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Newsletter Nº 204 / 14 de Dezembro de 2023
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros
ÍNDICE

01 Paulina Roquette Ferro, a Pó, uma homenagem, Cem Anos depois do seu nascimento, por Mafalda Ferro.

02 — A minha Avó Pó, por Francisco Roquette Ferro Gautier.

03 — Maria João Quadros, Amiga da Fundação, Sobrinha de Fernanda de Castro, Prima direita de António Quadros, Fadista, passou por nós e em nós ficou, por Mafalda Ferro.

04 — Mary Anne McCarthy, fiel Amiga da Fundação António Quadros, por Mafalda Ferro.

05 — O Natal há 125 anos, recordado por Fernanda de Castro.

06 — Árvore de Natal (1920) — Excertos de uma “autobiografia” de António Ferro, comentada por Maria Barthez.

07 — A Paixão de Fernando P., as «Conversas» foram ao Porto. Memória.

08 — "A Cultura como Enigma", a mais recente obra de Guilherme Oliveira Martins. Divulgação.

09 — "Viagem à década de 1920: O Diáfano Brilho da Extravagância" e Maria João Castro, a autora. Divulgação.

10 — Livraria António Quadros. Obra em Promoção até 14 de Janeiro: A Paixão de Fernando P. Romance.

 

EDITORIAL,
por Mafalda Ferro.

 

Natal é tempo de família e, por este motivo, e muitas outros também, dedicamos esta newsletter de Natal a quantos têm apoiado e acreditado na Fundação principalmente neste ano de 2023 e, também, a vários membros da família do nosso patrono, António Quadros que tiveram uma importante presença na Fundação e que estarão para sempre associados a este ano ou mês:


— Fernanda de Castro (8 de Dezembro de 1900 / 19 de Dezembro de 1994), no seu mês de Nascimento e Morte. Hoje, ofereço aqui dois excertos das sua «Memórias» sobre Natais que viveu há mais de 100 anos mas que não são muito diferentes dos nossos.

— Paulina de Roure Roquette Ferro nascida a 27 de Dezembro de 1923 há 100 anos, em celebração do seu centenário.

— Maria João Quadros (1950-2023) que, em nós, viverá para sempre.

— Mary Anne MacCarthy (1928-2023) que marcou presença da Fundação e na família Quadros Ferro.

 

António Quadros tinha muitos amigos intelectuais com quem trabalhava e a quem admirava  mas nem a todos conheci pessoalmente embora soubesse quem eram. Assim, quando escolhi os Órgãos Sociais (Ó. S.) da Fundação, convidei grande parte deles a integrar esse painel e a, comigo, serem «Fundação António Quadros». Importa entender que qualquer um desses membros  do Ó. S. se envolvem de forma concreta e constante nas actividades da Fundação, mesmo que pontualmente. Assim aconteceu muito especialmente neste ano do centenário de nascimento do nosso patrono que gostaria de encerrar agradecendo a participação de cada um dos 43 titulares com cargos nos Ó. S.


— Aos que o conheceram em vida:

Abel Lacerda Botelho, António Braz Teixeira, António Cândido Franco, António Roquette Ferro, Francisco Ferro Gautier, Gonçalo Sampaio e Mello, Guilherme d’Oliveira Martins, Joaquim Pinto da Silva, José Bernardino Simão, José Carlos Seabra Pereira, José Esteves Pereira, José Guilherme Victorino, Madalena Ferreira Jordão, Mafalda Samwell Diniz, Manuel Cândido Pimentel, Mendo de Castro Henriques, Marcelo Rebelo de Sousa, Patrícia Cunha Cússio, Paulo Borges, Paulo Samuel, Teresa Rita Lopes e Teresa Samwell Diniz,


— Aos que, não tendo tido essa oportunidade, integraram mesmo painel:

Ana Paula Neves da Silva, Cândida Cadavez, Francisco de Almeida Dias, Francisco d'Orey Manoel, Henrique Coutinho Gouveia, Joana Leitão de Barros, Joaquim Domingues, José Almeida, José António Barreiros, José Carlos Calazans, Luís Almeida Gomes, Manuel Silva Pereira, Manuela Dâmaso, Maria Barthez, Mário Quina, Paulo Ribeiro Baptista, Pedro Martins, Peter Stilwell, Renato Epifânio, Sara do Ó Chaves, sem esquecer a Câmara Municipal de Rio Maior presidida por Filipe Santana Dias.


— Às Instituições:

Biblioteca Laureano Santos (David Ferreira, Paulo Montês, Dina Lopes e restante equipa). ICEA (José de Freitas, Anabela Almeida), Casa Fernando Pessoa (Clara Rizo, Ricardo Bello de Morais), revista «Nova Águia» (Renato Epifânio), Organização do Fólio Literário (Paulo Santos), Associação Agostinho da Silva (Maurícia Teles da Silva), Biblioteca da Escola Secundária de Rio Maior (Otília Pereira Jorge e sua equipa), Associação Cultural Sebastião da Gama (Lourenço de Morais), Cooperativa do Povo Portuense (Paulo Jorge Teixeira), Câmaras Municipais de Lisboa (Carlos Moedas) e de Rio Maior (Filipe Santana Dias, Leonor Fragoso, Fernando Costa e todos os técnicos envolvidos).


— Aos Particulares:

Manuel Dugos Pimentel, Risoleta Pinto Pedro, Fabrizio Boscaglia, Paula Mendes Coelho, César Tomé, Anna Maria Moog, Samuel Dimas, Rodrigo Cunha, Edgar Nunes, Fátima Ramalho, Annabela Rita, António José Borges, Carlos Pereira, Elísio Gala, Jorge Croce Rivera, Jorge Preto, Ana Margarida Chora, Artur Manso, Luís Lóia, Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Rui Lopo, Francisco Moraes Sarmento, Richard Zenith, Tomás Cantinho Cunha, Miguel Montezuma de Carvalho, Jorge Silva.

— Aos Membros do grupo AFAQ (Amigos da Fundação António Quadros).


A todos, agradeço, comovida, as palestras, os textos, as deslocações, os diversos contributos financeiros, documentais, bibliográficos, as publicações, a organização do Congresso, de Mesas-Redondas, de Colóquios e Conferências, a pintura de quadros em tela, que reuniu dezenas de estudiosos e amigos em torno da vida e obra de António Quadros.

Lembro, finalmente, com muita ternura e saudade os Órgãos Sociais Adriano Moreira, Ernâni Lopes, Fernando Guedes, João Bigotte Chorão, Luís Silva Moreira, Manuel Ferreira Patrício, Maria José Nogueira Pinto, Paulina Roquette Ferro (CC), Rui Neves da Silva e Rui Patrício Albuquerque que já não se encontram entre nós.

Se me esqueci de mencionar alguém, peço desculpa. Tenho a certeza que, seja quem for, está também no meu coração.

 
01 — Paulina Roquette Ferro, a Pó, uma homenagem Cem Anos depois do seu nascimento,
por Mafalda Ferro.

 

NOTA GENEALÓGICA: Paulina Maria de Roure Roquette Ferro («Pó») nasceu em Lisboa, freguesia das Mercês, no dia 27 de Dezembro de 1923, filha de Luís José de Seabra Roquette e de Maria van Zeller O´Neil de Roure Roquette (Viscondes de Fonte Boa); neta paterna de Álvaro Ferreira Roquette (filho dos primeiros Barões de Salvaterra de Magos) e de Cristina Burlamaqui Marecos de Seabra; neta materna de Robert O'Neil de Roure e de Pauline Josephine van Zeller.


Casou na Igreja de Nossa Senhora das Mercês no dia 8 de Dezembro de 1947 com António Gabriel de Castro e Quadros Ferro com quem teve 5 filhos:


Os dois primeiros morreram pouco depois do nascimento, sem serem baptizados: (Janeiro de 1949-Janeiro de 1949),  (Novembro de 1950-Novembro de 1950).

– António Duarte Roquette de Quadros Ferro (1952-), director do IADE, hoje reformado. Casou três vezes. De sua primeira mulher Maria do Sacramento Sousa Coutinho Salvação Barreto teve 3 filhos: Maria Rita Salvação Barreto de Quadros Ferro (1976-), Maria Ana Salvação Barreto de Quadros Ferro (1979-), António Maria Salvação Barreto de Quadros Ferro (1983-).

– Ana Mafalda Roquette de Quadros Ferro (1953-), fundadora e presidente da Fundação António Quadros. Casou duas vezes. De seu primeiro marido Francisco José Paradela de Abreu Gautier teve 2 filhos: Margarida Roquette Ferro de Abreu Gautier (1974/2014)  e Francisco Roquette Ferro de Abreu Gautier (1976-). Do seu segundo marido José João Santos Moreira Ulrich teve 1 filho: João Roquette Ferro Ulrich (1987-).

– Rita Maria Roquette de Quadros Ferro (1955-), escritora. Casou três vezes. De seu primeiro marido Alberto Manuel de Abreu Gautier teve 1 filha: Marta de Quadros Ferro Gautier (1976-). De seu segundo marido Miguel Augusto Pinto de Magalhães Martinha teve 1 filho: Salvador Maria Ferro Pinto de Magalhães Martinha (1983-).

 

Paulina Maria teve 4 irmãos: Álvaro («Manim»), Roberto («Neco»), Francisco e Maria Cristina («Mariazinha») de Roure Roquette.

Paulina Maria morreu no dia 6 de Agosto de 2010.


ÁLBUM DE RETRATOS



NOTA BIOGRÁFICA: Paulina Maria a quem passaremos a chamar Pó, perdeu o pai, tinha ela 14 anos, ficando a viver com sua mãe, os quatro irmãos e uma tia materna (Isabel de Roure, a Belau) numa casa na Rua do Prior (à Lapa). Estudou no Colégio das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, graças à generosidade de um tio materno (Francisco de Roure) que nunca confessou esse seu acto de generosidade, fazendo circular na família que não a Pó precisava pagar propinas pois era tão boa aluna que a sua frequência era uma honra para o Colégio. E a família sempre acreditou, de tal forma que, depois de acabar os estudos, a Pó foi dar aulas para o Colégio à laia de pagamento de divida de gratidão. Como, nessa altura, não era de bom tom falar-se de dinheiro, as Madres do Colégio nunca o souberam e ficaram-lhe muito gratas.

Já nessa altura, a Pó era bonita, vistosa, alegre e tinha muita graça. Teve vários namoricos e um noivo com quem esteve quase para casar mas, segundo corre na família, quando o noivo lhe disse que ela cantava mal (o que era verdade) acabou tudo com ele. Achou uma falta de respeito, mau prenuncio para um projecto de vida.

Quando conheceu António Quadros, ele era dócil, tímido, pacato e introvertido e, ela, alegre, segura de si, rebelde, faladora... Apaixonaram-se.

A sua família, bastante conservadora, começou por demonstrar uma certa reserva em relação ao namoro e a uma ainda hipotética futura ligação a uma família de intelectuais modernistas. No entanto, a delicadeza e simpatia de António Quadros, rapidamente conquistaram a sua mãe e os irmãos. a Pó foi recebida de braços abertos na família do futuro marido, tendo encontrado no sogro, António Ferro, o pai que perdera há tantos anos e, na sogra, uma amiga a quem desde o primeiro dia chamou «Fernanda», contrariando os costumes da época.

Em "Raiz Funda", Fernanda de Castro escreveu: «À Pó — minha filha e minha amiga por direito de conquista, com a ternura que tanto merece. Fernanda de Castro, Março 1951.»

O matrimónio, celebrado pelo Padre Pedro Gambôa aconteceu em Lisboa, no dia 8 de Dezembro de 1947, dia da Imaculada Conceição e, também, do aniversário de Fernanda de Castro, na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, seguido de copo-de-água em casa dos sogros, na famosa casa da Calçada dos Caetanos. O noivo chegou atrasado à Igreja, tinha que entregar um artigo...

Os noivos passaram a noite de núpcias na Pousada de S. Brás de Alportel, tendo seguido depois para Sevilha. De regresso, o casal instalou-se durante alguns anos na sua primeira casa  na Avenida Guerra Junqueiro.

Os primeiros anos de casamento foram duros, viveram a morte de dois filhos que morreram poucas horas depois sem nunca vir a ocupar os quartos para ele preparados ou a usar o enxoval cosido e tricotado por toda a família. O terror de nunca conseguir ser Mãe, abafou-lhe a alegria, destruindo-lhe as forças.

Em 1951, António começou a escrever poesia foi a pé a Fátima e a Pó sujeitou-se a tratamentos que lhe viriam a provocar alguns problemas com consequências difíceis de suportar.

Seguiu-se a alegria do nascimento de três filhos (António Duarte, Ana Mafalda e Rita Maria) que sobrevivem até hoje. mas o temor que sentira durante as anteriores gravidezes, haviam-na transformado interiormente.

Gostava o marido acima de tudo e de todos. Aprendera a depender dele, da sua força e ternura nos tempos de ansiedade que haviam vivido. Sofria angustiadamente quando ele estava longe... Queria que partilhassem a vida, sem excepções mas tal não era possível:  António Quadros trabalhava e escrevia muito, gostava de também viajar sozinho, Tinha uma intensa vida interior, precisava de silêncio e, tinha outros afectos.

Tinha um lado sombrio que guardava só para si, tinha dias sim e dias não mas, em público, era sempre alegre, divertida, bem vestida, sendo convidada por toda a sociedade lisboeta e cascalense para festas e banquetes. Gostava de ser admirada e podia, até, ser considerada fútil não fora a força dos valores humanos e religiosos com que tinha sido educada. Tanto se dava com gente rica e titulares, como com gente humilde. Todos a adoravam.

Lembro que, em 1967, quando a força da chuva inundou Lisboa, foi ajudar a tirar água e lama das casas mais pobres, levando-me consigo. Regressámos a casa já de  madrugada, estafadas, encharcadas e em estado de choque devido à miséria que presenciáramos e cuja existência desconhecíamos.
Recordo várias outras histórias sobre a generosidade da minha mãe. 

Cheia de contradições que nem tentava entender, gostava de entrar em estabelecimentos modestos, sentar-se sozinha em mesas com tampo de madeira corrida, beber uma garrafinha de «Magos» e conversar com os proprietários mas adorava também dizer «Eu que sou filha de uma Viscondessa»...

Depois do casamento, tirou a carta, tinha um Fiat 600 que nunca pegava, por quem nutria sentimentos afectivos e a que atribuía intenções quase humanas. Conduzir um carro, fazia-a sentir-se livre, independente... Lembro o dia em que devido a problemas de visão, anos e anos depois, teve que decidir abdicar desse privilégio. Uma parte de si mesma morreu nesse dia. Estávamos em frente ao LIDL de Cascais e, nesse dia, quase atropelou uma pessoa.

Não me debruçarei aqui sobre a sua relação com o marido limitando-me a salientar que vivia em função dele e que os seus estados de alma provinham essencialmente dessa relação. A seguir ao marido, vinham os filhos mas sentia sempre ciúmes do amor que ele lhes tinha.

Achava-lhe imensa graça mas, orgulhosa, fazia geralmente um esforço para não me rir, o nosso convívio nem sempre foi fácil, éramos ambas orgulhosas, teimosas, fortes, destemidas, andávamos sempre às turras... (Perda de tempo!) Sempre acreditámos que éramos diferentes uma da outra e que, por isso, chocávamos tanto mas, afinal, vejo hoje, tínhamos tantas coisas em comum… Até filhas difíceis…

Dava-nos explicações e com ela, fazíamos picnics no pinhal, almoçávamos na piscina para logo a trocarmos pelos nossos amigos, tratava-nos por Antoninho, Mafaldinha e Ritinha mas, quando se zangava gritava muito e, por vezes, lá vinha uma palmada.

Era uma pessoa singular e  fascinante, vestia fatos de baile, conhecia toda a gente, sabia de quem todos eram filhos e netos ou com quem eram casados. Gostaria que todos fossemos loiros e casássemos com alguém que fosse à Missa e, de preferência, tivesse cavalos. Aos nossos amigos, perguntava invariavelmente «a menina/o menino é filho de quem?».

Costumava dizer-nos, com um certo orgulho, à minha irmã e a mim, vocês são muito engraçadinhas mas não me chegam aos calcanhares. E essa, era uma grande verdade.

Fora educada segundo rígidos valores humanos e religiosos mas tinha, no entanto,  alguns preconceitos que nunca a impediram de socorrer quem dela necessitasse.

Não faltava à Missa de domingo na Igreja do Loreto, ou em Dia de Natal no Convento dos Inglesinhos, ou ainda no Rodízio, quando estava na Praia das Maçãs. Fazia parte do Movimento dos Cursos de Cristandade, ensinava catequese, cumpria todos os preceitos da Quaresma, da Páscoa e do Natal. Participava em retiros espirituais. Tinha muita Fé.

No entanto, na ambulância, já a caminho da Idanha, perguntou-me «Vou morrer? Por isso é que venho para aqui?» E, dois dias depois no quarto da clinica, já sob o efeito da morfina, «Acreditas que o Céu existe? Achas que vou para o Céu?». Nesses dias, conversava com o marido e com as amigas que já lá estavam...

Um dia, quis escrever um poema — não há de ser assim tão difícil, disse e assim fez. O poema chamava-se «As ratas do meu saguão» e, todos nós, filhos, ainda miúdos   arrependo-me disso hoje —, fizemos troça do poema. Desistiu por vergonha mas nunca acreditou que o poema fosse mau.

Nunca foi uma intelectual, mas lia fielmente todos os livros escritos pelo marido e acompanhava-o, sempre que era convidada, a lançamentos de livros, tertúlias filosóficas, conferências, homenagens, etc..., iniciativas sempre abrilhantadas pela sua presença e graça.

Com o marido, foi a França, Inglaterra, Itália, Suíça, Espanha, Bélgica, Grécia, Brasil, Estados Unidos, fez vários cruzeiros, visitou a casa de Shakespeare, museus, bibliotecas, monumentos, igrejas e pontes.
Em viagem, escrevia-nos postais com uma letra tão incompreensível que tínhamos que esperar o seu regresso para que nos lesse o que escrevera.

Conheceu Salvador Dali, o Rei Humberto de Itália ao colo de quem se sentou com medo de um canito que ameaçava morder-lhe os tornozelos, Dalila Pereira da Costa, Almada Negreiros, Sarah Affonso, Amália Rodrigues, Germana Tânger, Lima de Freitas, Oliveira Salazar, David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos, Afonso Botelho, António Braz Teixeira, Natália Correia e muitos, muitos outros.

A sua zona de conforto sempre foi Cascais mas, para grande espanto de todos, depois da morte do marido em 1993, começou a passar temporadas cada vez maiores em Vale de Óbidos recebendo amigos e família,  convivendo com os vizinhos que eram já amigos. João Aurélio, por exemplo, autor de "Minha Terra, Minha Aldeia. Vale de Óbidos — Rio Maior. Extractos de um ano de recreio e cultura numa aldeia de Portugal" registou no exemplar que lhe ofereceu:

À Dona Pó, pela simpatia que irradia e pela bondade que detém para que volte depressa a Vale de Óbidos, com estima, João Aurélio, 10-12-91.


Gostava dos amigos e da família mas, mais do que tudo, fosse quem fosse o interlocutor, gostava de falar, de ter graça, de contar histórias e, nisso, como ela, não havia outra.

Com a coragem que lhe era peculiar, levou a independência ao extremo de esconder de todos, até do médico, da acompanhante e dos próprios filhos, os dolorosos sintomas da doença viemos a saber depois de que viria a morrer.

Partiu de Vale de Óbidos onde se encontrava nesse mês de Agosto, rumo ao Hospital de Santarém, um caminho que a levaria dias depois aos Paliativos da Idanha, sua última paragem. 
No Hospital, fazia-a ouvir a suas músicas preferidas, sempre francesas, que ouvíamos no meu portátil. Fechava os olhos e deixava-se ir mas estava acordada.

Esteve sempre lúcida e fez-nos rir até ao fim.

Quando, três dias antes do último, uma das Madres da Idanha lhe perguntou «Então, precisamos de alguma coisa, Senhora D. Pozinha?», respondeu «A Irmã, não sei mas EU preciso de um gin tónico». 

Antes que me perguntem porque achei pertinente publicar na newsletter da Fundação estas memórias, passo a explicar a sua relação com a Fundação António Quadros, que é, mais do que tudo, uma homenagem que quis prestar ao seu marido.

Quando António Quadros morreu, no dia 21 de Março de 1993, o seu espólio ficou na posse da sua mulher que manteve o escritório do marido exactamente como ele o deixara, com excepção dos milhares de documentos que acondicionou num armário perto do escritório. Nas dezenas e dezenas de prateleiras, conservou os livros, as peças de artesanato, as fotografias emolduradas dos seus pais, de Fernando Pessoa, Lima de Freitas, Álvaro Ribeiro, José Marinho, Pascoaes, Leonardo Coimbra, da tertúlia de Estremoz que, nas mesmas molduras, estão expostas na Fundação António Quadros. Manteve ainda os seus discos, as obras de arte nas paredes, as peças do Espírito Santo, etc... Aliás, só graças a isso, foi possível a sua transferência para a Fundação.

Elemento fundamental na instituição da Fundação, Paulina Roquette Ferro doou e autorizou a doação do espólio do marido à Fundação e, também, que a casa de Vale de Óbidos fosse, desde o primeiro dia, a sua sede.
Integrou com seu filho António o Primeiro Conselho Consultivo da Fundação António Quadros.

Não será esquecida.

 

02 — A minha Avó Pó, 
por Francisco Roquette Ferro Gautier.

Pouco depois de nascer, fui morar com a minha mãe e irmã para casa da minha avó Pó, para casa dos meus avós maternos, em Cascais. Não estive lá muito tempo, mas foi o suficiente para gravar memórias que até hoje me confortam, memórias que se viriam a completar com outras criadas nos inúmeros fins de semana que lá passei e nos momentos vividos com os meus primos a brincar perto de casa, quando ainda se brincava na rua.

Desde que me lembro e durante décadas, a minha avó Pó, matriarca da Família Roquette Quadros Ferro, era o Pólo de união entre os seus netos e filhos.

Na nossa adolescência, quando tínhamos de lhe apresentar uma namorada, era sempre uma emoção. O respeito era tão grande que lhes dávamos formação antes de entrar em casa. E as primeiras perguntas já sabíamos quais iam ser:


Como se chamam os seus pais? E os seus avós?


Debitando depois alguma relação que encontrasse entre a nossa família e a de quem a visitava.

E, se alguma das nossas namoradas fosse decotada ou despenteada, já sabíamos que seria alvo de comentários pouco simpáticos. Não tinha papas na língua, a minha avó.

A minha avó tinha mais sentido de humor do que qualquer pessoa que conheci até hoje. Gostava de rir e de fazer rir. Mas havia limites, temas com os quais não se podia brincar. A religião era um desses temas.

Católica dedicada, obrigava os netos a rezar o terço sempre que iam de viagem no mesmo carro. E, por vezes, em casa, quando menos esperávamos, chamava-nos como se fosse pedir um copo de água. E quando percebíamos que era para rezar o terço já não tínhamos hipótese de esquiva.

Era rara a vez, quando almoçávamos em casa dos meus avós, em que a Avó não tinha de chamar o meu avô para a mesa vezes sem conta, cada vez mais incomodada com ele que se encontrava totalmente focado na escrita. Sempre achei piada a esta caricatura que se repetia amiúde.

Grande companheira do meu avô, com ele partilhou a maior parte da sua vida, era também muito chegada aos seus quatro manos, o Manim, o Neco, a Mariazinha e o Francisco, facto que me tocou muito durante toda a minha infância, pois o seu mano Manim, Visconde da Fonte Boa, foi como um segundo avô para mim; levava-me ao ténnis todos os fins de semana e com ele, durante anos, passei parte das minhas férias de Verão, no Casalinho.

A minha querida avó Pó tinha uma avó Pauline. E, em vez de herdar o seu nome, foi baptizada como Paulina, o mesmo nome em português e do qual fugiu toda a vida. Pó foi como sempre gostou de ser chamada, e assim sempre aconteceu, pelos amigos, família e conhecidos.

Vale d’Obidos foi o seu refúgio durante os últimos anos, na casa que mais memórias de família carrega. Sempre que lá vou, sinto-a em diferentes cantos e recantos. Tal como a sinto quando olho para os olhos azuis da minha mãe, ou quando visito a minha tia Mariazinha e oiço a sua voz.

A minha avó Pó vive e continuará a viver dentro dos nossos corações, para todo o sempre.

 
03 — Maria João Quadros, Amiga da Fundação, Sobrinha de Fernanda de Castro, Prima de António Quadros, Fadista, passou por nós, e em nós ficou,
por Mafalda Ferro.

 

Maria João Quadros, minha prima, prima direita de António Quadros, filha de Afonso Quadros que era irmão de Fernanda de Castro, a Feijão, cresceu em Lourenço Marques e, depois do fim da guerra colonial, veio para Portugal com os pais e os irmãos, trazendo na bagagem uma lufada de liberdade e ar fresco e o seu inegável talento.

A família instalou-se no Monte Estoril, na Vila Ralph, casa de férias de Manuela, irmã de seu pai.

Lembro muito especialmente os tempos em que nós, eu vivendo em Cascais e ela no Monte Estoril, nos víamos quase todos os dias.

Participava em muitos momentos musicais em casa de sua tia Fernanda de Castro e, mesmo sem planeamento, cantava para todos nós acompanhada pela Margarida Homem de Sousa. Cantava, orgulhosamente, fados da sua tia Fernanda, patentes hoje em muitos discos seus.
Aliás, porque era o que era, tinha muito orgulho, em todos os membros da família.

Viveu muitas situações complicadas mas sempre sem queixas nem rancores, agradecida pela vida, castiça, alegre, com muito humor, generosidade e inocência e, sorrindo e cantando, sorrindo e cantando sempre.

Nos anos 70, abriu um emblemático espaço na Rua das Janelas Verdes, o «Desassossego» que eu frequentava muitas vezes — morava ali perto, na Rua do Prior — e por onde passaram todos os nomes grandes da Música e do Fado. Foi também proprietária de outra Casa de Fados, a «A Casa da Mariquinhas» onde reuniu e jantou muitas vezes o grupo dos «Amigos da Fundação António Quadros» de que fazia parte. Cantou também em diversos outros espaços mas nada conseguiu superar aqueles primeiros anos no «Desassossego».

Para mim, mais que Prima, foi uma grande Amiga, uma interlocutora, uma confidente.

Embora a visse menos depois de me mudar para Rio Maior, embora saiba que a posso sempre encontrar na minha memória, acordo todos os dias, desde o passado dia 8, com a sensação de que o mundo ficou mais triste, mais escuro, mais silencioso.

Adeus, querida Feijão!


Na «Casa da Mariquinhas», 2010, primeiro Encontro dos Amigos da Fundação António Quadros.

 
04 — Mary Anne McCarthy (1928-2023), fiel Amiga da Fundação António Quadros,
por Mafalda Ferro.

Mary Anne McCarthy nasceu em Lisboa, freguesia do Corpo Santo a 14 de Outubro de 1928, filha de Richard Charles O’Brien McCarthy (irlandês) e de Maria Clara Hartwich Nunes McCarthy (meia alemã e meia portuguesa).
O artista Emmerico Nunes era seu tio.

Foi Professora de inglês no Saint Julian’s até 1952 (ano em que casou) e a partir de 1960 (cc.) foi Professora no Queen Elizabeth School até à data da sua reforma.

Casou em Lisboa, na Igreja do Corpo Santo, freguesia dos Mártires, a 23 de Novembro de 1951, com Pedro Henrique Tavares Ferro da Cunha, filho de Umbelina Raquel Tavares Ferro da Cunha (1893-1980, irmã de António Ferro) e de Augusto Henrique Roberto da Cunha (Augusto Cunha, 1894-1947).

O copo-de-água foi organizado em casa dos seus tios António Ferro e Fernanda de Castro, na antiga Calçada dos Caetanos. O fotógrafo foi San Payo. Do casamento teve três filhos, o Pedro a Patrícia e o Filipe MacCarthy da Cunha.

Na varanda da esquerda: António Ferro, os noivos e, atrás, Jaime de Carvalho e Jorge Felner da Costa. Na varanda da direita: Branca (amiga de Umbelina Ferro da Cunha) e amigas da noiva.

Bonita, inteligente, culta, pragmática, fiel aos seus amigos, generosa, senhora do seu nariz e refilona mas muito querida.


Logo que a Fundação António Quadros nasceu, Mary Anne McCarthy telefonou-me perguntando como podia ajudar.

Integrou, desde o seu primeiro ano, 2009, o Grupo dos «Amigos da Fundação António Quadros» e, pontualmente, no princípio de cada ano, cá chegava o seu cheque.


Esteve presente nos grandes momentos da Fundação mesmo no dia da inauguração das instalações em Rio Maior.


Foi com grande alegria que convidei para minha casa de Vale de Óbidos a tia Mary Anne, seus filhos, netos e, todos os Ferro. Um dia inesquecível!


Depois desse dia, a tia Mary Anne, corajosamente, viveu a morte de dois filhos.
Não nos voltámos a juntar todos.

Sobreviveu-lhe uma filha, a Patrícia, também «Amiga da Fundação», e ainda nove netos, vinte bisnetos e três sobrinhos por afinidade de quem foi sempre muito amiga, o António, a Mafalda (eu) e a Rita Ferro.


Deixou muitas saudades e memórias.

 
05 — O Natal, há 125 anos,
por Fernanda de Castro.


DOIS EXCERTOS DAS SUAS «MEMÓRIAS»:

Hoje, dia de Natal, acordei com saudades pungentes de mim, do tempo em que devorava a vida como um ogre, trepando as encostas como um cabrito-montês, brincando no mar como um golfinho, correndo por montes e vales, à procura de plantas raras para os herbários dos meus filhos. As pessoas simpatizavam então comigo, mas o que as atraía era a minha alegria, o meu entusiasmo, a minha inocência (a minha inocência, sim, ser inocente não é não saber as coisas, é ignorá-las, sabendo-as). O que aconteceu depois? Aconteceu que o dia, um belo dia, empalideceu. Agora sei que existe a alegria mas também a dor; acredito no Bem mas também no Mal; já não estendo as mãos para as brasas porque sei que as brasas queimam e que as queimaduras doem. Em suma, tornei-me uma pessoa razoável, sensata, e por isso tenho saudades de mim: é quando chega a idade da razão que as pessoas deixam de ter razão.


Não é justo para os que estão, mas a recordação dos que partiram embacia-me o Natal, como se visse através dum nevoeiro, ou melhor, duma cortina de lágrimas.


Não economizo nenhum gesto, não esqueço as tradições e trato de esconder a dor no coração como num cofre fechado à chave, para que a alegria, a máscara da alegria, permita a felicidade dos outros. Não esqueço os presentes, nem os doces, nem as velas, nem o pinheiro. Dou as boas-festas em cartões floridos, ajudo o Pai Natal a pôr brinquedos nos sapatos dos mais pequenos e, sobretudo, velo para que o segredo não seja desvendado, para que não morra a inocência, o deslumbramento duma criança.


Subitamente, recordo aquele Natal há muito esquecido... Tinha o António oito anos e andava na cozinha, na véspera do Natal, a ajudar-me, com o Fernando, a enfeitar a chaminé com raminhos de pinheiro e de gilbardeira, bolas de vidro, fios doirados, grinaldas de flores de papel. Os sapatos amontoavam-se... «até os chinelos velhos!», declarou o Fernando. Exausta, sentei-me na sala a descansar, mas, segundos depois, o António entrou a correr, muito encarnado, com as mãos nos ouvidos e a gritar:


– Ó mãe, olhe que ela quer dizer-me! Ó mãe, olhe que ela diz-me!


A Maria do Porto ria às gargalhadas:


– Então, a Senhora não quer saber? Este menino, com mais de oito anos, ainda acredita...

– Cale-se! Cale-se imediatamente! – gritei por minha vez, com certeza com uma cara de meter medo, porque se calou de repente e de repente bateu em retirada, não se atrevendo nunca mais a voltar a este assunto proibido.

– Eu não disse, mãe? Eu não disse?

– Não faças caso, filho, há pessoas assim, que não percebem nada, mesmo nada, coitadas!


Dia de Natal... Mas o que seria o meu Natal de hoje sem a recordação desse outro Natal feliz, em que o meu filho de oito anos, inteligente e sensível, se recusou violentamente a ouvir, para que pudesse «oficialmente» continuar a acreditar no doce mito do Menino Jesus, a descer pela chaminé, seguido pelo Pai Natal, carregados ambos com bonecos, plasticinas e lápis de cor?

II

Um amigo do meu pai, que talvez lhe devesse algum favor, resolveu festejar o nosso Natal com sumptuosos presentes. A mim, mandou-me um soberbo fogão que trabalhava a sério com álcool, acompanhado de uma linda bateria de cozinha de alumínio. À Manuela mandou uma boneca que dizia papá e mamã, grande novidade na época. Ao João mandou um palhaço com corda, que dançava e tocava pratos, ao mesmo tempo. Mas ao Chico, ah, ao Chico, mandou uma autêntica maravilha, uma caixa bonita e que tinha dentro tudo o que uma pessoa pode desejar: canetas, aparos, lápis, lacre, lápis de cor, cola, etiquetas, clipes e um mata-borrão verde. Imaginem o meu furor, a minha indignação! Então eu que sabia ler e até escrever (muito mal, é certo), eu que contava até cem e já começava a fazer contas de somar com vai um e tudo! O meu primeiro impulso, o meu instinto de mulher das cavernas foi arrancar-lhe a caixa à força. Além de ser a mais velha, eu era a mais forte, mas, felizmente, detive-me a tempo. Que ganhava eu com essa violência? Um castigo exemplar da tia Emiliana (embainhar pelo menos dois ou três lençóis) sem contar com as represálias do Chico e com a reprovação de toda a família.


Resolvi então mudar de táctica e comecei a fazê-lo reparar nas vantagens do meu fogão, branquinho, com duas fornalhas, fácil de manejar com simples auxílio de um pouco de álcool e de um fósforo.


O comilão do João deu-me sem dar por isso uma preciosa ajuda: falou dos petiscos que poderíamos fazer – bifinhos, salsichas, ovos mexidos com chouriço, etc.


A Guilhermina, que nos ouvira, suspirou:


– Se eu tivesse um fogão de esmalte como este, até tinha tempo para lhes fazer fios de ovos. Assim, passo metade da vida a arear as panelas, a esfregar e a dar brilho aos amarelos. Já repararam que tem forno e que até bolinhos se podem fazer?

– E depois – acrescentei eu – para que queres tu tantas canetas e lápis se não sabes escrever, se mal conheces as vogais?


Com este e com outros argumentos, o meu irmão acabou por se conformar com visível alegria da minha parte e não menos visível mau humor da sua.


De repente, ouviram-se gritos e correrias completamente anormais, mesmo quando brincávamos aos peles-vermelhas e aos cobóis.


O Chico, quando realizou que ficara sem a maravilhosa caixa e que em seu lugar era possuidor de um fogão, ficou de cabeça perdida. Por infelicidade, o tio António, com a falta de tacto que lhe era habitual, disse, escondendo mal o riso:


– Que bem que ficas de cozinheiro! Porque não pedes à Guilhermina que te empreste um avental?


Foi então que o Chico começou a gritar como um doido, numa correria louca do mirante até à casa de costura, onde a Jacinta estava a passar a ferro e eu a inventariar os tesouros da minha caixa. Encostado à parede estava um guarda-vestidos que tinha o pé partido e que para ali estava à espera do marceneiro que ficara de vir consertá-lo.


O Chico vinha tão cego de raiva que esbarrou com o armário, de maneira que este se desequilibrou e caiu por cima de mim. Todos deram um grito e ficaram um momento paralisados, até que o tio António, a Jacinta e o merceeiro, que lá estava por acaso, conseguiram levantar o armário, convencidos de que iam encontrar-me morta ou pelo menos em muito mau estado. Mas, não! Dera-se um milagre: com o choque, a porta do armário abriu-se, de modo que eu não estava debaixo, mas dentro do armário. O susto foi tão grande que, lembro-me bem, não houve ralhos nem castigos. A avó recomendou que tornassem a chamar o marceneiro, mandou para a Igreja um grande ramo de rosas e de açucenas, feitas pelas suas próprias mãos, e acendeu mais uma lamparina no oratório.

 
06 — Árvore de Natal (1920) — Excertos de uma “autobiografia” de António Ferro,
comentada, por Maria Barthez.

 

Arvore de Natal a minha vida,

Com os meus sonhos brinquedos pendurados…

Alguns deles, por terra já quebrados

Tombados como fruta apodrecida…

 

Meu vistoso palhaço de madeira,

Palhaço colorido e musical…

Bobo da minha infância aventureira.

Arlequim do meu Tédio imperial…

 

Lindo comboio que meu pai me deu…

Rápido em que o meu sonho viajou:

terminus da linha era no céu

Mas quási ao chegar lá… descarrilou!...

 

Ó meu palácio, todo maravilha,

Erguido lentamente, sonho a sonho…

Não sei bem onde estás…porém, suponho

Que deve ser numa longínqua ilha…

 

Ó teatrinho falso onde me vi

Da minha glória, enfim, seguir o rumo:

Ó caixa de charutos foste em fumo,

Juntar-te àqueles que aninhaste em ti…

 

E tu, tambor? E tu, minha corneta,

Onde tanto soprei sem que me ouvissem?...

Balada de oiro, foste tao discreta

Que ao pé de mim deixaste que dormissem…

 

Mas a boneca é quem me traz mais dôr,

Pois fecha os olhos, diz mamã, papá…

Mas só não disse ainda “meu amor”…

E agora, creio que jamais dirá…

 

Num balde de água a  lua é reflectida…

A neve cai…em meu cabelo fica…

Arvore de Natal!a minha vida,

Que eu vejo, além, naquela casa rica…

 

Ferro, António, Árvore de Natal, Portugália Editora, pp.11-13, 1920. Capa de Jorge Barradas.

 

Nesta quadra natalícia, trazemos à colação um poema de António Ferro, que reflecte o pensamento e o estado de espírito de um jovem dos anos 20, parte de uma geração desiludida, que em completa oposição à precedente oitocentista, procurará a mudança de cultura, da vida e sociedade vigentes.

É sobretudo uma geração nova na qual Ferro se insere que, no pós-guerra, adere à explosão da proposta modernista, apela à acção, e enaltece a necessidade de mudança. Define se em parte pelas suas referências literárias e filosóficas, com pendor para a valorização do pensamento de intelectuais que marcam e influenciam uma juventude, que quer reencontrar-se consigo próprio, apostando numa atitude insolente, lúcida, para a operar. Neste esteio de personalidades conselheiras, destacamos, Maurice Barres (1862-1943), esse “Prince de la jeunesse” (1959: Mauriac), substancialmente apreciado pelo seu nacionalismo (ligação à terra natal, aos mortos), à imagem afectiva da pátria, e ao culto do eu (explosão das emoções,).


Ferro em jeito de introdutório ao conteúdo do seu livro de poemas, recorre ao escritor francês, ressalvando a sua personificação dos joguetes de Natal, “objets ont des âmes et deviennent vivants” (Ferro: s/p) numa clara inspiração emocional.


António Ferro ao longo do seu poema, numa brilhante “encenação” da sua vida personificada na Árvore de Natal, explana as suas emoções (tão ao gosto modernista), respaldadas nos diferentes brinquedos da época festiva.


É Ferro, que alia os seus sonhos aos “brinquedos pendurados”, aos seus muitos projectados, mas reconhece que alguns deles “já quebrados” caem por terra irrealizáveis. Estamos assim perante um jovem desencantado, entediado manifestado pela inoperação, inconclusão, dos seus desejos.


O viajante António Ferro, o repórter, é também levado à “cena” no poema. O seu percurso experiente na série de entrevistas que realiza nesta época, onde de comboio, quer chegar “ao céu”, e quase a alcançá-lo, descarrilou, realçando o seu desalento pelo muito que ficaria por dizer, por fazer.


É o poeta dos desamores, quando se exprime pela fala da boneca, na inconformidade amorosa, reflectida na impossibilidade de o alcançar.


Ferro termina o poema, reflectindo sobre sua vida
árvore de Natal , antevendo-a, “ numa casa rica”, numa expressão de mudança, ancorada na nova vanguarda cultural (estética futurista) e política (ordem), à qual adere e introduz, e que marca(rá) toda a sua acção, presente e futura.

 
07 — "A Paixão de Fernando P.", as «Conversas» foram ao Porto.
Memória.

 


Depois das «Conversas» realizadas em Lisboa, Óbidos e Vila Nogueira de Azeitão, o romance de António Quadros «A Paixão de Fernando P.» foi, em Novembro passado, analisado e comentado, sob diversos aspectos, por José António Barreiros, José Carlos Seabra Pereira, Paulo Samuel, Joaquim Domingues e José Almeida no auditório da Cooperativa do Povo Portuense, entidade que apoiou e acolheu esta última sessão.

Paulo Samuel leu ainda uma carta pessoal que lhe havia sido enviada por António Quadros, parte de um conjunto que, em homenagem ao centenário do autor, ofereceu à Fundação António Quadros.

Foram quatro as «Conversas em torno d'"A Paixão de Fernando P."» com sessões na Casa Fernando Pessoa, no Fólio Literário, na Associação Cultural Sebastião da Gama e na Associação do Povo Portuense, envolvendo um total de 15 interlocutores: Anabela Almeida, Fabrizio Boscaglia, Joaquim Domingues, José Almeida, José António Barreiros, José Carlos Seabra Pereira, Lourenço de Morais, Manuel Cândido Pimentel, Manuel Dugos Pimentel, Manuela Dâmaso, Paula Mendes Coelho, Paulo Samuel, Pedro Martins, Ricardo Bello de Morais e Risoleta Pinto Pedro.

 
08 — "A Cultura Como Enigma", a mais recente obra de Guilherme Oliveira Martins.
Divulgação.

 

TÍTULO: "A Cultura Como Enigma": Em que se fala da cultura como realidade viva, como movimento permanente onde o presente se encontra com o tempo longo, no qual o que recebemos das gerações passadas se projecta agora e para o futuro, num incessante processo complexo de criação e metamorfose, sempre imperfeito e inacabado, tendo a possibilidade mágica de dialogar com quem nos antecedeu. Eis o enigma.

EXCERTO:
«Uma biblioteca é a melhor metáfora do mundo. É um labirinto cujos caminhos se fazem de perguntas e respostas. E há um misterioso fio de Ariadne que nos leva em cada estante, em cada livro, em cada palavra, à descoberta dos enigmas que nos permitem vislumbrar os contornos dos sentidos que a humanidade reveste.»

NOTA:
A obra, editada pela «Gradiva», foi apresentada no passado mês de Novembro no Grémio Literário por José Carlos Seabra Pereira.

SOBRE O AUTOR: Guilherme d’Oliveira Martins [1952-], licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Económicas, Doutor Honoris Causa das Universidades de Lisboa, Lusíada e Aberta, é ensaísta, Professor catedrático e Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi Presidente do Centro Nacional de Cultura (2002–2016), Coordenador em Portugal do Ano Europeu do Património Cultural (2018) e presidiu no Conselho da Europa à redação da Convenção de Faro sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea (2005). Foi Deputado independente à Assembleia da República durante sete legislaturas, Secretário de Estado da Administração Educativa (1995–1999), Ministro da Educação (1999–2000), Ministro da Presidência e das Finanças (2000–2001) e Presidente do Tribunal de Contas (2006–2015). Integra desde 2009 o Conselho Consultivo da Fundação António Quadros.

 

09 — "Viagem à década de 1920: O Diáfano Brilho da Extravagância — A Journey to the 1920s: The Diaphanous Glitter of Extravagance".
Divulgação.

 

SINOPSE: Os Loucos Anos Vinte, Les Années Folles ou The Roaring Twenties evocam um decénio esplêndido e evanescente, definido a partir de uma efervescência artístico-cultural única. A modernidade e o cosmopolitismo emanados da Paris do pós-guerra espalharam-se pelo mundo ocidental e consagraram-se através de uma elite dançando a um ritmo frenético, euforicamente interrompido pela Grande Depressão, fim de um tempo efémero e estrondoso. Prefácio de Nuno Júdice. Edição: Lisboa: ArTravel, 2023.

SOBRE A AUTORA:
Maria João Castro é investigadora académica em História de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Na sua área de especialização, tem vindo a debruçar-se sobre temas afectos à Cultura Contemporânea e aos Estudos Artísticos, focando-se quer na relação da Arte com o Poder, quer no que concerne à Viagem e aos estudos (Pós) Coloniais. Publicou vários títulos nesse âmbito, nomeadamente: Notas de Viagem (2012), Itinerários Perdidos (2013), Transiberiana (2014), Zanzibar e Arte de um (Re)Encontro (2016). Colabora como cronista de viagens na revista Across, Luxury, Travel & Safaris. [Texto Bertrand]

NOTA:
Na Biblioteca da Fundação António Quadros, existem várias obras da autora das quais se destaca:

 — Pintura colonial contemporânea. Da solidão da metrópole a um horizonte de possibilidades (Artravel, 2021);

— Dança e Poder. Diálogos e confrontos no século XX (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2015);

— Arte & Discursos — dos factos aos relatos construídos por estrangeiros acerca de Portugal. Livro de Actas do colóquio com o mesmo nome, publicação coordenada por Margarida Acciaiuoli e Maria João Castro (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2014);

— Os Ballets Russes em Lisboa. A permanência dos Bailados Russos em Lisboa em 1917 e 1918, durante a Primeira Guerra Mundial (INCM, 2017);

— Viagem à Década de 1920. O diáfano brilho da extravagância (excelente edição da Artravel, 2023). Prefácio: Nuno Júdice. Obra dedicada: "À Memória de José-Augusto França, mestre, interlocutor, inspirador desta renovada empreitada pelos Anos 20 de Novecentos". 
 

10 — Livraria António Quadros
Obra em Promoção até 14 de Janeiro

Autoria: António Quadros.

Título: A Paixão de Fernando P. Romance.

Capa: Tereza Lopes da Costa.

Edição
— Lisboa: Fundação António Quadros, 2023.

Prefácio: José António Barreiros.

Introdução: Mafalda Ferro.

Âmbito: Romance inédito publicado postumamente em homenagem ao centenário de nascimento do seu Autor.

PVP: €10 

 
 
     
 
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