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Newsletter Nº 33 / Março de 2012
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

EDITORIAL

por Mafalda Ferro

Evocando António Quadros (14/7/1923-21/3/2012), dedico a newsletter de Março a personalidades da História e da Cultura em Portugal que, incontestavelmente, influenciam o Pensamento e o rumo das nossas vidas.
Despedimo-nos, com tristeza, de Dalila Pereira da Costa, escritora, ensaísta, amiga e interlocutora de António Quadros, como o comprova a vasta correspondência preservada no arquivo da Fundação. Em Novembro de 2010, Dalila escreveu que "Pelo seu amor a Portugal, a António Quadros foi concedido tocar o Mistério intocável desta nossa pátria - e traduzi-lo no seu conhecimento, em palavras humanas, transmitidas a todos nós portugueses". Renato Epifânio refere Dalila como “a pensadora maior da Portugalidade”. Também no início do ano, vimos partir Francisco Igrejas Caeiro nome grande da Rádio, do Cinema e da Televisão em Portugal, a quem prestamos a nossa sentida homenagem.
Não quero deixar de mencionar Manuel Cândido Pimentel que no dia 1 de Março lançou o seu mais recente livro Razão Comovida. Esta obra explica o Pensamento de grandes escritores e filósofos, entre eles Miguel Reale, Afonso Botelho, Leonardo Coimbra, Agostinho da Silva, Antero de Quental, Vergílio Ferreira, Pinharanda Gomes. Apresentado por Guilherme Oliveira Martins no CNC, o livro foi pretexto para que um grupo de amigos e admiradores se reunisse à volta do autor numa tarde que, como o título da sua obra, aconteceu plena de beleza e significado, ultrapassando as fronteiras da vida e da morte.
Gostaria de felicitar dois grandes amigos da Fundação, recentemente homenageados na Sociedade de Geografia de Lisboa: Ernesto Ferreira Jordão e, Adriano Moreira que recebeu, no passado dia 24, o Prémio Personalidade Lusófona, atribuído pelo Movimento Internacional Lusófono (MIL).
 Boa Leitura
 

DALILA PEREIRA DA COSTA 1918-2012

por António Quadros Ferro 


Depois da notícia da morte de Dalila Pereira da Costa (1918-2012) na passada sexta-feira, dia 2 de Março, fui ler, uma vez mais, alguma da correspondência que durante mais de 15 anos a escritora trocou com António Quadros. A razão deste regresso é simples e conta-se em poucas linhas. Quando li aquelas cartas pela primeira vez, e são mais de setenta, (só de Dalila), tive a nítida sensação de que nunca mais voltaria a ler algo assim. Nessa altura, e apesar de alguma hesitação, liguei para a sua casa no número 444 da Avenida 5 de Outubro no Porto. Nunca soube contar como foi este telefonema e hoje tenho na memória muito mais do que o que foi dito. De qualquer forma, apresentei-me e foi como se Dalila me convidasse a entrar na sua sala e como se nessa sala já estivesse António Quadros, de quem ainda era grande amiga. Estivemos assim à conversa durante vários minutos. Dalila acabara de preparar um chá, que pousara numa mesa junto do telefone, e das janelas, segundo me contou, entrava um cheiro doce do jardim. Não pude deixar de sorrir, quando, para tomar nota do meu contacto, se levantou para procurar a sua "pena", comigo deste lado seguindo os seus passos, feliz, ainda assim, com a espera. Desligámos o telefone e eu regressei sempre que pude às suas cartas. Aos raminhos de Páscoa que António Quadros trouxe da Grécia com a notícia do nascimento do seu primeiro neto; aos poemas de Fernando Pessoa e Frei Agostinho da Cruz; a Leão Hebreu; a Euridice; a Alexandria; a Coimbra; ao Douro; a Ofir e a tantas outras digressões sensíveis no tempo e no espaço. Escreveu numa das suas obras que um dia "nascerá o maior amor, o que concebe a saudade, na ausência - o amor absoluto" e isto lembra-nos tanto a sua vida como a sua obra, tanto a sua falta, como a sua presença.
*Imagem gentilmente cedida por Pedro Teixeira da Mota

Dalila Pereira da Costa
licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra em 1944, viveu em São Paulo entre 1959 e 1965 e mais tarde na Bélgica, antes de se mudar definitivamente para a sua casa no Porto, onde vivia sozinha. Colaborou na revista Esprit e publicou, entre outras obras: O esoterismo de Fernando Pessoa (1971), com posfácio de António Quadros; A força do mundo (1972); A nova Atlântida (1977); Da Serpente à Imaculada (1984); Místicos portugueses do século XVI (1986); Gil Vicente e sua época (1989); Os sonhos: porta de conhecimento (1991); Mensagens do Anjo da Aurora (2000); As Margens Sacralisadas do Douro Através de Vários Cultos (2006), etc.
 

CARTA DE DALILA PEREIRA DA COSTA A ANTÓNIO QUADROS

27 de Março de 1974
(excerto)

 

"(...) E ainda esta carta lhe levará o meu pedido de desculpa para ela própria, pois que lhe há-de parecer sem dúvida, exagerada ou deslocada, como importuna na sua chegada em véspera de uma viagem. Mas veja e concorde, se possível: agora no começo, tudo tem de ser excessivamente. Longuíssimas cartas, repetidas, para tentar dizer o que parece ser o mais importante. Depois, será tudo mais fácil e possível de ser dito lentamente (será?). E, mesmo assim, tudo é só agora um pedaço dum pedaço. Necessário, afinal, como parece?: pois que tudo, já no antes, estava dito e conhecido, partilhadamente. Na predestinação. Sem antes nem depois. Mas tentemos, fracamente, o por demais, dizer alguma coisa, neste tempo e terra ou vida. [....] E ainda lhe repetirei, agora depois que comecei a ler o seu livro minha participação espiritual a si é completa. Uma mesma coisa, e só, ambos procuramos nesta existência. É de procura difícil, a um tempo lenta e brusca, mas de tal forma exultante. Para que dizer o seu nome? fonte da vida, árvore da vida ou esse tal ouro, transmutador. Será esse o único mérito, se o há, em nós, que justifique uma visitação, ou graça por graça. (...)"
 

"A OBRA VISIONÁRIA E MÍSTICA DE DALILA PEREIRA DA COSTA"

por António Quadros

"Já o tenho dito, mas é oportuno repeti-lo: a literatura e o pensamento portugueses, ou, mais correctamente de língua portuguesa, encerram uma imensa riqueza potencial, a que aliás nem sequer falta expressão em obras por vezes excepcionais. Para a descobrir temos no entanto que sair das trilhas mais conhecidas e passar além dos efeitos adulteradores e massificantes da propaganda da moda e das ideologias. Tal exactamente o propósito que me tem guiado nos comentários, ensaios ou recensões desta rubrica semanal.
A obra de Dalila da Costa, realizando-se fora desses trilhos, escapando a definições e classificações, situando-se em zonas irrespiráveis para os que têm da literatura ou da arte uma visão escolástica e historicista, é dessas que não se encontram facilmente, porque precisam de ser procuradas, descobertas e meditadas. (...)"

Em O Novo Argonauta (e a Ilha Firme)
Fundação Lusíada, 1996
(este texto foi publicado pela 1ª vez no semanário Tempo em 1982)
 

"O DO NOME COMPLEXO"

por Dalila Pereira da Costa


"Quis testemunhar-te, provar-te, e abri a memória da família e o passado, primeiro a pequena, depois a grande. Ansiosamente: mas em resposta só aí encontrei imagens vivas doutras vidas desconhecidas: casas nortenhas de negro granito, pedra sobre pedra solta, à beira do rio verde. Era justo após a calamidade inundação: as gentes pousavam nas margens, meditando ainda, homens e mulheres de negro vestidos; ou na levada lançavam flores brancas, ricárdias, em recordação e oblação, que nas águas tumultuosas ficavam suspensas. Tu olhavas sorrindo, minha surpresa, persistência noutra vida aí negada, ensinando-me a assumir o despojamento, o sacrifício ofertado noutra vida encarnada desconhecida.
E no fim, ao alto da escada do castelo, disseste donde vinhas, o outro lado do mar, a terra verdadeira: e que esperavas a Mãe.
E o teu nome complexo. Sobre mim curvado, o murmuraste, claro."



Em Os Jardins da Alvorada
Lello & Irmãos Editores
Porto (1981)
 

«PEDRA FILOSOFAL», DE ANTÓNIO GEDEÃO

nos 15 anos da sua morte

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,


máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


Em Movimento Perpétuo, 1956

 

AGENDA CULTURAL

Destaque:

"FERNANDO PESSOA: PLURAL COMO O UNIVERSO"
De 10 Fev 2012 a 29 Abr 2012


Exposição dedicada a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos, que pretende mostrar toda a multiplicidade da obra do grande poeta de língua portuguesa, conduzindo o visitante numa viagem sensorial pelo universo de Pessoa, para que leia, veja, sinta e ouça a materialidade das suas palavras. Com curadoria de Carlos Felipe Moisés e Richard Zenith, nesta exposição encontra-se um espaço repleto de poemas, textos, documentos, fotografias e pintura, onde se incluem raridades como a primeira edição do livro Mensagem, com uma dedicatória escrita pelo poeta. Mais informação aqui.


Outros eventos:

  • 1ª Edição da FCHOpenWeek, de 27 de Fevereiro a 1 de Março, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
  • Exposição de trabalhos (obras em arame) de David Oliveira, de 3 de Março a 14 de Abril na Galeria 111, em Lisboa.
  • "Congeminações 2012", II ciclo de estudos em homenagem a António Telmo. O legado da Renascença Portuguesa: livros e autores de Março a Novembro de 2012 na Biblioteca Municipal de Sesimbra.
  • "Dickens nas colecções das Bibliotecas Municipais de Lisboa", de 7 de Fevereiro a 17 de Março na Hemeroteca Municipal de Lisboa.
 
 
     
 
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