clique aqui se não conseguir visualizar correctamente esta newsletter
Newsletter Nº 205 / 14 de Janeiro de 2024
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE

01
Jaime Cortesão (1884-1960), 140 Anos depois, registos na Fundação António Quadros, por Mafalda Ferro.

02 — Jaime Cortesão e António Ferro, por Mafalda Ferro.

03 — António Ferro e a prisão de Jaime Cortesão. Correspondência inédita, por Mafalda Ferro.

04 — Jaime Cortesão no Pensamento de António Quadros, por Mafalda Ferro.

05 — Germana Tânger, diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és..., por Mafalda Ferro.

06 — Livraria António Quadros. Obra em Promoção até 14 de Fevereiro: António Ferro: Ficção.

 

EDITORIAL,
por Mafalda Ferro.

 

2023, foi o Ano de nascimento de António Quadros mas as efemérides do seu centenário, tendo o homenageado nascido no dia 14 de Julho, prolongar-se-ão até 13 de Julho de 2024.

Assim, prevêem-se ainda diversas acções como:

— Colóquio “Vida e Obra de António Quadros”
, homenagem a António Quadros no âmbito do seu trabalho nas Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, iniciativa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, envolvendo a Secção de Informação do Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação e o Centro de Literatura Portuguesa da FLUC. Esta acção visa também impulsionar a Missão das Bibliotecas Itinerantes junto das comunidades locais, realçando o seu papel na difusão e criação de hábitos de leitura nas comunidades por elas servidas, e a consequente promoção de um espírito crítico nos seus leitores. A curadoria é dos Bibliotecários Itinerantes dos concelhos de Penafiel, Miranda do Corvo e Redondo e autores da obra "Homens Livro", Rui Guedes, Carlos Marta e Bento Ramires. O Encontro contará com a participação de representantes da Direção Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, da Fundação António Quadros, da Academia e de diversas Bibliotecas Itinerantes em actividade no território nacional.

— Reedição do romance A Paixão de Fernando P.
de António Quadros, edição revista e aumentada com 15 estudos sobre a obra, autoria dos participantes nas tertúlias realizadas em torno desta obra no ano de 2023.

— Publicação, pela Fundação Lusíada, coordenada de Abel Teixeira Botelho e organizada por Paulo Samuel, das Actas do Congresso «Nos Cem Anos de António Quadros (1923-2023)» realizado em Lisboa e em Rio Maior, em 2023.

Tertúlia no Porto em torno da Trilogia Portugal, Razão e Mistério, de António Quadros, a realizar na Cooperativa do Povo Portuense.

Reedição, pela Clássica Editora, com nova organização, da colecção de bolso anteriormente publicada pela Europa-América, das obras completas em prosa e em verso de Fernando Pessoa, organizadas e anotadas por António Quadros. Com Prefácio/Introdução de José Carlos Seabra Pereira, cada uma das 13 capas apresenta um retrato diferente de Fernando Pessoa por Júlio Pomar.

 

A presente newsletter é dedicada a duas personalidades:


Jaime Cortesão (Jaime Zuzarte Cortesão), nascido em Ançã, Cantanhede, a 29 de Abril de 1884, 140 anos depois do seu nascimento.

A Fundação António Quadros preserva escritos sobre Cortesão, autoria de António Quadros e um conjunto epistolar que hoje se divulga pela primeira vez, subsídio muitíssimo importante para o estudo e entendimento da sua vida e obra.


Maria Germana Tânger (Maria Germana Dias da Silva Moreira Tânger Corrêa), 16 de Janeiro de 1920 / Lisboa, 22 de Janeiro de 2018. Janeiro é, portanto, para nós, o seu mês.

O espólio da actriz, encenadora, declamadora e divulgadora da poesia portuguesa, bem como o do seu marido Manuel Tânger Corrêa, foi doado em 2019 à Fundação António Quadros por seu filho António Tânger Corrêa e integra hoje o acervo da Fundação, estando disponível para consulta nas suas instalações.

A Fundação colocou no seu Sítio http://www.fundacaoantonioquadros.pt/ diversas informações e textos para consulta sobre a vida e obra de cada um dos membros do casal.

 

ASSEMBLEIA-GERAL DA FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS


O Encontro anual dos membros dos órgãos sociais da Fundação António Quadros vai realizar-se na quarta-feira, dia 31 de Janeiro de 2024, às 18h, nas instalações da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) situadas no Palácio dos Condes do Redondo, Rua de Santa Marta, n.º 56, em Lisboa.

Agradecemos a esta importante Instituição  o apoio que sempre presta à Fundação António Quadros e que muito nos honra.

Durante a reunião, haverá oportunidade para trocar impressões sobre o ano de 2023 e sobre as previsões para 2024, a nível de actividades, contas e outros pontos em discussão.

Durante a reunião, todos os participantes têm a possibilidade de dar opiniões, fazer sugestões ou/e oferecer ajuda em projectos a realizar.

Boa leitura. 

 
01 Jaime Cortesão (1884-1960), 140 Anos depois, registos  na Fundação António Quadros.
Autoria: Mafalda Ferro.

Completando-se este ano 140 anos depois do nascimento do Jaime Cortesão, a Fundação António Quadros (Fundação) presta-lhe homenagem, revelando registos, alguns inéditos, preservados no acervo da Fundação.


Cortesão foi médico, político, professor, escritor, historiador, bibliotecário, documentalista e, também, um artista. São de sua autoria retratos/desenhos como os de António Sérgio (1911), Teixeira de Pascoaes e um auto-retrato identificado como Marcus Guyau (nome maçónico adoptado em 1911), entre outros.

Cortesão foi, ele também, retratado por diversos artistas dos quais se destaca Almada Negreiros, Vergílio Ferreira, Arpad  Szénes e António Carneiro.

Como se sabe, o acervo bibliográfico, documental e artístico da Fundação é extremamente importante para a reconstrução e correcta interpretação de alguns aspectos da Historia  de Portugal e, tendo sido Jaime Cortesão, segundo António Quadros, o maior historiador português do século XX, importa que nos debrucemos sobre alguns elementos reveladores da sua vida e obra que poderão, talvez, explicar e/ou alterar factos dados como adquiridos.

No primeiro centenário do seu nascimento, foi cunhada uma medalha comemorativa em bronze, numerada com o n.º 373/500, que pode ser encontrada na Colecção de Arte da Fundação. Anverso: JAIME CORTESÃO 1984 1.º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO, com representação do próprio; Verso: O DESCOBRIMENTO DO MUNDO E UNIFICAÇÃO DA HUMANIDADE EMBARCARAM PARA INICIAR A MAIOR FAÇANHA DO POVO DO OCIDENTE. (FAQ/CA-MED/00066)



Legendas:

01 — Fundadores do Grupo da «Seara Nova em casa de José Leal: De pé, Teixeira de Vasconcelos, Raul Proença e Câmara Reys; sentados, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro e Raul Brandão. Abril de 1921.

02 — Jaime Cortesão em sua casa. Lisboa, 1959. [Imagem publicada em Jaime Cortesão, um dos grandes de Portugal, por Alfredo Ribeiro dos Santos (Porto: Edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 1993)]

03 — António Sérgio, retrato sobre postal, por Jaime Cortesão, 1911. Colecção: Biblioteca Nacional. [FAQ/CA-POST/00646]

04 — Teixeira de Pascoaes, retrato por Jaime Cortesão. [Imagem publicada em Jaime Cortesão, um dos grandes de Portugal, por Alfredo Ribeiro dos Santos (Porto: Edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 1993)]

05 — Marcus Guyau (nome maçónico adoptado em 1911), auto-retrato por Jaime Cortesão. [Imagem publicada em Jaime Cortesão, um dos grandes de Portugal, por Alfredo Ribeiro dos Santos (Porto: Edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 1993)]

 
02 Jaime Cortesão e António Ferro.
Autoria: Mafalda Ferro.

 

O primeiro registo de Jaime Cortesão existente na Fundação António Quadros (Fundação) é de 1921, ano em que, abandonando a Renascença Portuguesa, fundou a revista «Seara Nova» e publicou a peça Adão e Eva levada à cena pela primeira vez no Teatro do Ginásio em Maio desse ano. O exemplar preservado na biblioteca da Fundação, editado pela «Empresa de Publicidade Seara Nova» (1.º milhar), foi oferecido pelo autor ao destinatário da dedicatória manuscrita: Ao Senhor António Ferro, homenagem de Jaime Cortesão.

No ano seguinte, 1922, António Ferro escreveu a peça Mar Alto que, com a Companhia de Lucília Simões e Erico Braga, levou à cena em vários pontos do Brasil.

A peça foi inaugurada em São Paulo, a 18 de Novembro, com Lucília Simões no papel de «Madalena», Erico Braga no de «Luís», Georgina Cordeiro no de «José» e António Ferro no de «Henrique» (esta sua participação enquanto actor não se viria a repetir).


Em Lisboa, depois do regresso de António Ferro a Portugal, Mar Alto foi representada no Teatro de São Carlos, a 10 de Julho de 1923, provocando tão grande escândalo que foi, no dia seguinte, proibida pelo Governador Civil de Lisboa, Major Viriato Lobo. Face ao sucedido, os intelectuais e artistas portugueses escreveram e assinaram um Manifesto dirigido ao Presidente do Conselho e ao Ministro do Interior, repudiando a interdição da peça e recusando-se a reconhecer à autoridade policial competência para deliberar sobre a moralidade ou imoralidade de uma obra literária. O Protesto, assinado por dezenas, regista assinaturas como as de Jaime Cortesão, Raúl Brandão, António Sérgio, Fernando Pessoa, Robles Monteiro, Raul Proença, Aquilino Ribeiro, Alfredo Cortez, João de Barros, Mário Saa, Augusto de Santa Rita, Leal da Câmara, José Pacheco, Américo Durão e Luís de Montalvor, entre outros.
O Manifesto não chegou a ser entregue porque a proibição foi levantada.
A peça Mar Alto foi publicada no ano seguinte. À obra, o autor acrescentou a completa informação sobre o percurso e as circunstâncias em torno das várias representações da peça bem como diversos outros elementos associados.

Jaime Cortesão, activista contra a ditadura militar portuguesa, presidiu à Junta Revolucionária estabelecida no Porto, facto pelo qual, em 1927, foi demitido do cargo na Biblioteca Nacional de Lisboa que ocupava desde Abril de 1919 e foi forçado a exilar-se em França até Junho de 1940, mês em que o país foi invadido pelos exércitos de Hitler.
Apesar de ter já sido publicado e referido que Jaime Cortesão pretendia partir para o Brasil, passando por Portugal, a
creditamos, face à correspondência inédita que hoje se publica, que a intenção de Cortesão era ficar definitivamente em Portugal.

No entanto, foi preso na fronteira de Vilar Formoso pela polícia política e enviado para a prisão de Peniche.


Durante o período que passou na Fortaleza de Peniche, caserna n.º 4, escreveu a António Ferro, pedindo-lhe apoio, explicando as razões da sua prisão bem como as condições em que vivia no encarceramento. Tendo anexado, uma carta manuscrita assinada por José [...] Ramos (Julho) na qual o remetente reforça o pedido de Cortesão.


Cortesão permaneceu em Peniche durante cerca de dois meses até que no dia 1 de Setembro de 1940, foi transferido para a Prisão do Aljube em Lisboa onde ficou até 19 de Outubro. A 13 de Setembro foi-lhe dado o prazo de 30 dias para abandonar o território nacional.


No dia 20 de Outubro de 1940, embarcou para o Brasil com o passaporte que o identificava como «BANIDO».


Em Dezembro (1940.12.02,), António Ferro recebeu o excerto de uma carta de Cortesão,  sem referência ao  destinatário, em que o autor refere os projectos que tem em curso e roga que agradeçam a António Ferro o seu apoio.

Legendas:

01 — Capa de Adão e Eva. Peça em 3 actos, de Jaime Cortesão, 1921. [FAQ/B-L/06711]

02 — Capa de Mar Alto. Peça em 3 actos, de António Ferro, 1924. [FAQ/B-L/06241]

03 — Jaime Cortesão com Câmara Reys, 19 de Outubro de 1940, no dia em que foi libertado da prisão do Aljube, véspera da partida para o Brasil. [Imagem publicada em Jaime Cortesão, um dos grandes de Portugal, por Alfredo Ribeiro dos Santos (Porto: Edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 1993)]

 
03 António Ferro e a prisão de Jaime Cortesão. Correspondência inédita.
Autoria: Mafalda Ferro.


Transcreve-se, em parte ou na totalidade, os documentos epistolares anteriormente referidos, provenientes do espólio de António Ferro, hoje pertencentes ao acervo da Fundação, entidade que detém os direitos autorais. Documentos disponíveis para consulta nas instalações da Fundação em Rio Maior.

 

FAQ-01-0699-001-a

Fortaleza de Peniche, Caserna n.º 4 – 1 de Agosto de 1940

Senhor António Ferro

E meu ilustre Confrade

Informa-me um amigo comum, que me é muito querido, de que V. Ex.ª se interessa generosamente pela minha situação e está em condições e na disposição de tentar esclarecê-la.

Grato a essa amável intenção e convencido não só de que me assiste justiça, mas que o meu encarceramento é mais prejudicial que útil ao País e ao Estado Novo, venho expor a V. Exª os esclarecimentos que seguem.

Desde começos do ano passado que eu e alguns amigos chegamos á conclusão evidentíssima de que a situação internacional, criada com a guerra de Espanha, nos inibia inteiramente de exercer, dentro ou fora do país, qualquer actividade militante, contrária ao Estado Novo. O imperativo dos supremos interesses da Nação, superior às divergências sobre a forma de a servir, convencera-nos de que chegara a hora de abater bandeiras. Já então nos persuadíamos de que a situação internacional evoluiria de tal sorte, que seria aconselhável um apaziguamento e entendimento entre todos os portugueses.

Nestas condições, por fins de Março, começos de Abril de 1939, encontrando-me no Consulado de Portugal em Paris, onde acompanhara duas senhoras de família, fiz ao Senhor Cônsul uma declaração naqueles precisos termos, e em nome igualmente de dois amigos, com cujo assentimento contava. Perguntou-me aquele Senhor se eu não preferia repelir por escrito essa declaração. Respondi que não me parecia oportuno assumir a responsabilidade duma atitude isolada e, por ventura, sem o consenso pleno de outros republicanos exilados, a quem devia solidariedade moral. Declarei, não obstante, àquele alto funcionário que não fazia segredo da minha atitude e comuniquei esta conversa aos meus amigos no estrangeiro e aos de Portugal, por carta escrita a meu cunhado, o escritor Augusto Casimiro.

Consta-me que aquele Senhor Cônsul deu igualmente conhecimento da minha declaração a autoridades portuguesas, cuja situação e nome ignoro. E convém, quiçá, observar que um dos meus amigos, em nome de quem falara então, tendo regressado comigo ao país, encontra-se em liberdade desde a primeira hora.

Em conformidade com esta atitude, busquei junto do Senhor Embaixador do Brasil as facilidades necessárias para embarcar para aquele país, e ali me consagrar aos meus trabalhos literários. O Senhor Sousa Dantas acedeu ao meu pedido e pôs-me, para os devidos efeitos, em comunicação com o Cônsul do Brasil em Bordéus. Infelizmente os meus pedidos de passaporte para o Brasil junto do Senhor Cônsul de Portugal, em Paris, e de outros receberam sempre uma recusa terminante, impedindo-me de realizar aquele projecto.

Começada a guerra europeia, e perante a possibilidade duma beligerância portuguesa, forçada pelos acontecimentos ou os interesses nacionais, fui dos primeiros a sugerir aos republicanos, meus companheiros de exilio, a necessidade de fazer uma declaração pública de que renunciávamos a todas as lutas de partido, em nome dos supremos interesses da Nação, e nos propúnhamos, como único dever, servi-la.

Essa declaração, firmada em nome dos republicanos emigrados, pelo antigo Presidente da Republica, Senhor Doutor Bernardino Machado, foi entregue num dos primeiros meses da guerra ao Senhor Ministro de Portugal em Paris, com o pedido de a transmitir a Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho. Sabemos que foi recebida e que a censura se opôs a que fosse publicada nos jornais portugueses, aos quais a havíamos enviado, no desejo de que a Nação se inteirasse dos nossos sentimentos.

Sempre na mesma conformidade, tendo sabido em devido tempo que, por ocasião do duplo Centenário da Independência de Portugal, se iria celebrar um Congresso Histórico, resolvi colocar nos respectivos trabalhos duas comunicações, uma das quais «Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses» é por assim dizer, a súmula dum grande número das investigações, que durante cerca de 14 anos realizei em bibliotecas e arquivos estrangeiros. Quis assim, e mais uma vez, manifestar o meu desejo de associar-me à vida portuguesa, nas suas manifestações de maior interesse nacional. As duas comunicações, como V. Exª saberá, foram aceites e lidas no Congresso.


Mais tarde, e em 3 de Junho deste ano, o Governo Português concedeu uma amnistia politica. Li com atenção o decreto respectivo, sobre o qual pedi para o país os necessários esclarecimentos jurídicos. Supus-me ao abrigo dele, e assim amigos e familiares me informaram de Portugal. Ainda hoje não vejo qual o artigo que me exclui.


Nessa convicção, pedi com os demais republicanos portugueses, que nos encontrávamos em Biarritz, passaporte para regressar a Portugal, o qual nos foi concedido pelo Senhor Cônsul de Baiona, na convicção, ele também, de que eramos abrangidos pela amnistia. Poderia, nesse mesmo momento, haver embarcado para Inglaterra. Preferi regressar á Pátria.


Aqui chegado, fui preso e remetido para a Fortaleza de Peniche. Soube depois, que á última hora me fora enviado telegrama para França, avisando-me de que a Direcção da Politica Portuguesa me não considerava abrangido pela amnistia. Essa comunicação não me chegou às mãos, como, aliás, um vale telegráfico remetido por pessoa de família, anteriormente àquela. Não é difícil prová-lo.


Perdoará V. Exª. que me refira agora aos meus trabalhos literários em curso. Durante a maior parte do tempo que passei no exilio, não deixei de prosseguir em bibliotecas e arquivos espanhóis, franceses, ingleses e belgas, as minhas investigações originais sobre a história dos descobrimentos e a expansão portuguesa. A esta espécie de trabalhos, ainda quando se não fazem inteiramente desajudados do amparo oficial e mau grado as premências e angústias duma vida cheia de dificuldades económicas e sofrimentos morais, é hábito apelidar de beneméritos e patrióticos.


Mas seja qual for o juízo de valor que se lhes possa atribuir, é certo que eles me valeram ter sido convidado desde os primeiros anos do meu exilio a celebrar discursos ou conferências nas Universidades de Madrid, Sevilha e Santiago de Compostela. Convite igual me fez a Universidade de Paris e o Centre International de Synthése Scientiphique de Paris, instituição oficial francesa. Nesses cursos ou conferências busquei sempre exaltar os valores espirituais da história nacional e a contribuição dos portugueses para a história da civilização.


Esses trabalhos valeram-me igualmente o convite do professor de História, antigo e actual da Universidade de Madrid, D. Antonio Ballesteros, para redigir dois volumes duma «História da América», edição monumental em vinte e tantos tomos, da sua direcção e editada pela Casa Salvat de Barcelona, um deles sobre o tema de História Portuguesa, outro, a História do Brasil. Num desses livros - «Los Descubrimientos Precolombinos de los Portugueses» - cujas provas compostas possuo há mais de quatro anos, defendia e, segundo creio, provava a tese do descobrimento precolombino da América pelos portugueses, apoiando-me em novos documentos e provas. As sucessivas delongas postas pelos editores na sua publicação, que, aliás, a desejam, levam-me á convicção de que o nacionalismo espanhol, exaltado pela recente guerra, se lhe opõe.


Entre outros trabalhos que neste momento tenho no prelo, em Portugal, destacarei um livro intitulado - «Portugal na História da Humanidade» - cujo primeiro volume está quási pronto a sair da “Portucalense Editora”. O Professor Doutor Damião Peres, que tem revisto a quási totalidade das provas, conhece a obra.


Animava-me, ao regressar a Portugal, o desejo de terminar essa obra, cujo II volume está por escrever, e buscar editor para obra semelhante àquela que não logro ver sair dos prelos espanhóis, e a redigir também. Ambicionava igualmente completar, para esse e outros trabalhos, investigações em Portugal, iniciadas lá fora.


Após 14 anos de exílio, cujas penas eu supunha contarem no ânimo dos meus juízes políticos, nenhuma outra ambição alimentava.


Encarcerado, há mais de um mês, numa caserna com mais 30 homens, ainda que podendo trabalhar algumas escassas horas ao dia, as condições deficientes de alojamento, de instalação, de ambiente e a impossibilidade absoluta de me rodear do número indispensável de instrumentos de trabalho (sempre grande na historiografia) forçar-me-á, a curto prazo, a interromper completamente os meus trabalhos, pelo menos na parte que mais poderia interessar á cultura nacional.


Perdoará V. Ex.ª, que neste momento lhe frise que me julgo na posse de documentos e averiguações históricas, inéditas, dum alto interesse nacional, que alargam magnificamente o âmbito dos nossos descobrimentos e explorações e a nossa parte na história da civilização humana. Animam-me á imodéstia de afirma-lo juízos de nacionais e estrangeiros. Assim, e para exemplo, uma das mais altas, senão a mais alta figura da historiografia nacional, em nossos dias, o Senhor Joaquim Bensaúde, com o qual, aliás, quási não tenho relações, dizia há dois anos, em comunicação ao I Congresso da História da Expansão Portuguesa, intitulada «Les Débuts de la Grande Époque», que nós havíamos trazido “enfim a solução ao mistério do descobrimento da América e resolvemos o grande problema histórico”.



Depois dos esclarecimentos anteriores sobre a minha atitude politica e o possível interesse dos meus trabalhos, atrevo-me a por á sua consciência de português culto e com responsabilidades na defesa da cultura nacional, o problema de computar qual valerá mais para o Estado Novo, se ter-me esterilmente encarcerado ou, ao invés, posto em condições de poder com eficiência continuar a minha obra.


Se a opinião de V. Ex.ª, for a que espero, rogava-lhe o obséquio de expor junto de quem de direito a minha situação. Seja como for, suponho de meu dever dirigir-lhe este arrazoado, na estrita defesa do meu trabalho, isto é, dum bem, que se me afigura transcender o mero aspecto pessoal.


    Rogando-lhe me releve a importunação.

Creia-me,

Confrade grato.

[Assinatura manuscrita de Jaime Cortesão]

Porto, 11 de Julho de 1940

 

FAQ-01-0699-001-b

Meu caro Amigo:

Perdoe-me. Só um motivo imperioso me obrigaria a roubar tempo às suas ocupações. O motivo é, na verdade, imperioso. Trata-se de valer um velho amigo, abstraindo tudo o mais, para só ver que ele se encontra numa situação difícil, e de auxiliar um intelectual de merecimento – o Jaime Cortesão.

Soube pelo filho – afilhado de Álvaro – que o pai está detido em Peniche e numa sala, juntamente com umas dezenas de presos políticos, impossibilitado de estudar e escrever – o seu único recurso para sustentar a família.

[...]

Lembrei-me do antigo camarada e Amigo e aqui me tem a rogar-lhe, com o maior empenho, que coloque o seu valimento, que é muito, e todo o seu coração ao serviço desta causa, obtendo para o intelectual em desgraça uma situação melhor.

[...]


Quererá o meu caro António Ferro, patrocinar e advogar esta delicada e melindrosa causa, com aquela bondade e espirito de camaradagem que lhe vão direito á estima e respeito de quantos labutam nas letras e eu soube sempre colocar acima de todos os «picuinhas e tricas»?

Julgo que sim, e, por isso lhe confio este apelo, certo de que intercederá para que seja melhorada a situação do Jaime, ou conseguindo-lhe a liberdade, ou obtendo que o instalem de maneira que possa trabalhar.

A todos os seus favores, juntará mais este, pelo qual me confesso, antecipadamente, gratíssimo. Creia-me, um forte abraço, admirador e amigo, obrigado.

José […] Ramos

 

FAQ-01-0699-002


.
..Trechos da última carta de Jaime Cortesão, de 2 de Dezembro de 1940 [para destinatário não identificado]

[...]



Novamente te rogo faças sentir ao António Ferro o meu vivo agradecimento pelo grande interesse que o meu caso lhe mereceu. Conheço e agradeço, no seu justo valor, a carta que escreveu ao Embaixador.


[...]

 

04 Jaime Cortesão no Pensamento de António Quadros.
Autoria: Mafalda Ferro.


No âmbito do «V Encontro sobre Literatura para Crianças» realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian em Novembro de 1984, António Quadros apresentou a comunicação «Viagens, história e poesia em livros para crianças no tempo de Jaime Cortesão». No Encontro, participaram também Maria Isabel Mendonça Soares, Maria Augusta Seabra Dinis, João José Seabra Dinis, Matilde Rosa Araújo, Maria Natividade Correia, José Barata-Moura, A. Ferrer-Correia e Natércia Rocha.

A Fundação preserva no seu Arquivo Histórico diversos manuscritos e artigos publicados na imprensa, de António Quadros, que referem o seu interesse por Jaime Cortesão. Salienta-se:

Leituras e três leituras do «Ser Português», "Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, José Mattoso". [FAQ/13/00286];

14.06.1984, «Livros, Ideias e Formas»: "Dois portugueses notáveis, Cortesão e Proença", artigo publicado n'«O Tempo». [FAQ/02/0345/00003];

08.04.1990, "Confia, Mestre: Evocação de Jaime Cortesão". [FAQ/13/00786]

29.04.1990, “Venceste, Mestre”, artigo publicado no «Diário de Notícias», dedicado "A Jaime Cortesão: O homem, o poeta, o historiador, o combatente". [FAQ/02/0471/00002];

 

Em 1989, António Quadros publicou A ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos Cem Anos (Edição da Fundação Lusíada), obra cujo IV capítulo é inteiramente dedicado a Jaime Cortesão. Na nota biográfica, António Quadros define Jaime Cortesão:


[...]

Foi dramaturgo e escritor para crianças, mas foi sobretudo, quanto a nós, o maior historiador português do século XX, não unicamente por toda a extraordinária investigação realizada ao longo de muitos decénios em Portugal, no Brasil, na Espanha ou em França mas, sobretudo porque, cortando decididamente com a estreiteza da visão positivista, dominante no princípio do século, e bem como o unilateralismo das concepções puramente racionalistas e sociologistas (como a de Sérgio) ou materialista (como a dos marxistas), fez história sobre a dupla base de uma fundamentação documental sólida e de uma filosofia teleológica e espiritualista do devir português e humano

[...]


Legendas:

01  António Quadros. durante a sua palestra no V Encontro de Literatura Infantil, na Fundação Calouste Gulbenkian. [Imagem publicada em Jaime Cortesão, um dos grandes de Portugal, por Alfredo Ribeiro dos Santos (Porto: Edição da Fundação Eng.º António de Almeida, 1993)]

02  Jaime Cortesão.

 

05 Germana Tânger, diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és...
Autoria: Mafalda Ferro.


Maria Germana Tânger (1920-2018) nasceu e morreu no mês de Janeiro. É este, portanto, o mês que escolhemos para vos deixar um "miminho" sobre a sua vida e obra.

Deu a sua vida ao Teatro e à Poesia, percorrendo Portugal e quatro dos cinco continentes divulgando a poesia portuguesa. Para o fazer, utilizou inúmeros meios ao seu alcance: a «Pró-Arte», a televisão, a rádio,  o teatro, os saraus, as viagens, etc...

Com grande pena nossa, não é possível referir aqui, como gostaríamos, a totalidade dos  testemunhos e das dedicatórias, a que temos acesso.

Em 2016, publicou as suas memórias em "Vidas numa vida".



TESTEMUNHOS:

Não me lembro quando conheci a tia Germana Tânger. Acho que já nasci a conhecê-la. Era muito amiga da minha avó Fernanda. Fui sua amiga e visitei-a até ao fim. Dizia poemas, contava histórias e sorria, sorria sempre.
Mafalda Ferro 

Minha querida Maria Germana, aqui estamos nós mais velhas, claro, recordando uma cena no Teatro Avenida. Fui assistir a um espectáculo de alunos da faculdade e fiquei impressionada com a representação duma jovem que fui felicitar ao camarim.

Eras tu, querida amiga, eras tu.
Já lá vão muitos anos mas o Amor que sinto por ti ficou intacto!.
Beijos muitos da tua Eunice [Muñoz].

[Em "Vidas numa Vida"] 

Escrevi a história da "Menina do Mar" a pedido da Germana Tânger, Sophia de Mello Breyner
.

[Em "Vidas numa Vida"] 

 

DEDICATÓRIAS:


Para Maria Germana Tânger com simpatia e admiração, o Diogo de Macedo, 1952.

[Em Catálogo da «Exposição Júlio de Sousa»]

Para a Maria Germana Tânger, realmente! grande, grande abraço do Mário Cesariny. Sintra, séc. XXI.

[Em "Corpo visível"]

Para a Maria Germana Tânger, Poeta dos Poetas, abraço grande do seu Mário Cesariny.

[Em "Catálogo da exposição retrospectiva Mário Cesariny"]

À Maria Germana, que tanto tem feito, sistematicamente, pelo conhecimento deste nosso Poeta, e aliás de toda a melhor poesia portuguesa, of. com um grande abraço de velha amizade e ternura, o seu dedicado, António Quadros.

[Em "Fernando Pessoa. Vida, Personalidade e Génio"]

À querida Maria Germana, ao seu talento, à sua sensibilidade, a tudo o que tem dado de vida à Poesia e aos Poetas, não esquecendo nunca o que fez pela «África Raiz», com um abraço de ternura e admiração, Fernanda de Castro, 1989
.

 [Em "70 Anos de Poesia"]

À querida Maria Germana, com muito carinho, Cecília Meireles, 1952.

[Em "Doze Noturnos da Holanda & O Aeronauta"]

Para Maria Germana Tânger, com um abraço, a amizade e a admiração do Manuel
[Cargaleiro].

[Em "Manuel Cargaleiro"]

Para a Maria Germana Tânger, com a muita admiração e a sincera amizade grata do Mendes de Carvalho, Lisboa, 7 de Junho de 1963
.

[Em "Camaleões & Altifalantes"]

À Maria Germana Tânger, com muita dedicação, ofereço este livro de poesias do meu irmão, falecido aos 21 anos, em 1929. Francisco Leite de Faria. Lisboa, 20 de Maio de 1968.

[Em "Saudade minha (poesias escolhidas)"]

À querida declamadora Maria Germana Tânger, oferece esta
Carta para o Sol, o Camilo Rebelo Gomes.

Em "Carta para o Sol"]

Para a Germana, estes gomos de um fruto, com um beijo do Manuel
[Cintra], 21 de Maio de 92.

[Em "Tangerina"]

À Maria Germana que me proporcionou grandes momentos de Arte em casa da nossa Maria Helena. Com viva recordação do seu amigo e admirador Olegário Mariano, Outubro, 7 de 54, Lisboa.

Em "Cantigas de encurtar caminho. Poemas".

À querida Maria Germana, oferece o primo muito amigo, Egas Moniz.

Em "Ao lado da Medicina".

À Maria Germana Tânger, figura que fica bem entre vultos femininos pela sua grandeza de alma como Mulher e como Artista, oferece com amizade a Maria da Luz de Deus.

Em "Voltas que o mundo dá… Mulheres na História e Histórias de mulheres".

De João Grosso à sua Mãe de Arte, Maria Germana Tânger no dia do 40.º aniversário em que disse pela primeira vez na íntegra e de cor a "Ode Maritíma".

Em "A PHALA", n.º 73.

Para a Maria Germana Tânger que com tanto amor cultiva a «última flor do Lúcio». Valorizando a sua maravilhosa música, António Lopes Ribeiro
.

Em "Achegas para a História da Reforma do Conservatório Nacional".

À voz de sonho de Maria Germana Tânger que pela primeira vez disse um poema meu à gente de S. Miguel, muito reconhecidamente, Violante de Cysneiros, Abril 1989.


e

À voz de emoção de Maria Germana Tânger despertando a beleza musical da Poesia oculta na frieza da palavra. Com a maior admiração e reconhecimento por a ter ouvido nesta solidão atlântica, Armando Côrtes-Rodrigues, Abril de 1959.

Em "Antologia de Poemas de Armando Côrte-Rodrigues".

À Ex.ma Senhora Dona Maria Germana Correia, oferece Telo de Mendonça e Mascarenhas.
[…], Abril de 1982.

Em " Goa - Terra Minha Amada (sonetos)".

E, PORQUE A OPINIÃO DOS POETAS É IMPORTANTE, ESCOLHEMOS 
ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA:

À voz da poesia da Maria Germana Tânger, à sua bela amizade que me visitou neste hospital, trazendo-me a rosa […] do meu livro. Com que gratidão lho ofereço! António Manuel.

Em "Hospital".

Para a Maria Germana que deu a beleza e inteligência da sua Arte à humildade deste texto, o gratíssimo António Manuel, 1.8.85.

Em "O Tema da Restauração na dramaturgia portuguesa ".

Para a admirável intérprete de poesia, a queridíssima Maria Germana Tânger, com tanta estima e tanta admiração do António Manuel Couto Viana, Junho de 92.

Em "Café de Subúrbio"]

DEDICATÓRIA DE 
MARIA GERMANA PARA SEU MARIDO:

Manuel, não sei se teria sido capaz de dizer esta Ode sem o teu apoio, sem a tua inteligência, sem o teu carinhoso e constante amparo. Maria Germana, a 30 de Novembro de 1959.

[Em "Ode Marítima"]

 
06 — Livraria António Quadros

Obra em Promoção até 14 de Fevereiro


Autoria:
 António Ferro.

Título: António Ferro: Ficção.

Edição — Lisboa: E-Primatur, 2021.

Prefácio: Hugo Xavier

Introdução: Luís Leal

PVP: €19 

 
 
     
 
Apoios:
 
Por opção editorial, os textos da presente newsletter não seguem as regras do novo acordo ortográfico.

Para remover o seu e-mail da nossa base de dados, clique aqui.


Esta mensagem é enviada de acordo com a legislação sobre correio electrónico: Secção 301, parágrafo (A) (2) (C) Decreto S 1618, título terceiro aprovado pelo 105º. Congresso Base das Normativas Internacionais sobre o SPAM: um e-mail não poderá ser considerado SPAM quando inclui uma forma de ser removido.
 
desenvolvido por cubocreation.net