01 — Manuel Tânger Corrêa [1913 / 1975] — Família, Amigos, Teatro, Rádio, Televisão, Obra literária, Itinerância, por Mafalda Ferro
A Fundação António Quadros presta, hoje, homenagem a Manuel Tânger Corrêa (MTC), nascido há 110 anos em Santa Cruz das Flores, Açores (24 de Outubro de 1913).
Filho de António da Cunha Corrêa e de Zélia Tânger Corrêa, ambos naturais da Horta, Faial, MTC foi casado, desde 1948, com Maria Germana Dias da Silva Moreira (Maria Germana Tânger). Teve um único filho, António Manuel Moreira Tânger Corrêa (1952), que, depois da morte de sua mãe, entregou à Fundação António Quadros os espólios documentais e bibliográficos de seus pais.
Manuel Tânger Corrêa
Depois de terminada a escola primária, frequentou a escola primária nos Açores e o ensino secundário no Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa mas optou pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e aí se formou em Filologia Românica. Na Faculdade, criou o 1.º grupo de teatro experimental universitário português que intitulou «Grupo de Teatro Moderno», assumindo-se como principal intérprete em peças de autores consagrados como Raul Brandão, Miguel Torga, José Régio ou Garcia Lorca. Entusiastas desde o início, seguem-no os seus colegas Abel Flórido, Joaquim Serra, António Almodôvar, Madalena Núncio de Carvalho, Fernando Alves Soromenho, Luís de Sousa Rebelo, Rogério Boa-Alma, Dulce Rebelo e Artur Nobre de Gusmão. Os cenários são de Guilherme Filipe e António Dacosta. A presidência, a seu convite, foi assumida por Delfim Santos a quem se viria a referir como figura que desde a primeira hora incerta foi como que o nosso pai espiritual e advogado devotado, o nosso animador.
Em 1946, terminou o curso com 15 valores, destacando-se especialmente em Latim, Francês, Literatura Portuguesa, Filologia Portuguesa. À tese que apresentou, chamou «António Patrício, Poeta Trágico». Apesar de ter terminado o curso, não conseguiu afastar-se do Grupo de Teatro Moderno que continuou a dirigir, organizando, representando, seleccionando peças tendo, inclusive, levado à cena nos Açores, em absoluta estreia, «Yerma», peça em 3 actos e 6 quadros de Frederico Garcia Lorca, traduzida por Cecília Meireles e na qual integra o elenco juntamente com Maria Germana Dias Moreira, sua futura mulher. O Teatro, além de ser a sua grande paixão, era também uma forma de continuar a divulgar e a conviver com a Língua e a Literatura Portuguesas em todas as suas vertentes.
Enquanto estudante e já formado, em solteiro ou já casado, trabalha até 1955 como conferencista, ensaísta, crítico literário, explicador de português e literatura portuguesa, jornalista, actor, encenador, professor do liceu e do ensino superior.
Em 1955, inicia funções como Leitor de Português na Faculdade de Letras da Universidade Católica de Poitiers e, em 1956, no Instituto Católico de Paris, Faculdade de Letras. Nesse ano, em Paris, escreve “Mallarmé e Fernando Pessoa através do ‘Corvo’ de Edgar Allan Poe” cujo original assina MT/MG, mas que viria a publicar e a assinar (justamente) apenas com o seu nome no Rio de Janeiro, em 1968.
Regressado a Portugal, nos primórdios da Televisão em Portugal (1956), é convidado para assumir a primeira direcção de programas da RTP, funções em que – conforme salientou o matutino O Século - a despeito do interesse e carinhoso apoio que dispensou ao Teatro e aos artistas, não deixou de sofrer – pelo seu espírito independente, contrariedades e perseguições que o abalaram profundamente.
Continua a colaborar com a Radiodiffusion Télévision Française e, também, a dirigir os programas da RTP, dedicando-se de novo ao seu amor Maior: o Teatro, adaptando pequenas peças para emissão na RTP. Em 1959, foi promovido a «Chefe da Secção de Informação e Arquivo / Radiodifusão».
A partir de 1960, passou também a leccionar em Lisboa no Liceu Camões (secção de Alvalade), «Francês», «Ciências Geográfico-Naturais» e «Língua e História Pátria». A Revista «Ocidente» publicou António Patrício (poeta trágico). Ensaio, de sua autoria.
Consultor Literário da revista técnica «Electricidade», desde a sua fundação e, posteriormente, sócio honorário, publicou, no n.º 13, Janeiro/Março de 1960, p. 44, da revista, o seu texto «Evolução da Ciência».
MTC, sofreu sempre com graves problemas de saúde e, em 1962, foi internado no Hospital de Santa Maria e, no ano seguinte, no Caramulo (Estância Senatorial do Caramulo) com tuberculose pulmonar sendo obrigado a ausentar-se da RTP até 1964 ano em que foi considerado completamente curado e recebeu alta. Entretanto, a RTP tinha extinguido o cargo que ocupava. Voltou ao trabalho, continuando a aguardar uma decisão por parte da RTP sobre a sua situação profissional. Sempre sem resposta, candidatou-se ao cargo de Director-geral da RTP, recentemente vago, mas, em vez disso, é convidado (provisoriamente) a organizar um serviço Literário e Artístico, função que não lhe desagradou.
A convite de José Solari Allegro, passou também a dirigir um programa semanal (domingos) da Emissora Nacional intitulado «Música e Poesia» no âmbito do qual viria a assinar e a apresentar um «Curso de Literatura Portuguesa» que assim dividiu: «Do Século XII ao Século XVII»; «Século XVIII»; «Século XIX | Romantismo e Ultra-Romantismo»; «Século XIX | Realistas e Parnasianos»; «Século XIX | Simbolismo»; «Século XIX | Saudosismo»; «Século XIX | Outros Poetas de Inspiração Nacional»; «Século XIX | Orfeu [Orpheu]».
Em 1965, escreveu os primeiros 24 guiões (1/24) para os programas que viria a apresentar na Emissora Nacional entre 21 de Julho e 29 de Dezembro de 1965, com interpretações alternadas de Carmen Dolores, Lurdes Norberto, Manuel Lerena, Maria Germana Tânger, Pedro Pinheiro, Maria Júlia, Carmo Lopes, Norberto Barroca, Maria Armanda, Costa Guerra, Laura Soveral, Ana de Sá, Leonor Poeira, Maria do Carmo Ribeiro, Fernando Franco, Jorge Vale e José de Raimond sobre (por esta ordem): «O Século XVIII – Os pré-românticos»; «Bocage – Aspectos de uma psico-estética»; «O Século XVII – A Poesia como mero entretenimento»; «António Patrício – Aspectos de uma psico-estética»; «O Século XV – O 'Cancioneiro-Geral' de Garcia de Resende»; «Cesário Verde – O poeta da naturalidade»; «Do Século XII ao Século XIV – domínio literário do galego-português em toda a península»; «Camilo Pessanha – Aspectos de uma psico-estética»; «Século XVI – O apogeu da literatura portuguesa»; «António Nobre – Aspectos de uma psico-estética»; «O Século XIX – Primeiro Período: O Romantismo»; «Camões Lírico»; «O Romantismo Português»; «Mário de Sá-Carneiro – Aspectos de uma psico-estética»; «António Feliciano de Castilho – Mestre do Ultra-Romantismo»; «O Ultra-Romantismo – Soares de Passos e João de Lemos»; «O Século XIX – Segundo Período – O Realismo»; «Antero de Quental – Aspectos de uma psico-estética»; «O Ultra-Romantismo – Maria Browne, Mendes Leal e Alexandre Braga»; «Gil Vicente – precursor do teatro europeu moderno»; «Nossa Senhora na Poesia Portuguesa»; «Olavo Bilac – O mais lusitano dos poetas brasileiros»; «O Ultra-Romantismo – Luís Augusto Palmeirim, Gomes de Amorim e Pereira da Cunha»; «O Parnasianismo – João Penha e Gonçalves Crespo».
Em Agosto de 1966, teve uma recaída e foi de novo internado no Caramulo. Escreveu mais 50 guiões (25/64) para programas radiofónicos de sua autoria, «Música e Poesia», cuja apresentação retomou na Emissora Nacional a partir de 1 de Maio até 5 de Outubro, com interpretações alternadas de Carmen Dolores, Manuel Lereno, Álvaro Benamor, Manuel Lescano, António Carlos, José de Raimond, Hermínia Tojal, Carlos Santos, Maria Ribeiro Cruz, Norberto Barroca, Maria Germana Tânger, Costa Guerra, Maria Armanda, Catarina Avelar, Pedro Pinheiro, Laura Soveral; realização também alternada por Eduardo Street, Jorge Santos, Castela Esteves, Telles Gomes, João Alves, Gomes Serra; e assistência técnica de Leonel da Silva, Aníbal, Daniel Sanches ou Neves Feijó. Temas: «O Ultra-Romantismo – José Simões Dias, Bulhão Pato e Tomás Ribeiro»; «Realistas e Parnasianos – Manuel Duarte de Almeida, António Feijó e Gomes Leal»; «Guerra Junqueiro – Precursor do nacionalismo saudosista»; «Parnasianos – Fernando Caldeira, António de Azevedo Castelo Branco, Luís Osório e Hamilton de Araújo»; «A 'Mensagem' de Fernando Pessoa», «João de Deus – O maior poeta do Amor; «António Fogaça – o poeta d'’As orações do Amor’»; «João Lúcio – um poeta verdadeiramente impressionista»; «José Duro – o poeta que cantou a dor»; «António Sardinha – o poeta da 'Epopeia da Planície' alentejana»; «Guilherme de Faria – Um poeta saudoso de si mesmo»; «Roberto de Mesquita – um poeta simbolista na solidão insular»; Carlos Queiroz – um poeta convergente»; «Augusto Gil – um poeta que o povo adoptou»; «Tomás António Gonzaga – O poeta da Marília de Dirceu»; «Sebastião da Gama – o poeta da alegria de viver»; «Filinto Elísio – O poeta exilado que nunca esqueceu a pátria»; «Alberto Osório de Castro – o poeta do Mundo Português»; «Nicolau Tolentino – O grande humorista do Século XVIII»; «Sá de Miranda – O reformador da Poesia Portuguesa»; «Afonso Duarte – Aspectos de uma psico-estética»; «Cândido Guerreiro – Aspectos de uma psico-estética»; «Camões épico – Os Lusíadas»; «João de Barros – Aspectos de uma psico-estética»; «Mário Beirão – Aspectos de uma psico-estética»; «António Ferreira – O grande trágico do Século XVI»; «Fausto Guedes Teixeira – Aspectos de uma psico-estética»; «Gil Vicente – Um grande poeta lírico»; «António Correia de Oliveira – Aspectos de uma psico-estética»; «Frei Agostinho da Cruz»; «Afonso Lopes Vieira»; «D. Francisco Manuel de Melo»; «Teixeira de Pascoaes»; «Francisco Rodrigues Lobo»; «Florbela»; «Curvo Semedo»; «O Orfeu»; «Fernando Pessoa / Ricardo Reis e Alberto Caeiro»; «Fernando Pessoa / Álvaro de Campos»; realizado por Jorge Alves.
No final de 1966, foi nomeado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Franco Nogueira, para o cargo de Adjunto do Conselheiro Cultural ou Adido Cultural na Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. No âmbito das suas funções, dedicou-se também, como de costume, a promover entusiasticamente a literatura portuguesa. No âmbito dessa nomeação, foi homenageado pelo Cenáculo «Tábula Rasa» na presença de muitos dos seus amigos dos quais se destaca Raul Lino, Ivo Cruz, Natércia Freire, Germana Tânger, Augusto de Castro, Luís de Oliveira Guimarães, Adolfo Simões Müller, Oliva Guerra e de muitas outras personalidades ligadas às Artes e às Letras.
No Brasil, foi convidado a integrar a Associação Brasileira de Educação e, por sua iniciativa, foram atribuídas 120 bolsas de estudo para que estudantes brasileiros pudessem viajar para Portugal.
Em 1967, a convite da Universidade de Petrópolis, com autorização da Embaixada de Portugal, passou a leccionar a cadeira de Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade Católica de Petrópolis, ministrando o Curso de Literatura Portuguesa Contemporânea, de sua autoria, «Do 'Orfeu' aos nossos dias» aos estudantes portugueses no Brasil. Configurou o curso apoiando-se no trabalho anteriormente efectuado para os 64 programas radiofónicos de sua autoria, «Música e Poesia», que apresentara semanalmente na Emissora Nacional entre 21 de Julho de 1965 e 5 de Outubro de 1966.
No dia 3 de Junho de 1968, realizou a conferência «Mallarmé e Fernando Pessoa perante 'O Corvo' de Edgar Alan Poe» com a colaboração do Prof. Duke Ryan (da Embaixada da América), da actriz Henriette Morineau e de Maria Germana Tânger, que recitaram, à vez, trechos em português, francês e inglês, no Auditório do Palácio da Cultura, Rio de Janeiro, sob organização do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Divisão de Educação Extra-Escolar, Secção de Cultura. A conferência teve por base o ensaio que escrevera em Paris em 1955. A obra foi finalmente publicada e apresentada em Outubro com o título «Mallarmé e Fernando Pessoa perante 'O Corvo' de Edgar Allan Poe – esboço de literatura comparada», na Casa das Beiras, Rio de Janeiro.
Desde então, não têm conta as actividades que realizou, os escritos e as conferências que apresentou e as honrarias de que foi alvo no Brasil.
Em Outubro de 1969, no Rio de Janeiro, publicou «A Poesia Portuguesa Medieval», no «Caderno Literário da Revista da 'Casa das Beiras'»; a Revista Ocidente publicou o seu texto «Em busca de uma estética literária (ensaio)». O mesmo texto voltaria a ser publicado no ano seguinte no Rio de Janeiro em «Situação Actual da Literatura Portuguesa» na colecção de Estudos Universitários, n.º 4.
A 20 de Abril de 1970, foi-lhe atribuído em Brasília pelo Presidente da República Federativa do Brasil, Grão-Mestre da Ordem de Rio Branco, o grau de Cavaleiro da Ordem de Rio Branco.
No mesmo ano, a 31 de Agosto, no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Belas Artes atribuiu-lhe, pelo seu mérito pessoal e apreço à Nação Portuguesa, o título de Correspondente Cultural, com Honras Académicas nesta Corte Consagratória de Artistas Plásticos, entregando-lhe um diploma assinado pelo General José Venturelli Sobrinho, fundador e primeiro presidente da Academia.
No dia 13 de Agosto de 1971, no Rio de Janeiro, recebeu de Humberto Delgado uma carta em que lhe é comunicada, sem mais explicações, a sua saída do Ministério. À época, desempenhava as funções de cônsul de Portugal em Gijón.
A 20 de Janeiro de 1975, morre em Espanha; o seu corpo é sepultado quatro dias depois, no dia 24, no cemitério de Queluz, distrito de Lisboa. Tinha 61 anos.
Bibliografia Activa
— Mallarmé e Fernando Pessoa através do "Corvo" de Edgar Allan Poe – esboço de literatura comparada. Rio de Janeiro: Departamento Cultural da Casa das Beiras do Rio de Janeiro, 1968. Nota: Obra escrita em Paris, em 1955.
— António Patrício (poeta trágico). Ensaio. Lisboa: Revista «Ocidente», volumes LVI, LVIII, LIXI, 1959/1969.
— Em busca de uma estética literária. Lisboa: Revista «Ocidente», volume LXXVI, 1969.
— Situação Actual da Literatura Portuguesa. Autoria: Manuel Tânger Corrêa, João Alves das Neves, Leodegário de Azevedo, Fernando Mendonça, António Basílio Rodrigues. Colecção de Estudos Universitários n.º 4. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1970. Nota: Cinco das conferências proferidas no 1.º Congresso Brasileiro de Língua e Literatura (de 3 a 17 de Julho de 1969).
Bibliografia Passiva
Nós, os Finalistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa fomos assim… (de 1942 a 1946). Autoria: Finalistas da Faculdade de Letras 1942/1946. Lisboa: Oficinas de S. José, 1946.
Nota: Obra que regista através de textos e caricaturas a identidade dos alunos e dos professores dos anos 1942/1946. Entre os finalistas, está Manuel Tânger Corrêa.
Obra inédita:
— Apontamentos críticos sobre a moderna Poesia Portuguesa.
— Apontamentos críticos sobre a moderna Literatura Portuguesa.
— Três anos de crítica teatral.
— Sempre e nunca, peça teatral em 3 actos, traduzida para francês com o título «Jamais».
— Panorâmica da Poesia Portuguesa Moderna.
— Romantismo e Romantismos.
— Rimbaud e Sá-Carneiro.
— A Inglaterra na evolução do teatro.
— Originalidade e Valor do Teatro de Shakespeare.
— Consolação de Samuel Usque (1963).
— Em torno da soledad primera de Góngora». Lisboa, 14 de Março de 1946.
Traduções
— Entre outras peças francesas para a RTP, salienta-se
— Noite sem Madrugada (La maison de la nuit), de Thierry Maulnier: para o Teatro Nacional D. Maria II.
— O Preço da Glória (Pour être Joué), de Georges Wissant: emitida na RTP.
— Um segredo que toda a gente sabe (La fable du secret bien gardé), adaptação francesa da peça de Casona por André Camp: emitida na RTP.
— Realidade da Fantasia (Dans l'histoire du cœur), de Claude Gével: emitida na RTP.
— Meu Filho (Mon Fils), de Pierre Didier: emitida na RTP.
— Fernando Namora.
Presença na Imprensa:
Consulte AQUI no Sítio da Fundação António Quadros.
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