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Newsletter Nº 200 / 14 de Agosto de 2023
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros
ÍNDICE


01
Lembrando António Ferro, nascido a 17 de Agosto de 1895, há 128 anos, por Mafalda Ferro.
02  Prefácio à 2.ª edição de A Teoria da Indiferença (1921) de António Ferro, por António Ferro.
03 — "Mensagem e a sua circunstância: Sem António Ferro não teria havido Mensagem", por Teresa Rita Lopes (2015).
04 "A Filiação Espiritual de António Ferro", por Homem Christo Filho (1926).
05 Iniciativas integradas nas comemorações do Centenário de António Quadros promovidas pela Fundação durante o mês de Julho. Memória de Imagem em Imagem.
06 Exposição «Ruy Belo - Inesgotável Rosto» patente na Biblioteca Nacional. Divulgação.
07 Programação prevista para as newsletters de 2023. Informação.
08 Livraria, obra em promoção: António Ferro: Ficção.


Editorial,

POR MAFALDA FERRO


PARABÉNS A TODOS NÓS!

ESTE É O N.º 200 DA NOSSA NEWSLETTER !

A newsletter foi criada há 14 anos no dia 14 de Julho de 2009, data em que foi publicado o n.º 1.
Dirigida pela presidente da Fundação, a newsletter, enviada sempre a 14 de cada mês, pretendia então, como agora, dar a conhecer as actividades da Fundação e o seu acervo, promover e apoiar Instituições culturais e/ou sociais; divulgar e homenagear autores, iniciativas, publicações e trabalhos de investigação, destacando sempre as obras em promoção na livraria da Fundação.

O primeiro número foi integralmente concebido por Cristina Vaz de Almeida e, a partir do n.º 2, o formato foi alterado e os conteúdos passaram a ser desenvolvidos pela Fundação.
Lembramos que todas as newsletters publicadas podem ser consultadas no Sítio da Fundação.
Agradecemos aos nossos leitores que, através dos seus contributos, constante interesse e palavras de incentivo, nos estimulam e justificam a continuação desta publicação.



A exposição «António Quadros e Fernando Pessoa: Retratos e Livros - Homenagem no Nascimento De António Quadros, 100 anos depois | De Fernando Pessoa, 135 anos depois» continua patente até ao dia 28 de Agosto, mostrando esculturas, retratos (sobre tela, madeira ou papel) e, ainda, livros que testemunham a ligação existente entre António Quadros e Fernando Pessoa, e demonstram os diversos momentos em que a vida e a obra de Fernanda de Castro, António Ferro e António Quadros cruzaram com a de Fernando Pessoa.


Promoção:
 Fundação António Quadros. Autoria/Curadoria: Mafalda Ferro. Grafismo: Paulo Montez. Apoio: Câmara Municipal de Rio Maior. Local: Rio Maior, Biblioteca Municipal / Fundação António Quadros. Patente: De 27 de Junho a 28 de Agosto de 2023.

ALGUMAS PEÇAS EM EXPOSIÇÃO:

 



A partir do início de Setembro, a presente exposição será substituída por «Natália Correia e António Quadros, Amigos, Intelectuais, Juntos na Chegada, Juntos na Partida»: Natália Correia, Cem Anos Depois (Setembro de 1923 - Março de 1993); António Quadros, Cem Anos Depois (Julho de 1923 - Março de 1993».


A exposição Itinerante, gráfica, bibliográfica e documental, registo da amizade existente entre os dois autores centenaristas, estará patente em Setembro na Fundação António Quadros e, em Outubro, na Escola Secundária de Rio Maior.


A inauguração oficial acontecerá na Fundação no dia 11 de Setembro, às 15h. 
Apresentada por Manuela Dâmaso, a cerimónia contará com a participação de Alunas de Literatura Portuguesa da Escola Secundária de Rio Maior.


Promoção: 
Fundação António Quadros / Escola Secundária Dr. Augusto César da Silva Ferreira. Autoria/Curadoria: Mafalda Ferro. Grafismo: Paulo Montez. Apoio: Câmara Municipal de Rio Maior. Locais: Em Setembro, Fundação António Quadros / Biblioteca Municipal | em Outubro,  Escola Secundária de Rio Maior.


Leia AQUI o Boletim «Folhas à Solta» n.º 119 da Associação Agostinho da Silva, entidade parceira da Fundação António Quadros.

 
01 — Lembrando António Ferro, nascido a 17 de Agosto de 1895, há 128 anos,
POR MAFALDA FERRO.

Com carácter, muito trabalho, dedicação, generosidade, dinamismo e paixão, António Ferro dedicou a vida à cultura. Apesar de modernista, apesar do Salazar, conviveu e trabalhou durante o Estado Novo, implementando um programa cultural a que chamou «Política do Espírito». Como é já hábito dizer-se «Foi o primeiro grande 'Ministro da Cultura' que Portugal teve»; deixou-nos uma importante obra intelectual, artística, cultural que, sem ele, nunca teria sido possível:

Escreveu livros, fundou revistas, pulicou na imprensa. 
Agregou em torno das suas múltiplas iniciativas um talentoso e único grupo de artistas. Criou o  Museu de Arte Popular, o Teatro do Povo, o Cinema do Povo, as Bibliotecas Ambulantes e foi responsável pela criação do Galo de Barcelos (como o conhecemos hoje), da Cerveja Sagres, das Pousadas de Portugal, de Concursos como os da «Aldeia mais Portuguesa de Portugal», das «Estações Floridas» e de «Montras», do primeiro posto de turismo fronteiriço (Vilar Formoso) e do primeiro grupo de bailado português institucional, o «Verde-Gaio». Foi também responsável pela angariação de fundos para a criação do Museu da Cinemateca Portuguesa. Foi o principal ideólogo e impulsionador da Exposição do Mundo Português, da Exposição de Paris, da Feira de Nova Iorque e de todas as exposições realizadas pelo SPN/SNI. Promoveu a atribuição de Prémios Literários e Artísticos e concebeu a Cartilha da Hospedagem. Levou pela primeira vez ao estrangeiro Amália Rodrigues e os Pauliteiros de Miranda.
Foi bom filho, marido e pai, fiel amigo e colaborador. 
E muito, muito mais.

São tantas as coisas em que, na Fundação António Quadros, tropeçamos diariamente sobre e de António Ferro... Encontrámos, recentemente, no meio de milhares, um artigo publicado em 1956, poucos dias  depois da sua morte, no «Jornal de Estarreja» pelo jornalista Tito Lívio que o conheceu quando tinha 19 anos. Do artigo, destacamos este pequeno excerto:

 

Foi um espírito brilhante e sempre compreensivo perante as aspirações dos novos, ansiosos de modernidade, de renovação do nosso parado ambiente intelectual, e a tantos deles insuflou a força da confiança e estendeu a sua mão protectora! Não devemos, igualmente, esquecer a protecção que deu a muitos intelectuais estrangeiros, fugidos ao inferno da última guerra e que, entre nós, foram por ele rodeados do maior carinho e da maior consideração.

 
02 — Prefácio à 2.ªedição de "A Teoria da Indiferença" (1921) de António Ferro,
POR ANTÓNIO FERRO.

António Ferro, chemineau de si próprio, oleiro de frases, exigiu-me que lhe prefaciasse a segunda edição da sua preocupada Teoria da Indiferença. Aborrecido, importunado na quietação búdica do meu espírito, à viva força pretendi esquivar-me, indicando-lhe outros nomes, outras firmas, trombetas que mais alto berrassem o seu nome. Tudo inútil, porém. Às várias plataformas que a minha indolência lhe propôs, António Ferro respondeu-me, com azedume, que só eu, António Ferro, o saberia compreender. Os amigos são implacavelmente delicados, em virtude do celebrado contrato social. Só os inimigos nos fazem justiça. Em mim, tinha ele observado um juiz severo para todos os seus actos, contrariando-o em tudo, analisando-o, discutindo-o, autopsiando-lhe a alma, por vício, por sistema. Amolentado pelos argumentos, concordando, na verdade, que o nosso Eu foi sempre o inimigo mais interessado em vencer-nos, espojei-me nos meus sentidos-esteiras atravessadas no lajedo musical da minha alma – Patio de las Muñecas – e, envergado o quimono branco da sinceridade, fumei o ópio das frases que aí vão…

António Ferro é um funâmbulo de circos e de feiras. Mergulhando, no baú mágico do seu tinteiro, esse outro dedo que ele tem na sua caneta destra, como um escamoteador, descobre, extrai, arranca bandeiras, fitas, lenços de cores, labaredas, pombos, mulheres…

A sua arte é uma arte de encruzilhadas, de encontros imprevistos, de assaltos à inteligência, de tiros à queima-roupa e de punhais sangrentos. A alma de António Ferro é um cartaz espantando a antónio ferro 46 multidão. A sua prosa é um automóvel de carrosserie vermelha, que passa a buzinar, atropelando tudo, senhores de calva e pança, míopes, óculos, lunetas, monóculos, jornalistas de artigos de fundo, mais propriamente, jornaleiros de fundilhos.

O Carnaval é a semana santa do artista, semana sagrada onde as imagens desfilam, em procissão, no andor das suas frases…

António Ferro é um trapeiro de cores. Ele anda pelo chiqueiro da vida, curvado, envelhecido, de sentidos esfarrapados, apanhando no arpão da sua pena – rodilhas de céu, trapos de arco-íris, gomos de luz, pedaços de vitral, cascas de frutos… António Ferro tem o parti-pris da cor, a obsessão, a tara estética e divina do protagonista do Chef-d’oeuvre inconnu desse velho Balzac – vient-de-paraître no decorrer dos séculos. António Ferro triunfará na Hora-Águia em que sentir marulhar na sua arte o ritmo oceânico das cores – cascatas de vermelho, ondulação de azuis, calmarias de cinzento, ciciar de lilases. Ele é um alcoólico, um bêbedo dos sentidos. A sua alma anda aos tombos na sua sensibilidade. Ele sobrepõe as suas múltiplas sensações como cartas de jogar, erguendo-se em castelo, nas mãos de certo infante… Epicuro, no sonambulismo das idades, ensaiou a maquette do espírito de António Ferro nesta frase legenda: «Todos os meus pensamentos vêm dos meus sentidos.» Como alguém afirmou, há tempos, o autor da Teoria da Indiferença é um clown, um palhaço lantejoulado, enfarinhado de luar. As coisas, em seus dedos, são marionnettes vistosas, marionnettes que ele veste como entende, que ele traja de seda, de veludo, de cetim ou de chita… O corpo humano é, para António Ferro, uma barraca de feira, onde os cabelos, os olhos, o nariz, a boca, os seios, se debruçam como fantoches… Irmanado com Anatole France no Petit Pierre, os dedos das mãos são, para ele, uma troupe de cómicos, de boémios, de saltimbancos.

O meu prefaciado é também um alquimista de sínteses. Sublinha com um traço as suas emoções, e acha-lhes a soma, a seguir… A arte é uma sugestão, a campainha eléctrica da Vida. Por fora das gavetas indica-se o que está dentro. Quem tiver curiosidade, abra as gavetas e escolha o que entender. É ainda Anatole – esse gato borralheiro da literatura francesa – quem ronroneja no Jardin d’Epicure esta verdade profunda – tão bela como qualquer mentira: «Qu’est-ce qu’un livre?
Une suite de petits signes. Rien de plus. C’est au lecteur à tirer lui-même les formes, les couleurs et les sentiments auxquels ces signes correspondent. II dépendra de lui que ce livre soit terne ou brillant, ardent ou glacé.»

António Ferro é um escritor objectivo, apenas objectivo – Ele não olha a Vida através de Si, mas vê-se a Si através da Vida. O papel branco em que escreve é o seu espelho. A sua imagem reflecte-se nas suas imagens. Ele não tem a premeditação da sua arte. As suas palavras florescem, na sua pena, como cravos vermelhos. Jean Cocteau, o dadaísta, forneceu-lhe o ex-libris da sua arte nesta frase – mil frases: «L’idée naît de la phrase comme le rêve dévie selon les poses d’un dormeur qui se retourne

António Ferro é, finalmente, um impressionista, talvez o único impressionista conhecido em literatura. Como Manet, Sisley, Renoir, ele proclamou na sua arte a realeza do Sol. A luz é o sangue das coisas. A arte é uma iluminura. A própria sombra é recortada na claridade. O Sol é o grande mentiroso, o resplendor da paisagem, o mais belo fotógrafo. O nosso melhor retrato é ele quem nos tira. No seu Elogio das Horas, António Ferro fez com palavras o que Claude Monet fez com tintas nas suas variações sobre os passos do Sol. Impressionista pelo estudo da luz, ele é também um impressionista na escolha livre dos motivos. Para a sua visão não há assuntos bons nem assuntos maus, há cores vivas ou cores mortas. A cor é o seu princípio, meio e fim. Tudo, para ele, se distingue por nuances. A cor é a linguagem de Deus, o idioma dos olhos. António Ferro é ainda um impressionista na distribuição dos tons. Como Renoir ele pinta em touches sucessivas: palavras estralejantes, cinzentas, agudas, desmaiadas…

A sua prosa é um poente esbraseado.

António Ferro é um fumador de paradoxos. A Teoria da Indiferença é, portanto, um livro de mortalhas, um livro de mortalhas Zig-Zag. Tem sido este livro bastante comentado, fartamente autopsiado nas mesas dos cafés — mesas de anatomia... O primeiro ataque que se lhe faz, maneirinho e fútil, é a insinuação de que o autor da Teoria da Indiferença não é, de modo algum, um indiferente. Estamos de acordo. Não é, nem o quer ser.

As teorias não são factos, são aspirações. A sua teoria é um programa que pode ser alterado por qualquer motivo imprevisto. As mulheres, por exemplo, são sempre motivos imprevistos da Indiferença. Os apóstolos são os escravos das ideias,  não são as próprias ideias. Quem prega uma ideia não deixa de a praticar inevitavelmente. Ele bem o sabe. António Ferro não se preocupa, porém, com as suas incoerências: tem por elas a máxima indiferença.


A outra acusação, mais viva e impertinente, é aquela que se refere à fragilidade do livro. livro de boutades, de blagues, de frivolidades sibilinas. Isto já eu sabia, aquilo também eu dizia... Não duvido que o soubessem, nego que o tivessem dito... Raku da sua arte, António Ferro poderia oferecer, afoitamente, uma quantia avultada a quem conseguisse desenterrar do pó das bibliotecas um livro igual ao seu. Já Nietzsche, esse Diógenes das Ideias raras, filosofava no Humano, demasiado humano: «O cérebro mais subtil não é capaz de apreciar a arte de subtilizar um paradoxo, se não tiver sido educado para isso, ou se o não tiver já tentado. Supõe, ingenuamente, que a agudeza de espírito necessária par sintetizar é mais fácil do que na verdade é, e passam-lhe despercebidos os atractivos e os sentidos ocultos das máximas e pensamentos.»


Efectivamente, a humanidade escusa de pensar mais. O que é essencial é catalogar as ideias, arrumá-las na alma, como numa estante. O trabalho mental está feito. Resta pôr etiquetas ao pensamento humano. A máxima originalidade está em reunir, numa fórmula, o maior número de verdades eternas. è esta a preocupação dominante do autor deste livro. A arte de António Ferro será o ovo de Colombo; António Ferro, portanto, que a descobriu, é, logicamente, o Cristóvão Colombo da sua arte.

António Ferro

 

03 — Mensagem  e a sua circunstância: Sem António Ferro não teria havido Mensagem,
POR TERESA RITA LOPES. [2015]

Lembrando António Ferro e com saudades de Teresa Rita Lopes, grande amiga de António Quadros ( e nossa) e admiradora também de António Ferro, a quem enviamos, por esta via, um grande beijinho e votos de uma rápida recuperação, decidimos publicar um excerto da comunicação que apresentou em 2015 num colóquio em homenagem a António Ferro, 120 anos depois do seu nascimento.

Legenda:
António Quadros com
Teresa Rita Lopes. Petrópolis, 1985. [FAQ/06/18454]


"O subtítulo desta comunicação poderá surpreender algumas pessoas. Mas a verdade é que se não tivesse havido esse Estado Novo que Pessoa denegriu, em verso e em prosa,   nos últimos meses de vida, não teria havido Mensagem: sem o dito Estado não teria havido Secretariado de Propaganda Nacional e, sem ele, não teria existido um António Ferro, amigo de Pessoa desde os tempos do Orpheu, que inventou um prémio para galardoar esse amigo de que conhecia a permanente penúria económica e os inúmeros talentos – entre eles o de andar compondo um livro de cariz nacionalista, que esteve até ao último momento para se chamar Portugal. Por isso redigiu nesse sentido o regulamento do prémio Antero de Quental – poeta profundamente venerado por Pessoa. Perante a recusa do júri de lhe atribuir o prémio máximo, de cinco mil escudos, que exigia um mínimo de 100 páginas (que Mensagem tinha mas só contando com as intervalares), Ferro subiu para os mesmos cinco mil escudos o valor do prémio de “Segunda Categoria” que o júri decidiu atribuir-lhe, não o de “livro” mas de “poema”, que estava previsto premiar apenas com mil escudos. Foi tudo o que pôde fazer…


Dir-me-ão que teria havido Mensagem, embora tivesse ficado, como tudo o mais, por publicar. Não, insisto, não teria ficado o livro que temos porque só em 1934, seguramente pressionado pelo amigo António Ferro, Pessoa, não só lhe deu a estrutura que tem, como também fez, para isso, os poemas necessários: há nove datados desse ano mas estou convicta de que, entre os não datados, se contarão alguns mais. Até então o livro era sobretudo constituído pelos poemas da série “Mar Português”, publicada em 1922 na revista Contemporânea, mais os que tinha composto na mesma altura que o folheto “Interregno”, em 1928, movido pelo impulso messiânico de acreditar que o golpe de 28 de Maio de 1926 significava para o país o despontar de uma nova era.


Os poemas da Terceira Parte, “O Encoberto”, foram em grande parte feitos de propósito para compor o livro: todos os de 1934, nove, e talvez também os de 1933, três (deve haver entre os não datados outros redigidos com o mesmo fim).


A índole dos poemas de “Mar Português”, eufórica, solar, destinada a celebrar os “navegadores e criadores de impérios” de que Pessoa se orgulhava de descender, é diferente da destes últimos. Esta Terceira Parte acrescentada é crepuscular: cultua um herói vencido, mas de que é anunciada a ressurreição. Pessoa nela se aplica a fazer desejar o Desejado, inaugurador desse Quinto Império paradisíaco da nossa redenção.


Fartei-me de ouvir dizer na minha juventude que Pessoa tinha sidosalazarista”.


Mário Sacramento tentou mesmo desculpá-lo com a sua circunstância, a que chamou “Hora Absurda”. Essa absurda afirmação, que alguns ignorantes ainda põem a circular 
– hoje já temos elementos para conhecer que não, desde que em 1993 publiquei o livro colectivo Pessoa Inédito – fundamenta-se sobretudo na existência do folheto “Interregno”, publicado em 1928, cinco anos antes da implantação do Estado Novo, e no facto de Pessoa se ter candidato ao prémio Antero de Quental, instituído, em 1934, pelo Secretariado de Propaganda Nacional, de que era director António Ferro. 

É preciso ler com atenção esse folheto justificando a necessidade de uma transitória ditadura militar, instaurada a seguir ao golpe de 28 de Maio de 1926. Quando o li com olhos de perceber entendi que não prova minimamente qualquer “reaccionarismo” da parte do seu autor - que, aliás, noutros escritos, se definiu como “inteiramente anti-reaccionário”.

Há também que levar em conta que esse folheto foi escrito pelo Pessoa épico, “personagem literária” de si próprio, autor da Mensagem, do poema ao “Presidente-Rei Sidónio Pais” e de outros poemas com o mesmo cariz épico (cujo sujeito não é um eu, dramático ou lírico, mas um nós). O estilo profético do folheto era aquele com que, em 1912, Pessoa anunciara o “Supra-Camões” nas páginas da Águia ou aquele em que, imitando o canto de um cego bandarrista, anunciava, depois da morte de Sidónio, “um dia o Sidónio torna” (publicado no referido livro Pessoa Inédito). Convém não esquecer que o último verso da Mensagem, “É a hora!”, foi escrito em 10-12-1928. Assim como em 1918 acreditara e, sobretudo, queria que acreditassem que Sidónio seria, simbolicamente, um D. Sebastião regressado, o autor épico que habitava Pessoa quis estremunhar a pátria Bela Adormecida desde Camões, acordá-la para uma outra “República Nova”, já que a de Sidónio não tinha vingado. E admitiu ser “a Hora!” 

Significativo que em 1928 tenha escrito onze poemas dos que figuram em Mensagem, número não atingido em mais nenhum outro ano: escreveu nove em 1934, três em 1933, um em 1930, um em 1929, outro em 1922, dois em 1918 e um em 1913 – atendendo aos datados, que há muitos por datar.


Recordemos que a maioria dos portugueses recebeu o golpe militar de 28 de Maio de 1926 com alívio e esperança. Inicialmente, Pessoa nada tinha contra Salazar – que se lhe afigurava um discreto homem de cultura. E o que Pessoa verdadeiramente queria era ser um “criador de cultura” – escreveu também “de civilização” - algo que equivalesse, em grandeza e projecção, à das Descobertas – especificou.


É possível que o judeu que Pessoa também era (descendente do judeu astrólogo e salmista Sancho Pessoa) e o criador de ficções sebastianistas que o habitava tivessem achado profética a coincidência entre o S inicial de Sebastião, de Sidónio e de Salazar...Mas também nunca devemos esquecer as afirmações de Fernando Pessoa (também em Pessoa Inédito), segundo as quais o seu sebastianismo era pura “propaganda” (termo seu), pura “estratégia” para assoprar a brasa do único mito congregador do imaginário português. Como para o seu venerado Mestre António Vieira, o que contava era despertar nas gentes o desejo mobilizador do Desejado – o desejo era mais importante que o Desejado... Ao dar-nos conta do seu empenho em escrever uma gramática para aperfeiçoar a nossa língua, que seria a do tal Quinto Império (de poetas, disse) – o mito contíguo que tentava alimentar – concluía que, se esse Império não acontecesse, sempre ficávamos a escrever melhor...


Em 1914, Pessoa afirmara, num livro de quadras populares do jovem António Ferro, em co-autoria com Augusto Cunha, Missal de Trovas: “Quem faz quadras populares comunga a alma do povo”. Curiosamente, é também em 1934 que Pessoa compõe quase todas as quadras que hoje lhe conhecemos. Teria António Ferro, tão empenhado na cultura de índole popular, criador das Marchas Populares, incentivado o amigo a retomar um projecto dos seus primeiros tempos: um livro de quadras com o título de Cantares? Penso que sim. Que sem o empurrão de Ferro – que talvez lhe tivesse encomendado um livro dessa natureza - não teria renascido em Pessoa esse antigo  impulso para “comungar a alma do povo”.


Em Fevereiro de 1935, dois acontecimentos farão de Pessoa um feroz detractor do Estado Novo e de Salazar: um deles foi o projecto-lei para proibir as associações secretas, que acabou aprovado, visando sobretudo a Maçonaria, contra o qual Pessoa se insurgiu violentamente na imprensa; outro foi a sessão de distribuição dos prémios do Secretariado de Propaganda Nacional em que Salazar discursou sobre a necessidade de impor aos intelectuais portugueses certas “directrizes”. Pessoa não compareceu, disse ao amigo António Ferro que não tinha fato…Mas não devia ser essa a verdadeira razão. Ouviu, certamente, pela rádio a transmissão do discurso e leu-o, no dia seguinte, nos jornais. E indignou-se. Nos meses que lhe restaram de vida, nove, Pessoa vai aplicar-se a denunciar o Estado Novo e Salazar  - que apodou de “seminarista da contabilidade”, “aldeão letrado”, “tiraninho” que nem vinho bebia..., como escreveu, em prosa e em verso.


Redigiu mesmo uma longa carta ao Presidente da República a pedir o afastamento do Presidente do Conselho por incompetência para o cargo (apontava as razões), além de outros textos, até em francês, para denunciar o ditador além-fronteiras.


É possível que, se Pessoa tivesse durado mais, Salazar tivesse durado menos".        

 
04 — A filiação espiritual de António Ferro,
POR HOMEM CHRISTO FILHO.

Legenda: Homem Christo Filho (Francisco Manuel), 1892/1928. Com dedicatória manuscrita Ao António Ferro, ao seu grande talento, à sua fina sensibilidade, à sua coragem literária, o seu amigo Homem Christo. [FAQ/06/03087]


De quando em quando, António Ferro aparece em Paris, de visita à sua terra e aos seus velhos camaradas da Capital. Digo à sua terra porque no fundo como na forma António Ferro é um espírito francês, ligeiro, brilhante, deliciosamente superficial e abundantemente metafórico; e digo aos seus velhos camaradas da Capital porque António Ferro quando aqui veio a primeira vez, de regresso de Fiume, sem conhecer ninguém, já conhecia toda a gente.

Lembra-me que tive o prazer de lhe proporcionar nessa altura, entre outros, um encontro com Colette, que ele foi ver à redacção do Matin, da parte de meu amigo Henri Duvernois que o introduziu, a meu pedido, junto da grande escritora. Dias depois Colette dizia-me, em casa de Claude Farrère, durante uma partida de poker: “Lá estive com o seu amigo Ferro. Brilhantíssimo. Encantador! Mas você e Duvernois mistificaram-me. Aquele rapaz não é português, mas sim parisiense, parisiense autêntico, primo direito de Sacha Guitry e tão espirituoso como ele!”


Colette tinha razão. Em fins de 1924, António Ferro voltou a Paris onde se demorou três semanas. Quis, durante esse curto prazo, realizar uma série de entrevistas com políticos, escritores, artistas célebres que ainda não acabou de publicar no Diário de Notícias. Foram, se não me engano, quarenta e cinco os entrevistados, ou seja uma média de dois por dia.

Todas as glórias francesas e estrangeiras do Paris contemporâneo foram devassadas pelo seu olhar penetrante. Coube-me a agradável tarefa de o introduzir, entre os quarenta e cinco, junto de quarenta dessas individualidades cujas impressões pude, mais tarde, recolher. Porque o António Ferro não é um jornalista como qualquer outro. A impressão que ele produz no seu entrevistado é, pelo menos, tão profunda como a que dele recebe. As suas perguntas têm uma agudeza, os seus comentários uma ironia subtil que não podem passar despercebidas. Assim, junto de todas as pessoas a quem aqui o tenho apresentado, recolhi sempre a mais lisonjeira opinião. E quando lhes mando, traduzidos em francês, os artigos de António Ferro que lhes dizem respeito, recebo invariavelmente uma resposta em que há o mesmo leit-motiv: “Votre compatriote est parisien.
C’est Sacha Guitry à Lisbonne. Il devait écrire en français”.

Ainda há dois meses, quando António Ferro aqui esteve de passagem para Constantinopla e Angora, tive ensejo de constatar o parentesco espiritual que o liga aos mais cintilantes escritores franceses e que impressiona mesmo os estrangeiros. O embaixador da Turquia, Fethy Bey, a casa de quem o levei antes da sua partida para o Oriente e que com ele conversou largamente, ficou maravilhado. E o meu ilustre amigo Luís de Sousa Dantas, a quem tive igualmente a honra de o apresentar na Embaixada do Brasil e que, por sua vez, o apresentou, a meu pedido, ao sr. Poincaré – que me não convinha solicitar directamente por lhe ter pedido eu próprio, dias antes, a sensacional entrevista que o Diário de Lisboa publicou, - sr. Millerand e a outros vultos eminentes da política francesa, o meu ilustre amigo Luís de Sousa Dantas transmitiu-me da parte das autoridades a quem apresentou António Ferro, impressões tão lisonjeiras que me deixou remorsos de ainda o não ter posto em contacto com mais gente. É a melhor propaganda intelectual que se pode fazer do nosso país junto dos franceses que, tendo uma alta ideia de si próprios, como o mundo inteiro sabe, só apreciam verdadeiramente os homens e as obras que lhes são afins.


Por isso traduzi em francês o melhor que pude, A Idade do Jazz-Band e o Mar Alto que publicarei e farei representar na primeira oportunidade

Em «Diário de Lisboa», 13 de Fevereiro de 1926.

 
05 — Iniciativas integradas nas comemorações do Centenário de António Quadros realizadas durante o mês de Julho.
MEMÓRIA, DE IMAGEM EM IMAGEM.






 
06 — Exposição «Ruy Belo - Inesgotável Rosto» patente na Biblioteca Nacional.
DIVULGAÇÃO.

Patente entre 29 de Junho e 23 de Setembro de 2023, na Biblioteca Nacional de Portugal, a exposição celebra Ruy Belo e a sua obra no ano em que o poeta completaria 90 anos e em que passam 45 da sua morte. A celebração é especialmente marcada pelo generoso acto da doação do seu espólio com que os filhos do escritor pretendem perpetuar a memória do pai entregando à sociedade, através da BNP, os materiais que estão na génese da sua obra.

A exposição constitui, assim, uma oportunidade para o público descobrir a "mesa de trabalho" do poeta numa selecção documental do espólio que passará a fazer parte do Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da BNP.


A formalização da doação decorreu no acto de inauguração da exposição, tendo contado com as presenças do Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e da Secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro.


Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933, em S. João da Ribeira, Rio Maior. Num percurso longo e simultaneamente breve, viria a concluir o liceu em Santarém e prosseguir os estudos em Coimbra. Em Lisboa, em 1956, termina a licenciatura em Direito, ano em que, em Roma, inicia o doutoramento em Direito Canónico. Defende tese em 1958 e, nesse mesmo ano, regressa a Lisboa. Em 1961 é aluno do primeiro ano do curso de Filologia Românica, na Faculdade de Letras de Lisboa e publica Aquele Grande Rio Eufrates, primeiro livro de poemas. Até 1977 publica 9 livros de poesia. O último título é Despeço-me da Terra da Alegria. Morre na sua casa de Queluz no dia 8 de Agosto de 1978.


Ao longo da sua vida, Ruy Belo persegue uma ideia de liberdade e um desejo de comunicação verbal de que a sua poesia é hoje, 45 anos após a sua morte, uma imagem viva. O seu acervo, as notas, apontamentos de versos deixados nos mais variados suportes, revelam essa inesgotável busca. Num aparente relato de vivência quotidiana, cedo nos apercebemos que a sua escrita, marcada por uma ideia de transporte, toca profundamente alguns dos problemas vividos pelas sociedades contemporâneas ocidentais, como o amor, a morte, a solidão, a relação com o outro, o tempo e o espaço das nossas vidas. Numa constante procura da natureza da palavra poética, Ruy Belo parece querer habitar um tempo que congrega todas as idades, um lugar que representa todos os lugares.

 
07 Programação prevista para as Newsletters de 2023.
INFORMAÇÃO.


As newsletters de 2023, ano do centenário de nascimento de António Quadros, ser-lhe-ão muito especialmente dedicadas. No entanto, destacaremos também a vida e obra de outras personalidades, figuras centrais de importantes efemérides e as actividades da Fundação, de Rio Maior, de outras Instituições ou de Particulares.


Com a disponibilização da Agenda a completar todos os meses, pretendemos dar ao leitor, com antecedência, a oportunidade de sugerir elementos ou publicações para cada mês.


Muitas vezes, depois da publicação de cada NL, recebemos elementos que evidentemente registamos mas que, em termos da sua publicação, já nos chegam fora de horas.

AGENDA

Setembro: Homenagem a Natália Correia, nascida a 13 de Setembro de 2023, há 100 anos.

Outubro: Homenagem a Manuel Tânger Corrêa, nascido a 24 de Outubro de 1913, há 110 anos.

Novembro: Homenagem a Domingos Monteiro, nascido a 6 de Novembro de 1903, há 120 anos.

Dezembro: Homenagem a Fernanda de Castro no mês do seu nascimento e morte (08.12.1900 / 19.12.1994). Homenagem a Paulina Roquette Ferro, nascida a 27 de Dezembro de 2023, há 100 anos.

 
08 — Livraria António Quadros
OBRA EM PROMOÇÃO MUITO ESPECIAL ATÉ 14 DE SETEMBRO

Autoria: António Ferro.

Título: Ficção.

Prefácio: Hugo Xavier.

Introdução: Luis Leal.

Apoio: Fundação António Quadros.

EdiçãoLisboa: E-Primaur, 2021.

PVP: €18

 
 
     
 
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