado. Que sim, que o Freitas era o novo director, que só agora se sabia, desde Fevereiro deste ano que ele estava convidado2 e não aceitara por ter muito que fazer… E que ele, Mattos, tinha recebido ordem de não obedecer mais senão ao Freitas assim como na gravura. Supuz, portanto, que não havia nada a fazer, nem explicações a pedir. Se já se tinha resolvido suspender todas as minhas ordens… Arrumei as minhas coisas, mandei uma carta com a minha demissão e saí, antes que me fizessem sair… Você já sabia tudo isto. A Maria Fernanda acaba de lhe contar detalhes. Eu só quis, uma vez mais, resumir os sucessos, certo de que fiz o que devia e que você me compreenderá.

A Maria Fernanda também lhe levou o meu último livro. Tenho outro quase pronto.

E agora, meu querido António Ferro, mais um grande, enternecido abraço, pelos seus triunfos esplêndidos. Mais uma vez a minha amizade o acompanhou, com entusiasmo, nessa glória que é uma consagração.

Muito seu: João Ameal


Notas:

1 – José Garcia Rugeronni, Administrador-Delegado do jornal «O Século», genro do José Joaquim da Silva Graça.

2 – Porquê convidar o António Maria Freitas para ocupar o cargo que era, à data, ocupado por António Ferro?

 
06 – LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS
Promoção do mês.

 

Título: Revista Espiral, n.º 01.

Direcção e propriedade
: António Quadros.

Autoria (ensaios e artigos)
: António Quadros, António Braz Teixeira, Luís Forjaz Trigueiros, Afonso Botelho, Luíz Francisco Rebello, David Mourão-Ferreira, Luíz de Matos, Agostinho da Silva.

Edição –
Lisboa: Tipografia Peres, Primavera de 1964.

PVP (promoção até 14 de Março):
10,00.

 

 

 
 
     
 
Apoios:
 
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